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Artigos sobre o Diploma
Diploma em questão
Carta aberta em defesa do jornalismo
* Alfredo Vizeu e Heitor Rocha
A atividade jornalística hoje no Brasil é um caos resultado da decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) que derrubou a exigência do diploma em Jornalismo para o exercício da profissão, desregulamentando completamente esta atividade. Sem querer se estender na análise do mérito da (não vou entrar no mérito e nem discutir a) decisão do STF, basta observar que ela mostrou pouco conhecimento do campo jornalístico. De uma forma bem simples, o Supremo confundiu liberdade de expressão, um direito de cada pessoa, e liberdade de imprensa, aí incluído a profissão de jornalista como atividade profissional, com função pública.
É dentro desse contexto que entram os deputados federais e senadores pernambucanos. A Comissão Especial da Câmara dos Deputados já aprovou o Projeto de Emenda Constitucional que resgata à exigência do diploma. No senado também encontra-se PEC favorável à obrigatoriedade da formação superior específica para o exercício da profissão de jornalista. Trata-se agora da banca pernambucana no Congresso defender a tradição deste Estado em defesa do Jornalismo, uma das instituições centrais da democracia.
Na edição de julho deste ano, a revista Imprensa, de São Paulo, traz dois depoimentos enfáticos do pernambucano e grande jornalista brasileiro Barbosa Lima Sobrinho, também ex-governador do estado, em defesa do diploma. Na verdade, não se trata de defender um “canudo de papel”, mas a formação superior de qualidade e a ética na profissão, fundamentais para o Jornalismo. Essa não deve ser só uma preocupação dos jornalistas, mas de toda a sociedade brasileira.
“A soldo de alguém”
O Jornalismo cumpre hoje a função de interpretar a realidade social e contribuir para que cidadãos e cidadãs tenham acesso ao mundo que os cerca. Com certeza, não somos ingênuos, também contribui para reforçar o status quo. No entanto, não se resume a isso, pois também pode contribuir para o conhecimento, a discussão e o debate nas sociedades democráticas. É nesse Jornalismo que acreditamos.
No entanto, não nos aliamos às vozes das elites que há anos vêm tentando desmontar o Jornalismo sob a alegação de que o mesmo atinge a liberdade de expressão e comunicação. Na verdade, trata-se de uma falácia daqueles que não abrem mão do poder exercido na base do “manda quem pode obedece quem tem juízo”, de forma explícita ou disfarçada. O olindense Luiz Beltrão, pioneiro dos estudos da Comunicação e do Jornalismo do Brasil, no seu livro Iniciação à Filosofia do Jornalismo, que está completando 50 anos, denuncia a ação não republicana das classes dominantes.
“O conceito que as elites fazem do Jornalismo vai, entretanto, ganhando prosélitos nas massas populares, que passam a descrer da sinceridade e da honestidade dos profissionais (…) o jornalista tem de estar a soldo de alguém”. Beltrão vai mais além e lembra da falta de condições do exercício da atividade no Brasil. Tanto pela falta de garantia ao exercício da liberdade como pela falta da oportunidade de uma adequada formação profissional.
Uma legitimidade imprescindível
Quanto à formação do jornalista, lamentamos que os juízes do Supremo não tenham lido o livro. Beltrão é pontual e profético: “…improvisam-se jornalistas e técnicos de jornal à base, apenas, de um período de treinamento nas redações ou na reportagem. Qualquer semi-letrado se arvora em profissional, na maioria dos casos, atraído pelo `prestígio´ de que gozará e pelos teóricos privilégios que o Estado lhe confere”.
Considero que não há muito mais a dizer. No entanto, acredito que é importante lutarmos por um Jornalismo de qualidade em que a preocupação ética seja central. Deve haver um rigor no método e nas práticas. As várias faces de um acontecimento devem ser apresentadas. A construção da notícia exige que aspectos da realidade não sejam ocultados nem silenciados. A edição tem que buscar uma objetividade possível, tomando-se cuidado em não alterar textos, planos e sequências. Ao interpretar a realidade social o jornalista deve evitar a ambiguidade na informação.
É dentro desse contexto que reivindicamos o apoio dos deputados federais e senadores pernambucanos em defesa das PECs que resgatam a dignidade da profissão que se preocupa com a defesa das pessoas que não podem ser usadas como meio, como objeto da informação. Homens e mulheres que devem, sim, ser tratados como seres humanos e não material informativo destinado a alimentar objetivos particulares instrumentais e imediatos, sem preocupação com a legitimidade social imprescindível ao jornalismo de qualidade.
* Jornalistas e professores da UFPE
Publicado no Observatório da Imprensa em 03/08/2010
Publicado no site da FENAJ em 10/08/2010
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Formação profissional
Sobre a escola de jornalismo
* Demétrio de Azeredo Soster
Se o então ministro Gilmar Mendes, quando da elaboração do texto que viria a embasar seu voto pela não obrigatoriedade do diploma de Jornalismo para o exercício da profissão, tivesse lido o livro A Escola de Jornalismo: a Opinião Pública, de Joseph Pulitzer (Insular, 2009), talvez não apequenasse, de forma tão vexatória, o Supremo Tribunal Federal (STF), como o fez. É uma hipótese.
O fato é que, ao demonstrar ignorância sobre o que significa a formação superior em Jornalismo, tanto para quem emprega como para quem é empregado, legitimada do ponto de vista documental pelo diploma – a exemplo do que ocorre com profissões como a Medicina e o Direito, para ficarmos em duas – Gilmar Mendes agiu de encontro ao momento evolutivo da sociedade.
Observe, caro leitor, cara leitora, que eu disse “de” encontro, ao invés de “ao” encontro. Explico: face à compressão espaço-temporal em que vivemos, decorrência principalmente do desenvolvimento tecnológico da sociedade, e suas complexificações, as empresas necessitam, cada vez mais, profissionais qualificados ao exercício da profissão para sobreviverem à concorrência e se manterem saudáveis.
Equivale a dizer que, diferentemente do que ocorria há duas décadas, há cada vez menos tempo para treinar funcionários, basicamente porque a multiplicação de jornais, revistas, rádios, televisões e sites de natureza jornalística exige dos que trabalham com informação resultados tão rápidos quanto satisfatórios, sem tempo para aprendizado.
É onde se potencializa o papel da universidade, particularmente em nível de graduação, na formação dos futuros jornalistas. A ela cabe instrumentalizar os aprendizes, por meio de ensino, pesquisa e extensão, de tal forma que, quando formados, não apenas sejam capazes e competitivos como estabeleçam, por meio de seu ofício, diferença para melhor no mercado de trabalho.
Diferença esta que se personifica, claro, no desempenho adequado das tarefas para que foram contratados, mas, sobretudo, na compreensão do que sua presença no mercado de trabalho significa para a sociedade como um todo, haja vista que estamos falando de um ofício que, para além do caráter de negócio, possui obrigações e responsabilidades de natureza pública.
