Segundo a advogada tributarista Mary Elbe Queiroz, PEC 45/2019 não respeita princípios de simplicidade, transparência e justiça tributária e deve aumentar o número de litígios e de decisões judiciais
A proposta de Reforma Tributária (PEC 45/2019) segue sendo avaliada pelo Senado Federal, que vem lidando com a pressão de diversos setores da sociedade para mudanças no texto original. A advogada tributarista Mary Elbe Queiroz faz coro àqueles que clamam por alterações, destacando o potencial nocivo da proposta para a economia brasileira, por trazer insegurança jurídica, que afetará o ambiente de negócios e a geração de empregos, embora o discurso da aprovação seja o contrário.
Mary Elbe lembra que a reforma tributária traz como princípios: a simplicidade, a transparência, a justiça tributária, o equilíbrio e a defesa do meio ambiente. “Quando observamos o texto atentamente verificamos que nenhum destes princípios é respeitado”, diz. Segundo a advogada tributarista, o descumprimento dos aspectos norteadores da reforma certamente culminará em interpretações divergentes dos fiscos, federal e dos Estados e Municípios, e destes com os contribuintes o que, por sua vez, resultará no aumento da litigiosidade e de decisões judiciais. “Este ambiente será um grande desafio do ponto de vista da segurança jurídica”, afirma.
Conforme a advogada tributarista, as empresas terão que conviver durante oito anos (prazo de transição estipulado pela Reforma Tributária) com dois sistemas tributários. Ademais, destaca Mary Elbe, durante esse período, precisarão arcar com 10 tributos ao invés de cinco tributos como é hoje. Além dos atuais PIS, Cofins, IPI, ICMS e ISS, precisarão pagar: CBS (federal), IS seletivo (federal), IBS subnacional (estados, municípios e DF), Contribuição para produtos primários e semielaborados – Estados/DF, e Contribuição de Iluminação Pública. “O aumento de custo será imediato”, diz. Além de os Estados poderem criar Fundos de Pobreza.
O IBS subnacional, especificamente, comenta Mary Elbe, gerará muitos problemas às empresas, porque a cada estado e a cada município será permitido fixar sua própria alíquota, a partir de uma alíquota de referência estabelecida pelo Supremo. “Isso significa que o pagador do tributo terá que considerar a alíquota da CBS e somar a alíquota do estado com alíquota do município onde irá vender seu produto”, explica. Levando-se em conta que são 27 estados e cerca de 5600 municípios, uma empresa com grande capilaridade terá que trabalhar com esse complicador. “Ao invés de simplificação, haverá mais complexidade e insegurança ao sistema”, afirma.
Para gerir este novo imposto, comenta Mary Elbe, o texto da Reforma Tributária prevê a criação de um grande conselho federativo, o conselhão, este será o quarto poder da república. O conselhão será formado por 54 representantes, 27 dos estados e 27 dos municípios. Será um órgão independente financeira e tecnicamente. Ele será o responsável pela arrecadação, distribuição e compensação do IBS. Isto também deverá trazer instabilidade ao ambiente de negócios, segundo ela, em decorrência da falta de segurança jurídica que tal medida proporciona.
“Ao conselho será permitido enviar projetos de lei complementar para a Câmara dos Deputados, atuar na fiscalização, no contencioso e, também, legislar. Ou seja, ele terá mais poder que os governadores e prefeitos e até o senado” diz a advogada tributarista, enfatizando que a atribuição dada ao conselho atenta contra cláusula pétrea da Constituição Federal, o pacto federativo, que não pode ser alterada nem por emenda constitucional.
Acrescentada de última hora pelos deputados, a contribuição para produtos primários e semielaborados que poderá ser cobrada por estados e DF também deverá acarretar insegurança jurídica, podendo prejudicar o ambiente de negócios do país. “Segundo o texto, a contribuição será cumulativa, tributada na origem e incidirá sobre a exportação de produtos, o que viola os princípios da Reforma Tributária”, diz Mary Elbe, que espera que o item não seja aprovado no Senado Federal.
