No
último dia 28/2, amplos setores da comunidade jurídica nacional realizaram ato
em defesa da competência da Justiça do Trabalho. Mobilizaram-se contra as
recentes decisões do STF que têm anulado processos instruídos e julgados pela
JT. Processos que reconhecem vínculos de empregos disfarçados de terceirização.
Que, depois, de levantar os fatos e as provas de casos concretos, reconhecem a
fraude à lei trabalhista diante da caracterização dos elementos dos contratos
de emprego: pessoalidade, subordinação, não-eventualidade e onerosidade.
Muitas dessas decisões do STF têm
sido tomadas individualmente por ministros que pouco conhecem o direito do
trabalho. Decisões que desconsideram os fatos, os documentos, as testemunhas, os
depoimentos das partes e demais provas colhidas na instrução dos processos pela
JT. Essas decisões dos ministros do STF estão erradas tecnicamente porque a CF
não atribuiu competência ao STF para examinar fatos e provas. Exceção, claro,
para a competência penal para julgar autoridades com foro privilegiado. As
reclamações constitucionais podem ser julgadas pelo STF para preservar sua
competência e garantir a autoridades de suas decisões. Uma decisão da JT que
reconheça um contrato de emprego disfarçado não está invadindo a competência do
STF. O inverso é que é verdadeiro. Nem está desrespeitando a autoridade de sua
decisão. Justamente porque a presença dos elementos do contrato de emprego só
pode ser aferida através do exame dos fatos e das provas do caso concreto. Algo
que é da competência da JT. E não do STF. Esses erros do STF começam a ser
evidenciados pela doutrina e por entidades da comunidade jurídica nacional como
OAB, associações de juízes, do ministério público, de advogados, institutos e
universidades. E, em suas primeiras participações em julgamentos do STF, pelo
ministro Flávio Dino.
Uma delas ocorreu na última 6ª feira
(15/3), em julgamento em plenário virtual de agravo regimental contra decisão
do ministro Alexandre de Moraes que, em reclamação constitucional, anulara
decisão do TST reconhecedora de vínculo de emprego de apresentadora de
telejornal. O ministro Flávio Dino, em voto divergente, apontou os erros do seu
colega Alexandre de Moraes: i) a decisão do TST não afrontou a decisão do STF
que permite genericamente a terceirização também em atividades fins (o Tema 725
da Repercussão Geral); e, ii) o STF não pode revolver fatos e provas. Em suas
palavras: “Nesse contexto, não diviso a existência de afronta aos precedentes
invocados pela parte reclamante, tendo em vista que o Juízo reclamado, mediante
exame acurado dos fatos postos em juízo, concluiu pela existência de
irregularidades que descaracterizam o ‘contrato de prestação autônoma de
serviços’, ao entendimento de que ‘o verdadeiro intuito é o de
precarizar a relação de trabalho’. Anoto, por fim, que, para acolher a
pretensão do reclamante, seria necessário o revolvimento fático e probatório
dos autos de origem, finalidade a que não se destina a estreita via da
reclamação constitucional. Ante o exposto, voto pelo provimento do agravo
regimental para reformar a decisão monocrática e julgar a reclamação
improcedente, de modo a manter a decisão do Tribunal Regional do Trabalho”.
Na mesma sessão virtual, em outra
reclamação similar que havia sido provida pela ministra Carmen Lúcia, o
ministro Flávio Dino também prolatou voto divergente corrigindo-a: “Não há como
se reconhecer presente a estrita aderência entre o ato reclamado e os
paradigmas invocados que concluem pela licitude da terceirização, pois a
decisão reclamada não versou sobre a terceirização da atividade-fim, mas sim do
vínculo trabalhista direto entre as partes, em consequência da verificação da
fraude à legislação trabalhista. O agravante expõe que a decisão da Justiça do
Trabalho ao reconhecer o vínculo empregatício, fundou-se em premissas fáticas
que apontavam para a existência de fraude de ‘pejotização’, com o propósito de
desvirtuar a relação de emprego, circunstância que não pode ser revisitada por
esta via reclamatória sem que haja o necessário revolvimento fático
probatório.”
São por votos como esses que o
ministro Flávio Dino, já no início da sua investidura, vai confirmando as
expctativas positivas que a sua trajetória de juiz federal, acadêmico,
governador, senador e deputado federal despertaram entre os que sabem que um
ministro do STF deve ter experiência institucional e saber jurídico para que a
corte cumpra o seu papel de guardiã da Constituição. Nesses dois votos
divergentes, o ministro Flávio Dino atuou para garantir a competência que o
art. 114 da CF asssegura à JT para examinar os fatos, as provas e o direito nos
conflitos de trabalho. E, assim, para garantir o papel da JT para realizar os
valores de justiça social e redução das desigualdades que constam como
objetivos fundamentais da república no art. 3º, III, da CF.
Maurício
Rands é advogado, professor de Direito Constitucional da Unicap, PhD pela Universidade
Oxford
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