E, para isso, ao lado do conhecimento prático, é preciso também instrumentalização de natureza ética, filosófica e sociológica; sobretudo, jornalística, com o que retornamos ao livro de Pulitzer.
Trata-se, a obra, de uma vigorosa defesa da escola de Jornalismo, escrita ainda no século 19 como uma resposta àqueles que, como hoje, insistem em não ver sentido na formação superior para o (bom) desempenho da profissão, e que não sabem, portanto, do que estão falando.
Uma obra que deve ser lida antes de nos posicionarmos a respeito do assunto, sob o risco de nossos argumentos serem inconsistentes, ou mesmo risíveis, como comparar o trabalho de um jornalista ao de um cozinheiro, com todo respeito que o segundo merece para além da hora da fome.
* Jornalista/Subcoordenador do Curso de Comunicação da Unisc
Publicado no jornal Gazeta do Sul em 09/08/2010
Publicado no site da FENAJ em 10/08/2010
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Obstáculo à liberdade de expressão?
Modesta opinião sobre o diploma de jornalista
* Dr. Rosinha
Fui convidado pelos alunos do curso de jornalismo da PUC do Paraná para ser o patrono da turma. Com este convite, me senti mais homenageado do que a própria homenagem que seria prestada aos formandos, na última sexta-feira (11).
Preparei um discurso, que ainda não fiz. Por um problema cujos detalhes desconheço, e que espero que não seja eu, a formatura foi adiada.
O discurso não seria longo. Começaria dizendo que nesta quinta-feira (17) completa-se um ano de uma equivocada decisão do Supremo Tribunal Federal, que decretou o fim da exigência do diploma de jornalista para o exercício da profissão.
Com o voto do relator Gilmar Mendes e de mais sete de seus ministros, o STF atendeu, na minha modesta opinião, ao lobby das empresas de mídia.
Logo após a decisão do STF sobre o diploma, algumas empresas começaram a oferecer cursos-relâmpago de jornalismo, um deles, a distância, a um custo de 40 reais. Uma prefeitura do interior da Paraíba chegou a publicar um edital para contratar jornalista. No edital, exigia apenas o Ensino Médio e oferecia um salário mínimo.
Tanto num caso como no outro, trata-se de um rebaixamento profissional. A quem interessa esse rebaixamento? A quem interessa o fim da exigência do diploma de jornalista? À sociedade brasileira é que não interessa.
O diploma de jornalismo nunca foi obstáculo à liberdade de expressão ou à liberdade de imprensa. Se forem de qualidade, os cursos de jornalismo representam a formação de, no mínimo, bons redatores e repórteres, com um mínimo de noção de ética, moral, história, teoria da comunicação e das técnicas próprias da prática jornalística.
Obstáculo real à liberdade de expressão e de imprensa é, na verdade, o monopólio, a concentração da propriedade dos meios nas mãos de poucos grupos ou famílias. Esse verdadeiro cartel familiar, sim, é um problema a ser superado pela população brasileira.
Há outros problemas a serem superados. Entre eles, não posso deixar de citar a compra e venda de horários nas grades das emissoras de TV e rádio. Alguns empresários vendem (ou “alugam”) horários para entidades ou pessoas físicas, parte delas totalmente despreparadas para trabalhar em comunicação. Às vezes, são tão despreparados que não suportam uma mínima crítica.
Lembro o caso recente do estudante Lucas Nobuo Waricoda, 20 anos. Ele cursa o segundo ano de Jornalismo da Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG), e foi ameaçado no ar por um apresentador de programa policial, Zeca (José Carlos Stachowiak), da TV Vila Velha, um canal de TV a cabo de Ponta Grossa.
O curso de jornalismo da UEPG mantém um blog (“Crítica de Ponta”), que funciona como laboratório da disciplina “Critica da Mídia”. Neste blog – e como matéria do curso – Lucas criticou o conteúdo do programa apresentado por Zeca.
O apresentador não gostou, e reagiu assim, grotescamente:
“[…] Vocês jornalistas que acham que são Deus, nunca fizeram porcaria nenhuma por este país….vocês não fazem bosta nenhuma por este país… E a mamãe como é que tá e o chifre do papai, tá sendo bem polidinho? Então comece a polir… Safado, filho de mãe solteira! Isto aqui você vai engolir… posso fazer engolir o computador, normalmente a gente faz engolir papel e pra mim te achar, a partir de amanhã …programa policial já existia antes de a mãe dele sair com o vizinho…você arranjou o pior inimigo agora, eu arrebento com você agora…e eu vou te pegar![…]”
Reação desproporcional, criminosa. Na época, o Ministério Público instaurou inquérito e Lucas registrou boletim de ocorrência. Espera-se justiça. Dúvida: irá a UEPG defender seu aluno e seu curso?
Tempos atrás, ouvi, na Rádio Educativa do Paraná, um de seus locutores, creio que o Silvio de Tarso, afirmando que começou a trabalhar na emissora depois de fazer um concurso público. Não sei que tipo de questões são colocadas em concursos para a seleção de apresentadores para a rádio e TV.
O mínimo seria exigir a formação universitária específica. Valorizar essa formação interessa à sociedade porque contribui com a qualidade do jornalismo praticado no país.
Só o inicio deste artigo é parte do discurso que ainda espero fazer. Da metade para o fim, acabei por adicionar outras ideias. E espero não ser ameaçado, como foi o estudante de jornalismo da UEPG.
* Médico pediatra, é deputado federal (PT-PR) e membro da Comissão Especial que analisa a PEC dos Jornalistas
Publicado no site da FENAJ em 23/06/2010
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Oportunismo
Ter ou não ter (o diploma), eis a questão
* Fatima Souza
O filho do garçon de um patrão que tive, em uma emissora de TV de São Paulo, decidiu ser jornalista. Um garoto ainda, sem formação nenhuma, em busca de notoriedade e carreira. Nada contra a profissão do pai dele, que se deu bem, sendo garçon de um grande empresário de TV. Um dia, entre servir um uísque e outro, ele disse ao meu ex-patrão: “Meu filho tem a maior vontade de ser jornalista e trabalhar em uma televisão… ele é inteligente, fala melhor do que eu e só precisa de uma chance”. O patrão mandou que ele fosse à emissora e se apresentasse à chefia de reportagem.
Sentindo-se dono da bola o menino foi à redação e de nariz prá cima foi logo avisando: “Foi o dono que me mandou aqui. Sou o novo jornalista”. Dentro da linha “esperto é quem obedece” a chefe de reportagem perguntou-lhe se já tinha uma pauta própria a executar no seu primeiro dia de trabalho como repórter.
– Pauta? O que é isso?
Assim começava o novo foca sem diploma da redação, no ano 2000. Li alguns dias depois um relatório deixado por ele, referente a uma “matéria” que gravou: “*C*into muito… as pessoa não quizeram falar e só fiz image”
*S*enti, naquele momento, que minha profissão corria riscos. Interessante ao patrão aquele menino… Trabalhávamos em emissora de TV e a equipe era formada por um repórter, um cinegrafista, um operador de VT e áudio e um motorista. E não é que o foca fazia tudo sozinho? Dirigia, gravava a matéria narrando o fato, fazia a iluminação, entrevistava pessoas… Sozinho!