Outro ponto da proposta que vem gerando preocupação às empresas, segundo Mary Elbe, é o princípio da não cumulatividade plena. A sistemática criada com o intuito de acabar com o efeito cascata dos tributos, desde a origem até o destino do consumo, trará mais dificuldades do que soluções. Isto porque a compensação de créditos dos produtos adquiridos não será direta e nem imediata, como é atualmente, pois está vinculada ao pagamento anterior do tributo. “O adquirente poderá utilizar os créditos em até 60 dias de aquisição porque precisará esperar o vendedor pagar o IBS da operação”, diz.
Conforme a advogada tributarista, tal sistemática tende a prejudicar bastante as empresas adquirentes, que terão dificuldade em estabelecer o preço de venda de seus produtos, haja visto que não saberão se poderão contar com o crédito.
A Reforma Tributária prevê ainda um aumento da carga tributária para alguns setores, o que poderá tornar-se dramática a situação das empresas de prestação de serviço. “No regime atual, o prestador de serviço paga 2,5% de PIS/Confins e entre 2% e 5% de ISS, totalizando de 5,5% a 8% de tributos. No novo sistema proposto, passaria a pagar 25% de IBS, resultando em aumento brutal que poderá ser de 300% a 600% dependendo do setor”, explica Mary Elbe.
Para piorar a situação, ressalta a advogada tributarista, a proposta prevê que empresas com mão de obra intensiva para pessoa física, seja em qualquer área de atuação, não sejam compensadas com crédito. “Ora, o prestador de serviço não tem insumos como a indústria para receber compensação. Seu maior custo é justamente com colaboradores (pessoas físicas), recursos pelos quais não podem receber crédito”, diz.
Como solução para este impasse, Mary Elbe sugere um período de transição para os prestadores se adequarem a esse exorbitante aumento tributário e a redução de tributos sobre a folha de salarial. “Caso isso não ocorra, o prestador de serviço terá que arcar com uma alta carga tributária, o que pode levar à sonegação de impostos”, comenta.
Micro e pequenas empresas (MPEs), que se enquadram no regime de tributação Simples Nacional, também serão lesadas pela PEC 45/2019. Isto porque, destaca a advogada tributarista, segundo o texto da Reforma Tributária, o contribuinte do Simples só terá direito a crédito proporcional ao que recolher. “Como recolhem menos, gerarão um crédito menor. Isso diminuirá a competitividade das MPEs, que são hoje 90% das empresas brasileiras e geram 50% dos empregos formais”, afirma. Assim, destaca Mary Elbe, se os créditos não forem mantidos em valores atrativos, as empresas do Simples serão forçadas a deixarem esse regime de tributação, resultando na sua extinção.
Como vimos, são inúmeros os itens do texto da Reforma Tributária aos quais o Senado Federal deve ficar atento, principalmente para não minar a competitividade das empresas nacionais e os investimentos de empresas estrangeiras. Além dos já mencionados, Mary Elbe aponta outros pontos de dúvida. São eles: a devolução de impostos aos mais pobres (cashback); a definição da alíquota de referência (25%, 27% ou 33%); o término dos incentivos fiscais regionais (Norte e Nordeste), como a Zona Franca de Manaus; tributação da economia digital (não há previsão); e os regimes específicos diferenciados de tributação.
Segundo Mary Elbe, quando se fala em Reforma Tributária no Brasil, o senso comum tende a associá-la a uma diminuição da carga de tributos, mas o que ocorre é exatamente o inverso: uma elevação dos impostos. Isso se deve, de acordo com a advogada tributarista, às altas despesas do país. “Assim, sem uma reestruturação do Estado e dos gastos públicos nunca iremos diminuir a tributação, porque precisaremos sempre de receita para arcar com os altos custos”, finaliza.
Nenhum comentário:
Postar um comentário