O velório do jornalista Milton Coelho da Graça será neste domingo, 30, com uma homenagem ao ar livre a ser realizada ao lado da Capela Ecumênica, no Complexo do Caju, das 14h às 14h30. Em seguida, o corpo será cremado.
Leia aqui, depoimentos de jornalistas que conviveram com Milton Coelho da Graça
Paulo Jeronimo, Pagê, presidente da ABI
Conheci o Milton há muitos anos, através de um amigo comum, Paulo Roberto dos Santos, que já se foi há muito tempo. Tomamos muito chope no Lamas, jogávamos muita conversa fora enquanto planejávamos o que fazer para enfrentar a ditadura. Anos depois voltamos a nos encontrar na ABI e formamos uma frente de oposição para combater as mazelas das últimas administrações.
Certa vez, ele foi convidado para dirigir o Conselho Deliberativo durante a campanha e, depois, foi vergonhosamente traído pelo presidente que apoiamos.
Ficamos juntos na oposição e ele sempre me incentivava a lançar minha candidatura a presidente. Eu sempre recusei e, quando finalmente me candidatei, ele já estava doente. Mesmo assim, me enviou um recado de apoio. Lembro de um acidente sério que ele sofreu há alguns anos, quando caiu na saída do metrô. Socorrido pelos seguranças, foi levado para o Souza Aguiar, onde ficou internado numa enfermaria comum, completamente abandonado, praticamente sem assistência. Leda, sua fiel companheira, me fez chegar essa situação. Imediatamente, liguei para um assessor do Prefeito, que conseguiu para ele um tratamento adequado. Ele me confessou que se sentiu quase no inferno, mas garantiu que, depois, o tratamento melhorou. Assim que se recuperou, fomos comemorar no Da Silva, onde almoçávamos quinzenalmente.
Grande Milton, deixa um legado de um dos mais brilhantes jornalistas brasileiros nos vários veículos em que militou, com uma trajetória invejável.
E eu perco um amigo, um parceiro e um incentivador para realizar um trabalho que tem o objetivo de resgatar o protagonismo da ABI, o seu sonho sagrado.
Minha derradeira homenagem ao velho companheiro é apresentar, hoje, a imagem da nossa querida ABI totalmente recuperada.
Descanse em paz, querido Milton. Você deixa muita saudade.
Juca Kfouri, conselheiro da ABI
Morreu Milton Coelho da Graça, aos 91 anos, vitima da Covid. Carioca, foi editor-chefe de O Globo, diretor de redação das revistas Realidade, Placar, Istoé e Intervalo, do jornal Última Hora, no Recife, criador das revistas Arte Hoje, Vela e Motor e Tênis Esporte, além de correspondente em Nova York da Gazeta Mercantil, entre outros.
Editor do jornal clandestino Notícias Censuradas, foi preso em São Paulo, em 1975, e cumpriu seis meses de cadeia, como havia sido detido em Pernambuco, por nove meses, quando houve o golpe de 1964, ocasião em que foi torturado e perdeu todos os dentes.
Jamais tocava no assunto e nunca perdeu o gosto pela vida, verdadeiro animador de redações, além de ter um extraordinário faro para a notícia.
Ao ser libertado em Pernambuco e voltar para Rio, ao entrar na redação do Diário Carioca, num terno em que cabiam dois Miltons, viu o pessoal entre o assustado e triste e não teve dúvida: bateu palmas e gritou “Vamos começar tudo de novo!”. Ferino, destemido, brincalhão, era jogador inveterado de tudo que lhe apresentassem, da sinuca ao carteado, passando pelo loteria esportiva.
Formou-se em Direito e em Economia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, o que o ajudou a escrever sobre tudo que fosse preciso, Fórmula-1, inclusive, de que cobriu para o Globo.
Vascaíno, solidário até a medula, curioso como poucos, militante comunista e pragmático gostava de repetir que existem três tipos de pessoas: as interessantes, as interessadas e as interesseiras. E dizia que devemos sempre procurar viver perto das interessantes, atrair as interessadas e saber que quando as interesseiras se aproximam é porque estamos perto da vitória. “Bem-vindos os oportunistas”, pontificava.
Eu o chamava de Miltinho das Candongas e aprendi demais com ele no início de minha vida profissional.
Sua morte faz com que eu reviva o sentimento da orfandade, embora saiba que vá lembrá-lo sempre sorridente.
Orfãos ficam também a filha Djamila e os filhos Flávio e Guilherme.
Viúva fica sua querida Ledinha, companheira de uma vida quase inteira.
Fichel David, conselheiro da ABI
Conheci o Milton quando começou a trabalhar no Diário Carioca, trabalhamos na Revista da sociedade, suplemento do jornal e na mesma redação trabalhavam os copys Décio Vieira Ottoni, José Ramos Tinhorão, Maurício Azedo, Berilo Dantas entre outros. Milton foi um dos grandes redatores que conheci.