Enquanto nós, pobres profissionais, precisávamos de tantas pessoa*s*… Esta image*m, *por mais que eu qui*s*esse não consegui esquecer.
Jornalista formada, com diploma de 1.460 dias em quatro anos de bunda em cadeiras de faculdade, quando começaram as discussões de ter ou não ter o diploma, me elevei em pensamentos positivos e não acreditei que uma campanha, orquestrada pela Rede Globo, pudesse levar um “ministro” a decidir pelo fim da minha profissão. Aconteceu. E como escrevi em desabafo anterior, deitei jornalista e acordei filha de garçon. Ou de manicure, médico, frentista, motorista, biólogo, gari, doméstica, piloto de fórmula um, operador de trens do metrô, segurança, motoqueiro, engenheiro, advogado, delegado, desempregado, coveiro, herdeiro e oportunistas…
Ah! E como os oportunistas apareceram rapidamente… Dois dias depois do ”ministro” anunciar que jornalista é qualquer um e que diploma não é necessário não (em nome da “liberdade” de imprensa e o fim dos “tempos da ditadura”) li anúncios publicados por picaretas do mesmo nível do ”ministro”. Anunciaram “cursos” para jornalistas em 24 horas pela módica quantia de 20 reais!
A alma (jornalística) que tenho se arrepiou e chorou e desejou maldições aos anunciantes, ao ex-patrão e ao ex-“ministro”.
Li, por estes dias, que já são mais de 1.200 os que pediram registro de ”jornalista” sem faculdade…
Li, também, hoje, que a ABJ se posicionou a favor do fim do diploma. ABJ?
”Que diabos é isso?”, pensei. Nunca ouvi falar antes… Associação das Bestas e Jumentos? Asnos e Burros Juramentados? Associados das Belas Jamaicanas? Associação dos Babacas Jovens? Como ? me questionei, jornalista há 25 anos ? não sei o que é ABJ? Fui então em busca de informações, como faz um bom jornalista de diploma e descobri que a tal ABJ se intitula Associação Brasileira dos Jornalistas…
Caraca! Sou jornalista, sou brasileira e nunca ouvi falar dantes desta tal associação que me representa? É presidida por um fulano Antonio Vieira e tem 16 vices-presidentes. No site desta tal representante minha está escrito que são eles “a única entidade nacional de jornalistas que aceita associados com ou sem diploma”.
Então pensei: “Graças a Deus que é a *única*!”
Vi então a data de fundação da tal ABJ: 26/07/2009. Logo após a decisão do ex-“ministrinho”. Ah! Então se trata de mais oportunistas de plantão!
Vai ver o tal Antonio Vieira é chegado do ministrinho…
Quando me atento ao endereço da ABJ entendo tudo: é de BRASÍLIA!
Está explicado!
* Jornalista e repórter
PS: Proponho a criação da ABJDCO -Associação Brasileira dos Jornalistas Diplomados Contra os Oportunistas.
Publicado no site da FENAJ em 02/06/2010
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EDIR MACEDO
O bispo quer a carteirinha de jornalista
* Alberto Dines
O bispo-empresário Edir Macedo insiste em ser jornalista. É dono de uma poderosa rede de TV, tem concessões para dezenas de emissoras de rádio, pode dizer o que quer, enganar, subtrair, distorcer, criar fatos e factóides. Mas não está satisfeito. Quer uma carteirinha de jornalista. Para atender suas angústias existenciais ou ganhar convite para as estréias de filmes.
Apelou para a justiça em 2001, conseguiu ser admitido como jornalista-colaborador e em agosto de 2009, depois de o Supremo Tribunal Federal acabar com a obrigatoriedade do diploma para o exercício do jornalismo, entrou com uma ação no Tribunal Regional Federal da 2ª Região. O desembargador Fernando Marques o atendeu.
Errou o meritíssimo, data vênia: a entidade à qual Edir Macedo pretende associar-se (o Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Município do Rio de Janeiro) é composta exclusivamente por trabalhadores. Na condição de patrão, empregador – e aqui não vai nenhum juízo de valor –, Macedo não pode pretender a defesa dos interesses dos empregados. É incompatível.
Sindicato é, segundo o dicionário Houaiss, uma…
“…associação, para fins de estudo, defesa e coordenação de seus interesses econômicos e/ou profissionais, de todos os que (na qualidade de empregados, empregadores, agentes ou trabalhadores autônomos ou profissionais liberais) exerçam a mesma atividade ou atividades similares ou conexas.”
Edir Macedo tem todo o direito de associar-se a um sindicato de empresas ou empresários. São seus iguais, conexos. Suas atividades e funções na Rede Record (ou em qualquer outro veículo do seu grupo) não são similares às dos demais funcionários. A começar pelo poder de admitir ou demitir que o colocam em posição desconexa frente aos demais companheiros.
Especificidade liquidada
Absorvido pelas novidades aportadas pela decisão do STF no tocante ao diploma, o magistrado passou ao largo dos condicionantes ontológicos e morfológicos de uma entidade sindical. A guilde francesa, guild inglesa ou gilde alemã eram corporações de artesões formadas na Idade Média, organicamente coesas e obrigatoriamente uniformes.
Segundo o mesmo Houaiss, corporação é um…
“…conjunto de pessoas que apresentam alguma afinidade profissional, de idéias etc., organizadas em uma associação e sujeitas ao mesmo estatuto ou regulamento… Organismo social que reúne os membros de uma mesma profissão”.
A um comerciante de vinhos jamais ocorreria associar-se a uma corporação de vinhateiros. Um vende, o outro produz, ambos lidam com vinhos mas em diferentes posições do processo, com interesses divergentes.
Mesmo que Edir Macedo seja capaz de redigir corretamente um texto de 10 linhas como as centenas de jornalistas aos quais paga salários, o simples fato de ser o detentor de um meio de produção (e representar o capital), coloca-o em posição diametralmente oposta à daqueles que representam o trabalho. Não são categorias melhores ou piores – são diferentes, radicalmente diferentes.
Ao justificar a extinção da exigência do diploma, o ministro Gilmar Mendes do STF tentou ir além e liquidou a especificidade de uma profissão com registros históricos que remontam ao Império Romano. Agora, o egrégio Tribunal Regional Federal da 2ª Região avança na dissolução de um sindicato e anula sua definição e função social.
Estamos no bom caminho…
* Editor do Observatório da Imprensa
Publicado no Observatório da Imprensa em 02/03/2010
Publicado no site da FENAJ em 10/03/2010
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Formação e exercício profissional
2010: um ano decisivo para o Jornalismo
* Alfredo Vizeu
O Projeto de Emenda Constitucional (PEC) que resgata a formação superior em Jornalismo como condição para o exercício profissional deve ser votado pelo Congresso Nacional no primeiro semestre deste ano, bem como a proposta da Comissão de Diretrizes Curriculares de Jornalismo, do Ministério da Educação (MEC), que será analisada e debatida pelo Conselho Nacional de Educação (CNE). A aprovação das duas propostas é central para garantirmos a qualidade e a ética no Jornalismo no País.
