Alicerçada no princípio da neutralidade, a Reforma Tributária tem como uma de suas mais importantes bandeiras o não aumento de carga tributária. Mas tal objetivo já foi descumprido, mesmo antes da aprovação da PEC 45/2019 pelo Senado Federal, destaca a advogada tributarista Mary Elbe Queiroz. “Já projetando as mudanças que ocorrerão na esteira da criação do Imposto sobre Valor Agregado (IVA) os estados elevaram o ICMS”, explica.
Tomando como exemplo um estudo do Comitê Nacional dos Secretários da Fazenda dos estados e Distrito Federal (Comsefaz), 16 estados e o Distrito Federal oficializaram recentemente aumento na alíquota modal do ICMS, principal fonte de arrecadação dos estados, responsável por garantir o funcionamento de serviços essenciais como segurança, saúde e educação. Com essa medida os entes federativos pretendem fortalecer e já aumentar o ICMS para quando da implantação do IVA este já ser cobrado em patamar mais alto do que a alíquota de hoje.
Conforme Mary Elbe, a decisão foi uma maneira encontrada por estados e municípios para compensar as perdas de arrecadação que vieram a partir da aprovação, no ano passado, das leis complementares nº 192 e nº 194, bem assim por conta da queda da arrecadação do ICMS. Propostas pelo Poder Executivo as leis alteraram a cobrança de ICMS do setor de comunicações, transportes coletivos, energia elétrica e combustíveis e afetaram os caixas estaduais.
A Lei Complementar nº 192 instituiu a incidência por uma única vez do ICMS sobre combustíveis, inclusive importado, com base em alíquota fixa por volume comercializado. Antes o tributo era calculado a partir de percentual sobre o preço médio dos combustíveis. Com essa medida, o valor arrecadado por estados e municípios caiu bastante.
Já a Lei Complementar nº 194 limitou a alíquota máxima de ICMS para produtos e serviços essenciais que incidem sobre bens e serviços relacionados a combustíveis, gás natural, energia elétrica, comunicações e transportes coletivos. O piso estabelecido foi entre 17% e 18%, representando uma queda enorme para algumas unidades federativas, cujas alíquotas superavam 30%. A estimativa é que a perda orçamentária causada pelas modificações implementadas pelas duas leis tenha sido de R$ 124 bilhões.
Entre os estados que elevaram o ICMS está Pernambuco. Com a alteração, a alíquota modal de Pernambuco subirá de 18%, em 2022, para 20,5% já em 2024. Na ocasião do anúncio do aumento, a secretária-adjunta da Fazenda de Pernambuco, Stephanie Pereira, afirmou que a recomposição se fazia necessária “pensando no futuro”, uma vez que a reforma tributária usará como referência a arrecadação do ente federativo entre 2024 e 2029 para rateio do IVA.
Mary Elbe reitera que, nem bem saiu a reforma tributária, grande parte dos estados já está aumentando o ICMS, haja visto que, segundo os cálculos dos entes federativos, no futuro, haverá uma grande perda de arrecadação. Assim, enfatiza a advogada tributarista, a tão propalada intenção da reforma de não aumentar impostos não cumpriu e não se cumprirá, pelo contrário, já provocou o aumento de ICMS.
A advogada tributarista afirma ser a favor de uma reforma tributária, mas não essa que tramita no Senado Federal. Para ela, o sistema IVA – imposto unificador –, por exemplo, adotado pelos idealizadores da reforma, apesar de parecer uma boa saída para o burocrático e complexo sistema tributário brasileiro, está longe de ser a solução ideal, pois, nem simplificação vai acontecer, pois, durante 8 anos teremos os 2 sistemas funcionando, o atual muito complexo, e o novo que trará as suas próprias complexidades, resultando em maior custo da burocracia para as empresas.
“Não devemos importar um sistema só porque ele deu certo em outros países, como Canadá e Índia. O Brasil é um país enorme com várias especificidades e diferenças regionais que devem ser respeitadas”, diz Mary Elbe. A advogada tributarista afirma que o Brasil é composto por regiões mais ricas e outras mais pobres, regiões produtoras e regiões consumidoras, enfatizando que um imposto que não respeite essas disparidades está fadado a não funcionar.
Por fim, Mary Elbe destaca que uma reforma tributária que se pretenda eficaz precisa estar alicerçada na reestruturação do Estado e dos gastos públicos. De acordo com ela, a carga tributária de um país é proporcional às suas despesas. “O Brasil caracteriza-se pela má qualidade do gasto público e pela ineficiência dor serviços públicos, o que demanda mais arrecadação e mais imposto”, diz. Dessa forma, segundo a advogada tributarista, não há como prometer uma redução de impostos, sem que estes problemas sejam solucionados antes, pois, segundo ela, “Ao longo do tempo, toda reforma sempre resulta em o povo pagar mais tributos e nesta, esse aumento e pagamento já estão acontecendo”.
Sobre Mary Elbe Queiroz
- Advogada sócia do Escritório Queiroz Advogados Associados.
- Pós–Doutoramento em Direito Tributário – Universidade de Lisboa – Portugal.
- Doutora em Direito Tributário (PUC/SP).
- Mestre em Direito Público (UFPE).
- Especialização em Direito Tributário – Universidade de Salamanca - Espanha e Universidade Austral - Argentina.
- Presidente do Instituto Pernambucano de Estudos Tributários – IPET – Recife/PE.
- Presidente do Conselho de Notáveis do Instituto de Juristas Brasileiras – IJB.
- Presidente no Estado de Pernambuco e Membro Titular Imortal da Academia Nacional de Ciências Econômicas, Políticas e Sociais – ANE.
- Ex-consultora do grupo de Reforma Tributária da Confederação Nacional do Comércio -CNC.
- Membro do Conselho da Mulher da Associação Comercial de Pernambuco.
- Membro do Grupo Mulheres do Brasil.
- Professora.
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