Daqui a
dois anos o país já tem encontro marcado. Vários temas hoje nos dividem. Entre
eles, o modelo de democracia que queremos. Um polo abrange todos os que defendem
o estado democrático de direito. Nesse campo, há forças que se identificam com
a esquerda, com o centro e com a direita. Mas que convergem no compromisso
democrático. Um outro polo, identificado com o populismo autoritário de
direita, agrupa aqueles que não se importam muito com os limites do constitucionalismo
democrático. Aqueles que, para interditar as bandeiras e forças progressistas,
não se importam em quebrar as regras do regime democrático. Mesmo depois de
todas as evidências de que o 8/1 não foi apenas uma baderna. Mesmo depois das
provas de que a ocupação das sedes dos poderes tinha o objetivo de forçar o
Alto Comando das FFAA a fazer uma intervenção militar para reverter o resultado
das urnas de outubro de 2022. Essas forças marcharam unidas nas últimas
presidenciais, estiveram unidas nas articulações e mobilizações para o golpe. E
somaram esforços para emplacar a narrativa de que o 8/1 foi mero vandalismo.
O polo
progressista foi derrotado nas eleições municipais. Para ser viável nas
presidenciais daqui a dois anos, a esquerda vai precisar se reafirmar. Não se
trata de simplesmente saber fazer alianças com o centro e a direita
democrática. Como alguns propõem (v. por ex., as sugestões de Marcelo Freixo, O
Globo, 12/10/24). Nem se trata de disputar eleições escondendo o seu ideário,
como fizeram campanhas vitoriosas como as de João Campos e Eduardo Paes, nas
recentes eleições do Recife e do Rio. Campanhas anódinas, inspiradas apenas por
marqueteiros e pelo senso de oportunidade. Esconderam o DNA de suas tradições
políticas, não apenas a figura simbólica do presidente Lula. Para ganhar assim,
fica difícil justificar a sintonia com um projeto de cidade, de país e uma
visão de mundo. Ganhar disfarçado, a que serve além dos projetos pessoais de
poder? Ganhar escondendo valores e princípios pode ter um custo mais na frente.
Porque isso pode ser visto como uma renúncia aos projetos políticos coletivos e
transformadores. Resumir o debate apenas a mostrar que o candidato é um bom
gestor, ou que é “do bem”, equivale a abrir as portas para que amanhã, um outro,
com visão de mundo oposta, ocupe o seu lugar. Com as consequências graves de
empoderamento de projetos autocratas, elitistas e concentradores de poder e
renda. Afinal, o mero culto à personalidade não produziu bons resultados na
história.
Para
contornar essa tentação oportunista, a esquerda vai ter que expressar seus
valores. Não se deixar definir pela caricatura que é feita pelos seus
adversários. Ou pelos que ignoram as categorias da ciência política e são presas
ingênuas ou interesseiras dos conservadores e reacionários ideologizados. Que
simplificam, distorcem e esvaziam os conteúdos. O desafio não é o das obviedades tipo “o trabalhador
não sonha mais em ser CLT”. Ou “as novas tecnologias mudaram o perfil do
trabalho”. Ou simplesmente “a defesa do empreendedorismo dos jovens da
periferia”. Trata-se de encontrar um equilíbrio desafiador. Manter, valorizar e
desenvolver os princípios fundantes do pensamento de esquerda. A maior
igualdade possível, a solidariedade social, a ética republicana, a democracia
participativa, o compromisso com os pobres, excluídos e deserdados, a revolução
educacionista, a inclusão digital, a paz mundial, a emancipação humana e a
justiça social para as gerações futuras através do respeito ao meio-ambiente.
Mas a esquerda vai precisar ir além da reafirmação de seus valores. Vai
precisar retomar ou reforçar a conexão com os trabalhadores e os demais grupos
sociais vulneráveis. Inclusive com um novo cardápio de propostas que respondam
aos novos anseios através de uma nova concepção de desenvolvimento.
No próximo artigo, desenvolverei
algumas sugestões para essa necessária redefinição teórica de superação dos
atuais paradigmas do pensamento progressista.
Maurício Rands, advogado, PhD pela Universide Oxford,
professor de Direito Constitucional da Unicap
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