Comecemos pela regulamentação profissional. O Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu, no ano passado, pela não obrigatoriedade da exigência do diploma para o exercício da profissão de jornalista. A decisão dos juízes do STF, que demonstraram pouco conhecimento do campo jornalístico e confundiram uma profissão com a liberdade de expressão e comunicação, transformou a área num “vale tudo”. Como observa a Federação dos Jornalistas (FENAJ), hoje basta estar vivo para exercer a profissão.
O “caos” no Jornalismo traz graves prejuízos à sociedade democrática. Como bem observou Eça de Queirós: “É o grande dever do jornalismo fazer conhecer o estado das coisas públicas, ensinar ao povo os seus direitos e as garantias da sua segurança, estar atento às atitudes que toma a política estrangeira, protestar com justa violência contra os atos culposos, frouxos, nocivos, velar pelo poder interior da Pátria, pela grande moral, intelectual e material em presença das outras nações, pelo progresso que fazem os espíritos, pela conservação da justiça, pelo respeito do direito, da família, do trabalho, pelo melhoramento das classes infelizes”.
Um curso de Jornalismo autônomo e independente como propôs a Comissão de Diretrizes de Jornalismo, constituída no ano passado pelo MEC, sob a presidência do professor e jornalista José Marques de Melo, que entendemos vai ser aprovado no primeiro semestre deste ano, é fundamental para a formação dos novos jornalistas. A Comissão que contou com o importante apoio do ministro da Educação, Fernando Haddad, procurou estabelecer parâmetros básicos para garantir isso.
O documento elaborado conta com o apoio importante e decisivo das entidades do campo do Jornalismo e é resultado de uma ampla consulta à sociedade. Como enfatiza a Comissão no seu texto: “Do Jornalismo que hoje está nas expectativas da Sociedade, exige-se tanto o domínio das técnicas e artes da narração quanto o domínio da lógica e das teorias da argumentação. Exige-se também o manejo competente das habilidades pedagógicas na prestação de serviço público, para que os cidadãos possam tomar decisões conscientes e responsáveis. Da mesma forma, persiste o desafio de questionar, refletir e interagir com a multiplicidade de fontes, ou seja, como o jornalista pode entender o mundo que o cerca e como pode compreender as motivações, os interesses, as demandas, os códigos do público que ele pretende atingir”.
Um aspecto central do documento, uma singularidade da profissão de Jornalista, é a defesa da ética. “A responsabilidade social do jornalismo, seu papel essencial na democracia e a competência específica exigida para exercê-las, lidando com as novas tecnologias, aspectos enfatizados ao longo deste documento, recomendam uma formação fundamentada na ética, na competência técnica, no discernimento social e na capacidade crítica, habilidades que só podem ser adquiridas em uma sólida formação superior própria”.
Por fim, a volta da exigência da formação superior em Jornalismo para o exercício da profissão de jornalista pelo Congresso e a aprovação do documento da Comissão de Diretrizes de Jornalismo do MEC, que defende um curso de Jornalismo autônomo e independente dentro da grande área da Comunicação, são grandes passos na formação e qualificação dos jornalistas. É o que defendo: formação superior num curso de Jornalismo e exigência obrigatória da mesma para o exercício da atividade profissional. Nas sociedades democráticas, o Jornalismo cumpre um papel social extremamente relevante.
* Professor do Departamento de Comunicação da UFPE e jornalista
Publicado no site da FENAJ em 09/02/2010
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Responsabilidade na informação
Faculdade da vida é reconhecida pelo MEC?
* Laércio Guidio
Sempre que alguém pergunta minha profissão e digo que sou jornalista, tenho que responder a uma entrevista sobre o que acho da “não obrigatoriedade” do diploma.
É importante informar às pessoas que a “não obrigatoriedade” de um diploma não dá a ninguém conhecimento por decreto. Sou convicto do propósito de que, independentemente da função que se queira exercer, há que se procurar uma escola que o deixe apto para tal feito.
Vários professores universitários têm dito que houve uma reformulação da grade curricular e do conteúdo para conectar os alunos com a realidade atual. Isso é muito positivo. É preciso profissionalizar a maneira de se expressar, pois a maioria das pessoas está sintonizada com o mundo por meio dos blogs, facebook, twitter e tantas outras ferramentas atuais.
A liberdade de expressão existe para todos, mas como saber tirar um bom proveito desses novos propagadores de informação? Como descobrir o que é de interesse público e o que é meramente interessante ao público? A responsabilidade na informação continua valendo.
A importância da apuração e o compromisso com a veracidade dos fatos é sempre o primeiro mandamento da comunicação, mesmo que seja em 140 caracteres. Assim como qualquer pessoa que vai dirigir um automóvel passa de pedestre para motorista (nesse caso precisa de habilitação), quando se propõe a informar passa a exercer uma importante função do Jornalismo; com periculosidade que pode ser comparada a um acidente de automóvel. Jornalismo com irresponsabilidade mata moralmente.
É necessário profissionalismo, falta expressão em toda essa liberdade. Quem investiu no conhecimento sabe o peso de seu diploma, ele não garante competência, mas ao menos mostra interesse de quem antes de executar uma função exigiu de si maior preparo.
Os que comemoram a “não obrigatoriedade” da formação acadêmica, certamente pensam somente no rótulo e não na ciência adquirida. Hoje, o brasileiro, assim que nasce, ganha o kit cidadão: uma certidão de nascimento, várias vacinas e a profissão de “jornalista”.
Falando nisso, qualquer pessoa que faz um parto pode ser chamada de obstetra? A “faculdade da vida” pode até dizer que sim, mas o mercado de trabalho certamente dirá que não. Sem preparo, ferro nenhum vira espada, nem mesmo por decreto.
* Jornalista em São Paulo
Fonte: site do SJPMG
Publicado no site da FENAJ em 09/02/2010
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Reflexão pertinente
Confiaremos em jornalistas sem diploma?
* Eduardo Cunha
Você, cidadão, confiaria o seu filho para uma cirurgia com um médico sem diploma? O que dizer de um advogado que sequer freqüentou bancas universitárias e tampouco ostenta a carteira da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB)? Obviamente que o mesmo vale para o cenário atual da imprensa. A reflexão é pertinente (e urgente), sobretudo por conta do fim da obrigatoriedade do diploma de jornalista após decisão, em junho, do Supremo Tribunal Federal (STF).
A imprensa tem um papel essencial para a construção da história brasileira, isso desde o Império. Daqueles primeiros pasquins nasceu o processo de democratização do Estado. Foram aqueles pioneiros jornalistas que descortinaram as mazelas sociais e políticas que sempre atemorizaram nossa nação. Após 200 anos da constituição de uma imprensa representativa e com reconhecimento internacional, deparamo-nos com uma postura surpreendente do Supremo. Se o Poder Judiciário ignora a relevância histórica do papel dos jornalistas para o país, o mesmo não se pode dizer do Poder Legislativo.
