segunda-feira, 21 de março de 2022

A Feira de Caruaru': música faz 65 anos como símbolo identitário e síntese das feiras do Nordeste

Ao lado de Onildo Almeida, g1 revisitou local e encontrou todos os produtos citados na música. Principal obra do cantor e compositor caruaruense ficou conhecida na voz de Luiz Gonzaga.


Onildo Almeida revisitou a Feira de Caruaru 65 anos após ele lançar a música homônima em homenagem — Foto: Joalline Nascimento/g1

Onildo Almeida revisita a Feira de Caruaru, local que o inspirou a compor

Por Joalline Nascimento e Lafaete Vaz, g1 Caruaru

Patrimônio Cultural Imaterial Brasileiro há 16 anos, a Feira de Caruaru é nacionalmente conhecida por ter de "tudo que há no mundo" para vender. E tal fama não veio por acaso para um dos maiores símbolos identitários do município: há 65 anos, em 21 de março de 1957, o cantor e compositor caruaruense Onildo Almeida lançou oficialmente a música "A Feira de Caruaru", que ficou conhecida na voz de Luiz Gonzaga.

"Quando eu digo que na feira tem de tudo, é porque você vai encontrar coisas que não é de vender em feira, mas tem na feira. Houve uma época em que até automóvel essa feira vendia. Agora a feira tá mais bonita, cheia de planta, bancos para expor a mercadoria, de maneira que fica decorativa", ressaltou Onildo.

De acordo com a prefeitura, A Feira de Caruarué composta por diversas feiras: do "Paraguai" ou de Importados; da Sulanca; de Gado; de Frutas e Verduras; de Raízes e Ervas Medicinais; do Troca-troca; de Flores e Plantas Ornamentais; de Couro (calçado, chapéus, bolsas); de Permanente de Confecções Populares; de Bolos e Seção de goma e doces; de Ferragens; Artigos de Cama, Mesa e Banho; Fumo; Permanente dos Importados; e a do Artesanato.

Onildo foi o primeiro a gravar a música que ficou nacionalmente conhecida na voz de Luiz Gonzaga. No entanto, os artistas não foram os únicos a levar "A Feira de Caruaru" Brasil afora. Anastácia, Oswaldinho do Acordeon, Mestre Ambrósio, Banda de Pífanos de Caruaru, Zé Paraíba, Luiz Santana e Fulô de Mandacaru são apenas alguns dos artistas que regravaram a canção escrita nos anos 50.


Letra de 'A Feira de Caruaru' está na parede da sala de estar da casa de Onildo Almeida — Foto: Joalline Nascimento/g1

"É uma das principais músicas compostas sobre a cidade. Mas, não apenas isso. Também é uma das primeiras canções. Ela foi gravada em um momento crucial da história de Caruaru: o ano do centenário da cidade. Ela toma um significado muito grande. 'A Feira de Caruaru' foi gravada por um dos maiores ou o maior nome da música brasileira naquele momento. Luiz Gonzaga é importante o tempo inteiro", explicou ao g1 o historiador Daniel Silva, membro da Acaccil e professor da Asces-Unita e do Colégio Diocesano.

A música também chegou a ser tocada pelas Orquestras Filarmônicas de Berlim, na Alemanha, e Moscou, na Rússia, conforme informou o historiador José Urbano. Ao lado de Onildo Almeida, o g1 revisitou o local que inspirou o compositor a escrever os versos que se transformaram na maior obra dele.
Será que ainda há de tudo na feira?

De acordo com José Urbano, a resposta é sim. Todos os itens citados por Onildo ainda são vendidos na feira. "São 55 itens que tem na música e dois que foram acrescentados por Luiz Gonzaga. Com o passar dos anos, surgiu a feira de eletrônicos, o espaço foi se expandindo", destacou o historiador.


Tem massa de mandioca, batata assada, tem ovo cru



Rosinete Claudino vende massa de mandioca na Feira de Caruaru — Foto: Joalline Nascimento/g1

O primeiro item citado por Onildo Almeida na música segue com destaque na feira. A massa de mandioca é vendida, entre tantos outros, pela feirante Rosinete Claudino. "São mais de 30 anos de feira. As pessoas sempre passam cantarolando por aqui, elas sabem que a massa de mandioca tem a ver com a música", disse.

Banana, laranja, manga, batata, doce, queijo e caju


A feirante Maria Cleonice da Conceição vende frutas e verduras em Caruaru — Foto: Joalline Nascimento/g1

A área de frutas e verduras segue a todo vapor na Feira de Caruaru. Além dos itens citados acima, ainda tem "cenoura e jabuticaba", como destacou Onildo. "Eu trabalho há mais de 30 anos na feira e ela fica bonita quando está cheia, movimentada", afirmou a vendedora de frutas Maria Cleonice da Conceição.

Tem cesto, balaio, corda, tamanco, gréia, tem cuêi-tatu

Na tradicional Feira de Artesanato ainda podem ser encontrados os itens acima, assim como a "mubia de tamburête feita do tronco do mulungú".


Feira de Artesanato de Caruaru — Foto: Joalline Nascimento/g1

Tem carça de arvorada, que é pra matuto não andá nú

Não somente a "carça de arvorada" como também as mais diversas peças de roupa podem ser encontradas na Feira da Sulanca, uma das feiras que constituem a Feira de Caruaru. A cada fim de ano, entre os meses de novembro de dezembro, o local recebe cerca de 80 mil pessoas por feira, movimentando milhões de reais.

