As
supremas cortes, na conjuntura polarizada, têm despertado a atenção da opinião
pública em toda parte. A de Israel é foco de intensa mobilização popular contra
a reforma promovida por Benjamin Netanyahu que lhe retira poderes. Algumas
chegaram a reunir mais de 500 mil pessoas em Tel Aviv. Nos EUA, militantes pro-life
e pro-choice debatem-se nas ruas e nas mídias desde junho de 2022, data
em que a Suprema Corte julgou o caso Dobbs v. Jackson Women's Health Organization.
Depois de três nomeações ultraconservadoras de Donald Trump, a corte passou a
ostentar uma maioria de 6 x 3 em desfavor dos justices liberais. Todos
os seis conservadores votaram pela reversão da decisão que, em 1973,
reconhecera o direito ao aborto no caso Roe v. Wade. A corte, em Dobbs,
numa interpretação textualista/originalista, passou a afirmar que o texto da
Constituição não consagra expressamente o direito ao aborto. E que, portanto,
seriam constitucionais as legislações dos estados que o proíbem.
No Brasil, o STF tem despertado
fortes emoções. É inegável que conseguiu exercer o papel de contenção das
veleidades golpistas da ultradireita. O Inquérito 4781 foi instaurado pelo
então presidente Dias Toffoli em 14/3/2019 com objeto vago e amplo: "investigação de notícias fraudulentas (fake
news), falsas comunicações de crimes, denunciações caluniosas, ameaças e
demais infrações revestidas de animus caluniandi, diffamandi ou injuriandi,
que atingem a honorabilidade e a segurança do STF, de seus membros; bem como de
seus familiares, quando houver relação com a dignidade dos Ministros, inclusive
o vazamento de informações e documentos sigilosos, com o intuito de atribuir
e/ou insinuar a prática de atos ilícitos por membros da Suprema Corte, (...); e
a verificação da existência de esquemas de financiamento e divulgação em massa
nas redes sociais, com o intuito de lesar ou expor a perigo de lesão a
independência do Poder Judiciário e o Estado de Direito". Foi instaurado sem que o
Ministério Público o tenha requerido, e sob uma interpretação extensiva do art.
43 do RI do STF, que permite ao presidente instaurar inquérito quando se tratar
de infração à lei penal “na sede ou dependência do Tribunal”. Seu relator,
Alexandre de Morais, foi designado sem o sorteio exigido pelo artigo 66 do
Regimento Interno do tribunal. É fato que o país vivia circunstâncias de risco antidemocrático
com ameaças ao funcionamento dos Poderes. Como o provaram os ataques pessoais
dirigidos pelo então presidente e seus parlamentares aliados aos membros do
STF. E, depois, os acampamentos nos quartéis clamando por intervenção militar
para anular a eleição presidencial. E, na sequência, os atos golpistas de 08 de
janeiro. O problema é que não se deve combater o ilícito praticando ilicitudes.
O freio necessário aos ataques
perpetrados poderia ter sido feito sem violação da lei, do regimento e do
procedimento. O Inquérito 4781 foi se encorpando como se tivesse uma
abrangência sempre expansível. E se foi perpetuando. O relator segue determinando
prisões, diligências, quebras de sigilos, buscas e apreensões e retirada de
perfis das redes sociais. Mesmo depois de conjurada a ameaça golpista. Algo
similar pode também estar ocorrendo com os inquéritos
dos atos antidemocráticos que foram fatiados e permaneceram sob a relatoria do
ministro Alexandre de Moraes: 4920 (que apura os financiadores e participantes
no auxílio material para os atos antidemocráticos), 4921 (planejamento e a
responsabilidade intelectual) e 4.922 (executores materiais).
Isso
contribui para que a autoridade da Corte Suprema siga questionada. O que vai
sendo agravado por episódios recentes que trouxeram mais desgastes para seus
membros. Sejam as recentes participações de ministros em eventos patrocinados em
Nova York e Lisboa, vistos como excessiva exposição de quem deveria praticar a discrição
e a autocontenção. Seja a declaração do ministro Roberto Barroso ("nós
derrotamos o Bolsonarismo", em 12/7) em evento a que sequer deveria ter
acorrido. Seja a do ministro Gilmar Mendes contra o ex-deputado cassado Deltan
Dallagnol ("deveria abrir uma igreja", em 15/7). Seja a determinação,
pela presidente Rosa Weber, de medida de busca e apreensão na residência dos ultradireitistas
que agrediram o ministro Alexandre Moraes no aeroporto de Lisboa. Que foi vista
como excessiva e carente de fundamento legal, inclusive porque os réus não deveriam
ser julgados pelo STF. No
Conflito de Competência nº 188.993/RJ, o STJ já decidiu que o crime praticado
por brasileiro no exterior, em caso de extraterritorialidade, deve ser julgado
pela Justiça Federal do domicílio do réu. Não o foro da vítima.
Por tudo isso, nosso STF continua
no olho do furacão da polarização. Como, aliás, também ocorre com as cortes de
outros países. Nossos supremos ministros vivem uma síndrome dos holofotes que
reclama a criação de um código de conduta. Não surpreende que as pesquisas de
opinião não tenham poupado o Judiciário do desgaste dos demais poderes. A
última coloca-o num desconfortável 14º lugar entre instituições públicas e
privadas, com um índice de confiança de apenas 53% (IPEC, O Globo, 18/7).
Maurício Rands, advogado formado pela FDR da UFPE,
PhD pela Universidade Oxford
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