O fato de representar uma atividade profissional que repercute na vida de todos nós, cidadãos brasileiros, bastaria para que os ministros do STF fossem, em uníssono, favoráveis à obrigatoriedade do diploma, que existe há cerca de 40 anos. Definitivamente, as técnicas de entrevistar, reportar e editar exigem uma qualificação profissional devidamente referendada por um diploma emitido por instituições de ensino reconhecidas pelo Ministério da Educação.
Desde a redemocratização, os brasileiros vivenciam arduamente um processo de aperfeiçoamento da vida institucional. Nesse período, várias crises políticas e econômicas colocaram em xeque as virtudes da democracia, mas em nenhum momento nossa sociedade fraquejou na crença de que esse é o único caminho, se queremos consolidar a maturidade da nossa nação.
O alicerce desse edifício é a Constituição de 1988, obra pela qual muitos brasileiros e segmentos sociais deram inestimáveis contribuições. A imprensa, em geral, é um destes principais atores.
A defesa de que sejam aperfeiçoados os instrumentos da legislação para que se evitem atos de irresponsabilidade não pode se confundir com iniciativas que ao final signifiquem redução da liberdade de expressão. Ao instituir no artigo 5º da Constituição, inciso XIV, que “é assegurado a todos o acesso à informação e resguardado o sigilo da fonte, quando necessário ao exercício profissional”, os constituintes consagraram um princípio essencial ao pleno desenvolvimento do jornalismo, elemento fundamental da democracia.
Como resposta imediata à decisão do Supremo, foi criada em setembro uma Frente Parlamentar, que contempla quase 200 deputados e mais de 10 senadores. Propostas de emendas constitucionais, as chamadas PECs, tramitam no Congresso para conscientizar a sociedade sobre os riscos do fim da exigência do diploma. Um deles é a quebra do sigilo da fonte, possibilidade, como apontou o noticiário, sugerida pelo ministro da defesa, Nelson Jobim, durante a CPI do Grampo, no começo do ano. O profundo respeito ao legado de Jobim para a construção da democracia brasileira, sobretudo no período em que exerceu a presidência do STF, não me impede de discordar de sua proposta. O sigilo da fonte representa preceito essencial da liberdade de imprensa, garantido pela Constituição.
A defesa de que sejam aperfeiçoados os instrumentos da legislação para que se evitem atos de irresponsabilidade não pode se confundir com iniciativas que ao final signifiquem redução da liberdade de expressão. Ao derrubar o diploma de jornalista, o SFT pode ter aberto flancos para que se instaure no país uma negligência com o domínio da informação pública.
É indiscutível a importância de termos uma imprensa livre, mesmo com falhas, a uma imprensa engessada por restrições políticas. A primeira tem a chance indelével de aprender com seus próprios erros e ser corrigida por seu público, em um processo simultâneo ao amadurecimento da sociedade. O mesmo não acontece na outra opção.
Você, cidadão, confiaria em uma reportagem assinada por um jornalista sem diploma? Confiaria em um modelo de imprensa com amarras?
* Deputado Federal (PMDB-RJ)
Publicado no Jornal do Brasil em 15/11/2009
Publicado no site da FENAJ em 08/12/2009
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Expressão do monopólio
Sete pontos sobre o acórdão do STF e o jornalismo
* Elaine Tavares
Quando o mundo feudal europeu caiu, após mais de mil anos de existência, não foi por acaso. Esse processo foi fruto de uma profunda revolução levada pela classe burguesa em ascensão. Mais tarde, essa mesma classe trouxe à luz outros sistemas de organizar a vida – o mercantilismo e o capitalismo – que, com as invasões de território pós 1492, foram trazidos também para o que hoje chamamos de América Latina (ou Abya Yala), nosso espaço geográfico de existência. O capitalismo, depois de mais uma revolução tecnológica, nominada como revolução industrial, cresceu, ficou forte e passou por diversas crises, mas sempre sobrevivendo. Hoje, ele se expressa como imperialismo, que é o tempo em que a livre concorrência (proposta do capitalismo mercantilista) é substituída pelo monopólio.
Essa idéia de monopólio, que significa uma (ou pouquíssimas) empresa dominar as mais diversas faces de uma determinada produção, se expressa também no campo das idéias e a filosofia hegemônica passa a ser aquela que confirma essa fase do capitalismo. Não é à toa que no mundo do pensamento, o que apareça como dominante seja a idéia de que a expansão do sistema capitalista é uma coisa contra a qual não se possa lutar e, portanto, a única saída que temos é torná-lo um pouco mais humano. Mas, é da natureza do capitalismo não levar em conta o humano. Seu negócio é o lucro de alguns, e acima de tudo. Então, pensar em humanizar um sistema como esse é ingenuidade ou falta de capacidade crítica.
É dentro deste contexto de imperialismo que aparece a proposta de desregulamentação da profissão de jornalista. E isso pode ser percebido com absoluta clareza no acórdão do STF que julgou a questão, retirando a obrigatoriedade do diploma para o exercício da profissão. Usando e abusando de sofismas, equívocos e inverdades, o acórdão nada mais faz do que consolidar a idéia de imperialismo, dando todo poder ao monopólio industrial da comunicação. A desregulamentação da profissão de jornalista é exatamente isso: uma expressão cabal do poder monopólico, cuja única função no mundo é superexplorar os trabalhadores e extrair o mais possível de lucro. Não está em questão, de nenhuma forma, a decantada liberdade de expressão.
Diz o ponto 5 do acórdão, uma pérola: “O jornalismo é uma profissão diferenciada por sua estreita vinculação ao pleno exercício das liberdades de expressão e de informação. O jornalismo é a própria manifestação e difusão do pensamento e da informação de forma contínua, profissional e remunerada. Os jornalistas são aquelas pessoas que se dedicam profissionalmente ao exercício pleno da liberdade de expressão. O jornalismo e a liberdade de expressão, portanto, são atividades que estão imbricadas por sua própria natureza e não podem ser pensadas e tratadas de forma separada”. Este foi um dos argumentos mais discutidos durante o processo e foi o que mais pesou na decisão. Inclusive na opinião pública que, levada a acreditar neste erro interpretativo pela mesma mídia que exigia o fim do diploma, apóia incondicionalmente a decisão do Supremo: “todos têm o direito de se expressar, por que só os jornalistas?”
Bem, há que desmontar esta farsa. Proponho sete pontos:
1 – Jornalismo não tem nada a ver com liberdade de expressão – Liberdade de expressão é o direito que qualquer pessoa no mundo tem de dizer a sua palavra, seja numa reunião, gritando numa praça, pichando um muro, desenhando, e também nos meios de comunicação, privados e principalmente os públicos. Digo isso, porque num veículo privado de comunicação, o dono dele pode muito bem dizer quem fala e quem não fala. Mas, na comunicação pública, esse direito tem de ser assegurado a todas as vozes.