Paulo César Martins, jornalista
Foi a Maria Célia Fraga quem nos uniu. Ela sentava na minha frente na Gama Filho e ouviu que eu queria sair da Light e exercer a profissão para qual estávamos estudando. Celinha falou: “procura esse cara. Preso pelos militares, ele acaba de sair da cadeia e foi contratado pelo doutor Roberto Marinho para dar um jeito na Rio Gráfica”. E me apresentei, claro, ao mais brilhante, inteligente, culto, bem-humorado e talentoso jornalista que conheço: Milton Coelho da Graca. Ele entrou na minha vida com o carinho de um pai. Por uma dessas coisas que não tem explicação, ele já tinha ficado na casa dos meus pais. Descobrimos isso milhões de anos depois. Na Rio Gráfica, dizia que eu era o Maçaneta porque fui o primeiro contratado e abri as portas para dezenas, na melhor redação que já trabalhei. Seguimos quase sempre juntos. Gostava de me levar, ou convidar, para onde ia. Ligava do GP do Japão ( “O Senna ficou louco. Disse que está vendo Deus!”). De Nova York (“quanto está o jogo do Vasco?”). De Maceió (“O Pedro Collor ficou maluco. Ele acaba de dar uma entrevista aqui e vai derrubar o irmão e a República”). De Morro Azul (“Vou passar na sua casa e pegar minha coleção da Realidade e o Chevette que guardou para mim). Do Rio (“Vamos tomar um café e comer umas broinhas”)!
O Dragão lutava bravamente contra esse maldito vírus. Não estou preparado, nem nunca estarei, para me despedir.
Ele partiu!
Paulo Marcelo Sampaio, jornalista
Ainda criança, já ouvia falar em Milton Coelho da Graça. “Foi o cara mais inteligente que conheci na minha vida. Trabalhamos juntos na General Electric. Não tinha assunto que ele não dominasse. Um gênio”, me dizia George Leone, casado com minha tia Nilda Leone.
Demorou ainda um tempo para eu contar essa história para o Milton, já nos anos 90. Não acho que ele tenha lembrado do Leone, mas “fico satisfeito de ter marcado a vida de alguém”, disse, com modéstia. Trabalhamos juntos na TVE, onde era comentarista de Política no Jornal de Amanhã. Vez por outra trocava de camisa no meio da redação. “Meninas, eis o meu torso nu!”, soltava sua erudição, para gargalhada barulhenta de Paulo da Luz, o manda-chuva do telejornal.
Deixamos de trabalhar juntos, mas ele não saía do meu radar. Generalista que era, estava sempre no N de Notícia, programa sobre jornalismo na GloboNews. Qualquer que fosse o tema, lá estava ele para nos ajudar.
Encontrei-o pela última vez em outubro de 2017, no lançamento de um livro de Juca Kfouri. Se não me falha a memória, Milton disse que Juca era um mestre. “Milton, magina, mestre aqui é você!” Mestre por ensinar sem qualquer academicismo, sem qualquer palavra difícil, sem esconder segredos. Uma generosidade que desaparece a cada dia nesse mundão, uma generosidade que só os grandes homens têm. E Milton Coelho da Graça foi um gigante. Obrigado, mestre.
Ágata Messina
É difícil falar de alguém que acaba de partir. Ainda mais quando laços de admiração e afeto te ligam a essa pessoa. É difícil, para mim, escrever sobre Milton Coelho da Graça, que acaba de nos deixar, abrindo uma grande lacuna em nossa classe.
Conheci Milton aos 20 anos, com pouco mais de dois anos de profissão, quando fui vender uma pauta para ele, diretor da Revista Realidade. Foi simpatia à primeira vista e também fiquei amiga da Leda Ebert, sua companheira até hoje. Logo em seguida, Milton assumiu a direção da revista Intervalo e me chamou para ser redatora. Acabamos vizinhos de porta e fazíamos parte do Gueto do Brooklyn, como era chamado um grupo de cariocas que trabalhava na Editora Abril, todos vizinhos, e que passava as noites frias de SP jogando intermináveis campeonatos de King, um jogo de cartas no qual nunca rolou dinheiro.
Milton nunca falou das torturas que sofreu quando foi preso em Recife. Diretor da Última Hora naquela cidade, veio o golpe de 64 e ele ficou nove meses na cadeia, apanhando a ponto de terem quebrado todos os seus dentes a coronhada. Quando voltou para o Rio, era um fiapo de gente. Logo conseguiu um lugar na redação do Diário Carioca e surpreendeu os colegas quando disse que não havia nada a lamentar, mas, sim, recomeçar.
