O Brasil é o quarto país que mais ambientalistas mata, segundo a Global Witness, que apurou relatos de 20 assassinatos somente em 2020. Segundo a Pastoral da Terra, 28 pessoas foram assassinadas em 2021 em conflitos na Amazônia Legal. Em 2022 já foram mortos 17, entre os quais os indígenas Vane Guajajara e Isac Tembé. Em 2019, esse mesmo grupo que matou Bruno Pereira e Dom Phllilips já havia assassinado Maxciel Pereira dos Santos. Uma semana depois que Maxciel participara da apreensão de mais de uma tonelada de carne de pescados e caça. Sem que seus assassinos jamais tenham sido presos. Antes, em 1988, os inimigos da floresta tinham matado Chico Mendes. E a missionária Dorothy Stang, em 2005.
Que não se faça uso político desses assassinatos. Mas isso não impede identificar quem está do lado dos defensores da floresta e dos povos originários. E quem relativiza a luta ambiental, sendo complacente, por palavras e atos, com o que está acontecendo na Amazônia. Que há muito virou terra sem lei. É fato que os governos progressistas têm maior preocupação com o combate ao faroeste sem lei em que se tornou a Amazônia. Nos governos descompromissados com a proteção dos indígenas e da floresta, os grileiros, garimpeiros, madeiros, traficantes, caçadores e pescadores ilegais são menos reprimidos. Quase que se sentem liberados. Aproveitam-se do desmonte da presença na região de órgãos como Ibama, Funai, polícias e forças armadas. Fato.
Houve quem culpasse as vítimas. Mais uma vez. “Movidos por interesses próprios”. “O inglês tava lá porque queria escrever um livro”. Ou, como sapecou o presidente da República em fala repugnante: “Esse inglês era malvisto na região. Porque ele fazia muita matéria contra garimpeiro, questão ambiental. (...) Muita gente não gostava dele. Ele tinha que ter redobrado atenção consigo próprio. E resolveu fazer uma excursão”. E por aí vai. Sempre ouvi argumentos diminuindo o significado de quem se engaja em causas difíceis e que envolvem sacrifícios pessoais. “Fazem isso, mas o que buscam mesmo é o próprio prazer”. “A satisfação de seu ego”. Esse argumento cínico às vezes pinça uma cena em que o ativista da causa está se divertindo ou parece feliz. Como aquela em que Bruno canta o ritual da ayahuasca dos índios Kanamari, capturada num vídeo que viralizou. Uma música sobre a mãe arara que protege as suas crias.
Esses críticos parecem querer lhe obrigar a ser triste por ser solidário à causa dos indígenas da floresta. Parecem não conhecer a alma humana, que ninguém é inteiramente triste ou feliz. Ou pelo menos os 360 dias do ano. Não há uma pitada de inveja ao deixarem de reconhecer que essas pessoas são especiais? E que têm inegáveis méritos? Isso não equivale a se autojustificar por sua confortável inércia diante de tantas injustiças? Isso não é a desqualificação de quem dedica sua vida a uma causa porque o desqualificador discorda da própria causa? O antigo argumento ad hominem?
Querem diminuir o valor da abnegação de dois homens que abdicaram do conforto de suas casas. Por solidariedade, por uma causa, Bruno e Dom enfrentaram os transtornos da mata, seu calor, insetos e as longas distâncias. E sendo ameaçados. Tinham paixão pela floresta. E a solidariedade com os indígenas que lá vivem. Adotaram uma forma diferenciada de atuação, aproximando-se da cultura, mitologia e práticas dos indígenas. Com eles aprendendo. Mas também ensinando-lhes técnicas de geolocalização e documentação de irregularidades. Cedo perceberam que a floresta seria preservada se fosse deixada com seus proprietários ancestrais.
Foram heróis em sua missão de mobilizar a sua defesa, junto com os seus habitantes. Ameaçados por criminosos, tiveram coragem de continuar uma cruzada essencial para a preservação da floresta. Embrenharam-se pelo Vale do Javari combatendo os invasores das terras dos indígenas. Lutaram por uma causa que deveria ser de toda a humanidade. Um indigenista e um jornalista que fizeram dessa causa o propósito de suas vidas. Morreram sem resposta das autoridades à sua última denúncia documentada: 11 pontos de invasão e 32 balsas de garimpo ilegal nos rios Curuena e Jandiatuba. Com o pernambucano Bruno, Pernambuco mais uma vez inscreve um dos seus na galeria dos heróis nacionais. Que o projeto de lei apresentado pelo deputado Túlio Gadelha (Rede-PE) seja transformado em lei para oficializá-lo no panteão dos nossos heróis.
Maurício Rands, advogado formado pela FDR da UFPE, PhD pela Universidade Oxford
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