Ora, a comunicação envolve várias formas de expressão na qual o jornalismo é uma parcela bem pequena. E mais, o jornalismo não é espaço de liberdade de expressão, ele é uma profissão que se dedica a narrar os fatos que acontecem num determinado espaço geográfico. Assim, ele é tão espaço de liberdade de expressão como é a medicina, a geografia, a arquitetura etc… Dizer que, por trabalhar com a informação, o jornalismo não pode ser pensado separadamente da liberdade de expressão é um equívoco inaceitável vindo de juristas, em tese, tão bem preparados. Ele não só pode ser pensado de forma separada, como deve ser, uma vez que jornalismo é profissão, portanto submetido a uma razão trabalhista.
2 – Obrigatoriedade do diploma não atrapalha liberdade de expressão – No ponto 6 do acórdão, o STF apresenta outra pérola e diz que “A exigência de diploma de curso superior para a prática do jornalismo – o qual, em sua essência, é o desenvolvimento profissional das liberdades de expressão e de informação – não está autorizada pela ordem constitucional, pois constitui uma restrição, um impedimento, uma verdadeira supressão do pleno, incondicionado e efetivo exercício da liberdade jornalística, expressamente proibido pelo art. 220, § 1º, da Constituição”.
Vejam vocês que os juristas aqui falam em “liberdade jornalística”. E o que é isso? Que conceito novo é esse? O diploma não fere a liberdade de expressão, mas a liberdade jornalística? Vamos explicar o que é isso. Pedimos ao leitor que faça um exercício de memória. Pense no último Jornal Nacional que assistiu, ou o Jornal da Band, ou da Record. O que lhe vem à cabeça quando pensa em “liberdade jornalística”?
Pois o que diz o ministro está corretíssimo se pensarmos no que produzem as empresas monopólicas de comunicação no Brasil. Nenhuma delas garante a liberdade de expressão. Onde estão os movimentos sociais em luta? Onde estão os negros? Os índios? Os homossexuais? As mulheres? As crianças? Quem, afinal, diz a sua palavra na televisão – que é um meio público? A “liberdade jornalística” da Globo, da Record e da Band é a “liberdade da empresa”, é o direito do monopólio se expressar, e mais ninguém. Quem define o que é notícia nestes veículos? Quais os interesses que se expressam na maioria das telas, nos rádios e nos jornais? Pense leitor!
3 – O que é, de fato, o jornalismo? – O jornalismo não é liberdade de expressão de todos os seres humanos. Ele é um fazer profissional que abre espaço para as vozes, num determinado veículo ou empresa. O jornalismo é narrativa das vidas que não se expressam sozinhas nestes ambientes. Um profissional faz a mediação entre as múltiplas vozes que participam de um fato e a população que não viu este fato. O jornalismo não impede a livre expressão das pessoas, tanto que mais de 60% do conteúdo de um jornal privado, por exemplo, é escrito por não jornalistas. O que as pessoas fazem nos blogs, páginas da internet, twitter etc… não precisa ser, em última instância, jornalismo, porque não está preocupado em oferecer as várias faces do fato.
O jornalismo é coisa perigosa. Por isso tem de ser restrito, calado, desregulamentado. Ele, quando praticado como tem de ser, desvenda o que se encobre por detrás dos fatos. Narrar uma notícia é, como ensina Adelmo Genro Filho, ser capaz de ao descrever um fato singular, levar o leitor a compreender a atmosfera totalizante na qual aquele fato se deu. Ou seja, se um latifúndio é ocupado por famílias de sem-terra, o que, de fato, levou a isso: a concentração da terra nas mãos de poucos, a improdutividade de extensões gigantes, o roubo, etc… O jornalismo existe para desvendar a universalidade, para provocar em quem lê, ouve ou escuta, a reflexão crítica.
4 – O que os donos das redes monopólicas querem não é jornalismo – Então, se jornalismo é isso que falei acima, o que se vê, ouve e lê neste país, é jornalismo? Não! O que aí está todos os dias nas telinhas monopólicas é um sistema bem urdido de propaganda, pois como já dizia o escritor George Orwell, os donos do poder temem a opinião pública bem informada. Então, eles usam a beleza de um direito como “liberdade de expressão” para, na verdade, defenderam a “sua” liberdade de expressão. E quando digo “sua”, digo a deles, unicamente. É por isso, que a “liberdade jornalística” destas empresas não contempla as vozes dos oprimidos, dos massacrados, dos pobres, dos feios, dos sujos, dos prescindidos. Estes só aparecem como vítimas, sempre recolhidos ao seu papel de gente subalterna, nos casos de incêndio, enchentes, etc… Ou como bandidos, relegados às crônicas policiais. O jornalismo das empresas monopólicas é só propaganda do sistema capitalista/imperialista, é indução ao preconceito, ao erro, é encobrimento. Esta é a “liberdade” que aparece muito bem defendida no acórdão do STF.
5 – Nenhuma ilusão com os donos do poder – É óbvio que os ministros do STF estão cumprindo com sua função. Eles são os que dão a última palavra na compreensão das leis do sistema no qual estamos mergulhados. Mas, é bom que se lembre, as leis não são coisas divinas, reveladas por um deus. Elas são criações humanas, produzidas em espaços legislativos nos quais “a ralé” não tem qualquer “liberdade de expressão”. Os vereadores, deputados e senadores do mundo liberal burguês são eleitos pelo voto, sim, é certo. Mas, este voto não é, no mais das vezes, fruto da liberdade e da visão crítica de pessoas autônomas. No mundo dominado pelo sistema capitalista/imperialista, o que vale são os interesses dos que dominam. Estes são os que articulam e colocam nos espaços legislativos aqueles que os representam, usando os recursos mais sórdidos de compra de votos e enganações típicas da sociedade colonial, que ainda sobrevive no imaginário e na prática. Então, a lei é expressão da “liberdade” dos dominantes. Logo, não há como ter ilusões.
6 – Todas as portas fechadas – O acórdão do STF não satisfeito em legislar sobre o fim da obrigatoriedade do diploma ainda estabelece mais um impedimento. Diz o ponto 7: “No campo da profissão de jornalista, não há espaço para a regulação estatal quanto às qualificações profissionais… {o que} leva à conclusão de que não pode o Estado criar uma ordem ou um conselho profissional (autarquia) para a fiscalização desse tipo de profissão. O exercício do poder de polícia do Estado é vedado nesse campo em que imperam as liberdades de expressão e de informação”. Com isso os ministros tentam impedir qualquer outro tipo de regulamentação da profissão, deixando a categoria totalmente entregue aos desejos dos patrões.