Em 1974, pedi demissão da Veja e fui morar na Itália para respirar um pouco de ar puro, já que no Brasil o ar estava irrespirável. No fim do ano seguinte, recebo uma ligação dele, me pedindo para voltar e vir para o Rio. Estava preparando um novo projeto editorial e queria que eu estivesse na equipe. Voltei imediatamente, mas que decepção! Quando cheguei, Milton cumpria pena de seis meses em SP, sua última prisão. Festejamos com amigos a sua volta à liberdade.
Tempos depois, eu já no jornal O Globo, Milton me chamou para a Rio Gráfica e Editora, também do Grupo Globo. Foi quando ele criou as revistas Arte Hoje, Vela & Motor e Tênis Esporte. Foi uma bela experiência profissional.
Anos depois, voltamos a nos reencontrar, sempre a convite dele, na assessoria de imprensa da Prefeitura do Rio. Quando saiu, para ser vice na candidatura do Sergio Arouca a prefeito, Milton me indicou para ficar no lugar dele. Aliás, ele tinha essa mania de me deixar no lugar dele. Assim foi também na Rio Gráfica, onde ganhou o apelido de Dragão e criou o Dazibao, um jornal mural na redação, para afixar as notícias importantes da época.
Estive com ele no seu último aniversário, a convite da Leda, sua mulher, de quem continuo amiga até hoje. A emoção foi grande, porque quando me viu, me abraçou com carinho e disse: “Agata, eu acho você aonde estiver”.
É por isso que repito o quanto é difícil falar de um amigo querido que se foi. Com ele aprendi a ser jornalista, a editar e, principalmente, chefiar uma equipe com amor, alegria e responsabilidade.
Milton foi um exemplo para várias gerações de jornalistas, aos quais ensinou, passou suas ideias e os tornou amigos. Vai fazer falta para o Brasil de hoje pela sua coragem, garra e convicções inabaláveis. Um colega que em toda a sua vida defendeu a liberdade de expressão, mesmo pagando o preço da sua liberdade e integridade física.
Ancelmo Gois
Milton Coelho e uma lágrima furtiva
Mais cedo fiz o seguinte post no Twitter: pelo bem da imprensa, hoje e no futuro, peço humildemente aos jovens jornalistas que procurem conhecer, e talvez, desculpem a ousadia, que se espelhem um pouco, na trajetória de alguns coleguinhas das antigas. Exemplo: Milton Coelho da Graça, que morreu hoje aos 91 anos.
Longe de mim qualquer postura saudosista. Pelo contrário. Acredito, em condições normais de temperatura e pressão, na evolução da espécie. Acredito, quase sempre, que hoje é melhor do que ontem e pior do que amanhã. Ainda assim, o passado é um livro de recados que pode, desde que haja humildade, insisto, muito ensinar às novas gerações. Da mesma forma que os mais jovens podem transmitir saber em quantidade para os mais velhos.
Toda esta introdução é para falar de Milton Coelho da Graça com quem convivi aqui no Rio nos últimos 50 anos, nas lutas sindicais, na ABI e no combate à ditadura. Acho que ele, assim como o saudoso Maurício Azedo (aliás ambos tinham temperamento difícil muitas vezes), deixaram duas preciosas lições para os que seguem. A primeira é que jornalismo é amor, uma religião quase. Exige dedicação, inquietude, desconfiança, arrojo e desejo de ir mais além.
A outra lição é que, notadamente num país tão injusto como o nosso, não dá para ficar indiferente ao que passa ao seu redor. Desculpe, mas não dá para relaxar. Não é justo, digo isto mil vezes, não sentir pesar com a dor dos outros. Nós somos humanos. Não estou pedindo que nos transformemos em gladiadores, principalmente quando as regras democráticas estão valendo. A profissão tem regras de equilíbrio e ética. O que peço pode ser apenas uma lágrima furtiva diante de uma injustiça.
Este é o legado do Milton Coelho.
Regina Teixeira
Milton Coelho da Graça foi um furacão das redações. Incansável na busca pela notícia bem apurada e em fazer a diferença por onde passava. Foi um defensor da democracia. Ele tinha muito o que contar, o que ensinar. Tive o prazer de conviver com ele na redação do saudoso Jornal do Commércio. Ele era um diretor exigente, mas sempre com um olhar generoso e criativo. Me recordo que algumas vezes bati na porta da sala dele para desabafar sobre questões e dilemas profissionais. E mesmo depois da fase JC, ele continuava sendo um bom ouvinte.
Milton Coelho da Graça foi um grande amigo em momento importante da minha vida, quando resolvi pedir demissão da Gazeta Mercantil e viver o sonho de morar em Paris, onde fiz mestrado e fui colaboradora de alguns veículos. Fui ouvir a opinião dele. Sabia que Milton teria a palavra certa. Não deu outra: Com sua sabedoria, experiência e perspicácia, me deu muita força para seguir em frente.
Obrigada, meu querido amigo Milton.