Bunecos de Vitalino, que são cunhecidos inté no Sul


Arte do barro dos descendentes de Mestre Vitalino, em Caruaru — Foto: Joalline Nascimento/g1

Um dos maiores mestres da arte do barro de Caruaru, Mestre Vitalino, que morreu há 59 anos, ainda está presente na feira. Os descendentes dele, netos e bisnetos seguem propagando a arte e produzindo os famosos "bonecos de Vitalino".

Para Daniel Silva, a música "é uma composição que marca um território muito significativo, o território das feiras. A gente ainda hoje tem muito mais feiras que shoppings. Naquela época, nem supermercados existiam, só tínhamos feiras, mercearias, vendas, empórios… Falar da feira e narrar da forma que aconteceu foi muito significativo".

Origem e mudanças da Feira de Caruaru

A Feira surgiu em meados do século XVIII junto a formação da cidade no Marco Zero, na igreja Nossa Senhora da Conceição, no Centro. Com a construção da igreja, o fluxo de pessoas aumentou e de forma espontânea o comércio começou a se organizar e favoreceu ao fortalecimento da feira.

Por causa do aumento no fluxo, depois de quase 200 anos, ela foi transferida em 1966 para a Avenida Rui Barbosa. Mas, em decorrência da diminuição das vendas, voltou ao antigo local em 1969.

Até que em 1992 se transferiu para o Parque 18 de maio. Atualmente, a Feira de Caruaru é dividida em várias feiras: de artesanato, do "Paraguai", de eletrônicos, da "Sulanca", de ervas, do "troca", de carne, de frutas e verduras, polo gastronômico... Assim como a música, o local é múltiplo, representa a diversidade do povo caruaruense e sintetiza todas as feiras do Nordeste.


Todas as "feiras" de Caruaru vistas de cima — Foto: Rafael Lima/Divulgação

"A feira ainda é um grande ponto de encontro cultural e social da população. Ela e essencial para se entender o que é Caruaru. Claro que hoje não tem mais a proximidade com a cidade como tinha antes, a cidade cresceu e tem diversas feiras, mas a 'feira grande' ainda é uma das referências para quem visita a cidade", afirma o historiador Daniel Silva.

Em 2006, a Feira de Caruaru se tornou patrimônio histórico e artístico imaterial. O título foi concedido pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN), que considerou "a Feira de Caruaru um lugar de memória e de continuidade de saberes, fazeres, produtos e expressões artísticas tradicionais".


Feira de Artesanato em Caruaru — Foto: Janaína Pepeu/Foto

A Feira de Caruaru nº 2

O que muita gente não sabe é que Onildo Almeida fez uma "versão ampliada" da clássica música. Dois anos depois da "original", o próprio músico gravou a nova canção - que trouxe novos elementos - em um disco de 78 rotações por minuto (RPM).

"A Feira de Caruaru nº 2 também foi gravada em 1965 por Marinês, no disco "Maria Coisa". Além da Rainha do Xaxado, quem também regravou a música foi o cantor e compositor caruaruense Israel Filho. Ele cantou a canção para a coletânea "Caruaru que todos cantam", produzida por Onildo Almeida, em 1992 (ouça abaixo).

"É motivo de um orgulho muito grande. É uma maneira de retratar a cultura real da minha terra, falar do meu povo de um modo geral, representando Caruaru e interpretando a obra de Onildo Almeida. Gravar essas músicas são com ganhar um troféu", disse Israel Filho, que também gravou a primeira versão de "A Feira de Caruaru", em 1992, no disco "Saudades de Gonzagão".

Além de interpretar as obras em alusão à feira, Israel também homenageou o local e Onildo com uma canção. Ele escreveu e gravou "A Feira da Sulanca", em 1989. "Ela estava chegando [Feira da Sulanca] e precisava ser lembrada como a Feira de Caruaru. Foi a minha homenagem à Sulanca, que hoje também é de suma importância para o desenvolvimento de nossa terra", finalizou Israel.


Israel Filho, cantor e compositor — Foto: Jorge Farias

A Feira de Caruaru
(Onildo Almeida)

A Feira de Caruaru
Faz gosto a gente vê.
De tudo que há no mundo,
Nela tem pra vendê,
Na feira de Caruaru.

Tem massa de mandioca,
Batata assada, tem ovo cru,
Banana, laranja, manga,
Batata, doce, queijo e caju,
Cenoura, jabuticaba,
Guiné, galinha, pato e peru,
Tem bode, carneiro, porco,
Se duvidá... inté cururu.

Tem cesto, balaio, corda,
Tamanco, gréia, tem cuêi-tatu,
Tem fumo, tem tabaqueiro,
Feito de chifre de boi zebu,
Caneco acuvitêro,
Penêra boa e mé de uruçú,
Tem carça de arvorada,
Que é pra matuto não andá nú.

Tem rêde, tem balieira,
Mode minino caçá nambu,
Maxixe, cebola verde,
Tomate, cuento, couve e chuchu,
Armoço feito nas torda,
Pirão mixido que nem angu,
Mubia de tamburête,
Feita do tronco do mulungú.

Tem loiça, tem ferro véio,
Sorvete de raspa que faz jaú,
Gelada, cardo de cana,
Fruta de paima e mandacaru.
Bunecos de Vitalino,
Que são cunhecidos inté no Sul,
De tudo que há no mundo,
Tem na Feira de Caruaru.


Onildo Almeida canta 'A Feira de Caruaru'

Vídeos de Caruaru e Região






Por Joalline Nascimento e Lafaete Vaz, g1 Caruaru


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