7 – Primeiro eles arrancam a flor no jardim do vizinho – E assim o poder dos monopólios desregulamentaram a profissão de jornalista, mentindo, escondendo, enganando. Mas, isso não lhes basta. O próprio ministro Gilmar Mendes deu entrevista dizendo: “… esta foi só a primeira. Se deverá criar um ‘modelo de desregulamentação´ das profissões que não exigem aporte científico e treinamento específico”. É, porque para os ministros do STF não é necessário que as pessoas estudem, aprendam, conheçam. As pessoas exercendo profissões desregulamentadas, sem qualquer amparo legal, podem ser melhor dominadas, exploradas, oprimidas. Hoje foi o jornalismo, amanhã, quem será? E o mais brutal é ver pessoas que atuam na profissão compactuar com essa medíocre decisão, acusando os jornalistas de impedirem a livre circulação das idéias. São apenas papagaios amestrados do sistema.
A regulamentação da profissão não coloca em risco a ação dos blogueiros, fazedores de página, comunicadores populares. Em hipótese alguma. Mas é importante que as pessoas se dêem conta que blogs, páginas pessoais e veículos populares não são empresas de comunicação, cujo objetivo é o lucro. Logo, não estão, de maneira alguma, submetidos à razão do mercado capitalista. Quando defendemos a profissão estamos deixando bem claro que é a que se expressa no mercado capitalista, na qual o sujeito está completamente a mercê das “liberdades jornalísticas” dos patrões.
Então, é como no poema. Hoje pisaram no nosso jardim. Amanhã será o seu. E aí?
* Jornalista
Publicado no site da FENAJ em 23/11/2009
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Diploma e democracia
Fé e jornalismo
* Laércio Pimentel
Uma senhora ficou curiosa ao avistar uma menina abraçada ao tronco de uma árvore. Aproximando-se, perguntou:
– Por que está calorosamente abraçada a essa árvore?
– É que esta árvore foi plantada pelo pai do meu pai, depois protegida por ele durante toda a sua vida. Então, acredito que de alguma maneira ele faz parte dela, respondeu a menina.
– Isto é verdadeiramente o que chamo de religião, fé. É algo que sentimos e acreditamos, porém, foge à compreensão da lógica da vista humana.
Esta é uma parábola que serve para explicar muitas vezes a fé que se tem à prática do jornalismo, de que o exercício pleno de uma atividade possa fortalecer as bases da democracia de um país; que a busca pela verdade, muitas vezes é o único caminho para ver praticada a verdadeira justiça; que informações sérias e bem apuradas possam modificar, melhorar o dia a dia das pessoas; enfim, de que a comunicação possa fazer toda a diferença entre as coisas boas e as ruins. Aprendemos, nas faculdades, que esse sacerdócio tem nome e identidade: jornalismo.
Hoje sua prática está sendo colocada num prato e servida por aqueles que apenas acordaram num dia inspirado e foram cozinhar; então para que diploma!, sentenciaram.
A exigência do diploma não é um sentimento ególatra daqueles que apenas pensam na simples preservação de mercado. É um desejo coletivo de quem escolheu, e não apenas foi escolhido. É a vontade nua e crua de uma categoria que sempre transpõe suas necessidades pessoais em detrimento de uma coletividade, nem sempre ciente do que realmente precisa. Então lá vamos nós!
A exigência do diploma não é um axioma de impedimento do livre exercício da capacidade intelectual; é sim a porta de entrada para profissionais que vêem em suas funções algo mais do que a simples oportunidade de servir um belo prato em troca de famigerados trocados. Portanto, uma análise sociocomportamental de uma categoria, serve para explicar o porquê da exigência do diploma de jornalismo como forma de referendar as bases da verdadeira democracia. As “cirurgias” delicadas do fator comunicação não podem ser praticadas apenas por quem levantou naquele dia inspirado para operar. É preciso um maior comprometimento, doação, técnicas apuradas, vocação, crença e, acima de tudo, muita fé.
* Jornalista, é diretor da KFL Comunicações.
Publicado no site da FENAJ em 03/11/2009
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O erro do STF e a justiça na CCJ
O Supremo errou e o Congresso tem o dever de consertar
* Sérgio Murillo de Andrade
Perplexos e indignados, os jornalistas brasileiros enfrentam neste momento uma das piores situações da história da profissão no Brasil. Contrariando todas as expectativas da categoria e a opinião de grande parte da sociedade, o Supremo Tribunal Federal (STF), por maioria, acatou, em junho passado, o voto do ministro Gilmar Mendes considerando inconstitucional o inciso V do art. 4º do Decreto-Lei 972 de 1969 que fixava a exigência do diploma de curso superior para o exercício da profissão de jornalista. Outros sete ministros acompanharam o voto do relator. Perderam os jornalistas e também os 180 milhões de brasileiros, que não podem prescindir da informação de qualidade para o exercício de sua cidadania.
O presidente-relator e os demais magistrados, sem saber o que é o jornalismo, mais uma vez – como fizeram no julgamento da Lei de Imprensa – confundiram liberdade de expressão e de imprensa e direito de opinião com o exercício de uma atividade profissional especializada, que exige sólidos conhecimentos teóricos e técnicos, além de formação humana e ética.
O voto do STF humilha a memória de gerações de jornalistas profissionais e, irresponsavelmente, revoga uma conquista social de mais de 40 anos. Em sua lamentável manifestação, Gilmar Mendes defende transferir exclusivamente aos patrões a condição de definir critérios de acesso à profissão. Desrespeitosamente, joga por terra a tradição ocidental que consolidou a formação de profissionais que prestam relevantes serviços sociais por meio de um curso superior.
De todos os argumentos contrários a esta exigência, o que culpa a regulamentação profissional e o diploma em jornalismo pela falta de liberdade de expressão na mídia talvez seja o mais ingênuo, o mais equivocado e, dependendo de quem o levante, talvez seja o mais distorcido, neste caso propositalmente.
Qualquer pessoa que conheça a profissão sabe que qualquer cidadão pode se expressar por qualquer mídia, a qualquer momento, desde que ouvido. Quem impede as fontes de se manifestar não é nem a exigência do diploma nem a regulamentação, porque é da essência do jornalismo ouvir infinitos setores sociais, de qualquer campo de conhecimento, pensamento e ação, mediante critérios como relevância social, interesse público e outros. Os limites são impostos, na maior parte das vezes, por quem restringe a expressão das fontes – seja pelo volume de informações disponível, seja por horário, tamanho, edição (afinal, não cabe tudo), ou por interesses ideológicos, mercadológicos e similares. O problema está, no caso, mais na própria lógica temporal do jornalismo e nos projetos político-editoriais dos donos da mídia.
Nunca é demais repetir, também, que qualquer pessoa pode expor seu conhecimento sobre a área em que é especializada. Por isso, existem tantos artigos, na mídia, assinados por médicos, advogados, engenheiros, sociólogos, historiadores e, inclusive, os políticos. E há tanto debate sobre os problemas de tais áreas. A própria regulamentação profissional prevê a função de colaborador. Além disso, nos longínquos recantos do país existe a figura do provisionado, até que surjam escolas próximas. Deve-se destacar, no entanto, que o número de escolas cobre, hoje, quase todo o território nacional.
O Brasil tem uma tradição jurídica de regulamentar o exercício da maioria das profissões, especialmente as de nível superior. É função do Estado determinar parâmetros e requisitos mínimos no processo de formação do futuro profissional, estabelecendo padrões de qualidade na prestação de serviços à sociedade. Dessa forma, a regulamentação é meio legítimo de defesa corporativa, mas sobretudo certificação social de qualidade e segurança ao cidadão.
Alguns dizem que só devem ser regulamentadas profissões que, de alguma forma, no seu exercício possam causar danos à sociedade: Medicina e engenharia, por exemplo. É verdade? Levando ao extremo esse raciocínio torto, qualquer um pode ser juiz ou advogado? E jornalismo irresponsável, desqualificado, não causa danos, por vezes irreparáveis?
Jornalistas têm, sim, uma profissão, específica e singular. Por isso, o exercício da profissão, assim como o de outras com as quais atua de forma estreita, precisa ser regrado por uma regulamentação que dê conta de abarcar as suas funções exclusivas a partir do entendimento de quais são os seus fazeres. E na regulamentação profissional é que tratamos, como em qualquer outra profissão, de garantir não apenas a defesa de uma categoria como também, e principalmente, a qualidade, a ética, a responsabilidade, a pluralidade para o cumprimento da função social reservada ao jornalismo.
Outro argumento inaceitável usado pelos patrões e pelos juízes do Supremo é que o diploma era um entulho autoritário produzido pela ditadura militar. Na fundação da ABI, em 1908, portanto há mais 100 anos, a categoria já discutia a importância da formação escolar. Em 1918, quarenta e seis anos antes de se instalar a ditadura de 1964, os jornalistas reunidos no primeiro Congresso da categoria, no Rio de Janeiro, defenderam a formação específica em jornalismo para o exercício da profissão. E seguiram lutando por essa bandeira e pela regulamentação profissional.
Foi graças à mobilização e à pressão da categoria que, depois de mais de 50 anos de luta, conquistou-se a exigência do diploma, nos termos previstos desde o final da primeira década do século 20. Ameaça, de fato, à liberdade de expressão é a crescente concentração da propriedade dos meios de comunicação, sobre a qual, aliás, não se observa nenhuma manifestação da Justiça.
A profissão de jornalista está consolidada não apenas no Brasil, mas em todo o mundo. A Fenaj (Federação Nacional dos Jornalistas), neste momento, está preocupada em rechaçar os ataques e as iniciativas de desqualificar a profissão, impor a precarização das relações de trabalho e ampliar o arrocho salarial existente, objetivos explícitos na ação desregulamentadora e muitas vezes ignorados por ingênuos ou mal intencionados.
A Fenaj mantém o compromisso público de seguir lutando em defesa da regulamentação da profissão e da qualificação do jornalismo. Acreditamos que neste momento cabe ao Congresso Nacional recuperar suas prerrogativas indevidamente usurpadas pelo STF e resgatar através de emenda à Constituição ou projeto de lei a exigência do diploma.
Somos 80 mil jornalistas brasileiros. Milhares de profissionais que, somente por meio da formação, da regulamentação e da valorização do seu trabalho, conseguirão garantir dignidade para a categoria, além de qualidade, respeito ao interesse público, responsabilidade e ética no jornalismo.
* Presidente da FENAJ – Federação Nacional dos Jornalistas
Publicado no site Comunique-se, de 26/10/2009
Publicado no site da FENAJ em 27/10/2009
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Respeito profissional
Pela volta do diploma
* Jorge Fernando dos Santos
O fim da exigência do diploma de jornalista para o exercício da profissão no Brasil obedece a vontade de mentes sinistras, que em momento algum apresentam justificativa plausível para a desastrada decisão do Supremo Tribunal Federal (STF). A luta pela volta do diploma que vem sendo conduzida pela categoria na Câmara Federal tem sofrido percalços, já que representantes do patronato das comunicações insistem em manter sua posição retrógada.
Num país que ainda deixa a desejar no quesito escolaridade, é no mínimo um retrocesso suspender a necessidade de formação adequada para o exercício desta ou de qualquer profissão já regulamentada. Quando o presidente do STF, Gilmar Mendes, comparou os jornalistas a cozinheiros e alegou que o mau exercício da profissão não oferece riscos à sociedade, ele certamente ignorou os riscos de envenenamento (no caso dos cozinheiros) e de calúnia e difamação (no caso dos jornalistas).
Para justificar a decisão do STF, uma parte daqueles que insistem no fim do diploma alega que, para exercer o jornalismo, não há necessidade de curso superior. Outros sustentam a falsa premissa de que a exigência do diploma para escrever em jornais atenta contra a liberdade de expressão – supondo-se que aqueles que não têm formação adequada não poderiam escrever em veículos de comunicação. Ledo engano! Afinal, qualquer pessoa pode ser convidada a se manifestar como colunista ou a colaborador na imprensa diária, desde que escreva sobre matéria de seu domínio. Opinar é direito de todos. Por isso mesmo, jornais e revistas mantêm espaços para cartas de leitores e artigos de colaboradores não necessariamente diplomados em jornalismo. O diploma era exigido para o cumprimento de tarefas típicas da profissão, como fazer reportagens, entrevistar e editar matérias.
Há ainda aqueles que afirmam que o diploma de Jornalismo foi instituído durante o período de arbítrio da ditadura militar e que por isso mesmo fere a Constituição Federal promulgada em 1988. Curiosamente, quem usa esse argumento para justificar o equívoco cometido pelos juízes do STF não oferece nada em troca, simplesmente defende o fim da diplomação e do curso superior de Jornalismo. Nessa linha de pensamento, não seria preciso diploma para ser advogado ou juiz do Supremo, bastando quando muito conhecer as leis.
Na verdade, boa parte dos donos de jornais e revistas odeia os jornalistas justamente devido ao seu perfil questionador. Estes por sua vez, justamente por terem formação superior, noções de ética e responsabilidade profissional geralmente resistem ao monopólio da informação e à manipulação da notícia pelos empresários de comunicação, prática geralmente imposta por chefes de redação que se colocam cegamente a serviço dos patrões e de grupos políticos e/ou empresariais seus aliados. Se existe alguma verdade no noticiário, isso ocorre principalmente devido ao senso de responsabilidade de profissionais bem formados e de boa índole.
Acabar com a exigência do diploma é nivelar o jornalismo por baixo, na categoria de profissões não regulamentadas, para as quais ainda não existe curso superior. Ao nos comparar com cozinheiros, Gilmar Mendes parece ignorar que alguns deles já estão frequentando bancos de universidades em busca de especialização e de melhores ganhos no mercado internacional do chefs de cozinha.
Sem diploma, os jornalistas deixam de constituir uma categoria profissional de nível superior, o que certamente contribuirá com o interesse patronal que deseja achatar nossos ganhos ao extremamente necessário. Quem trabalha em redação sabe que o volume de tarefas sobe na proporção inversa aos salários. O investimento de algumas empresas no chamado jornalismo convergente, obrigando seus profissionais a escrever para mais de um meio ou veículo ao mesmo tempo, comprova o aumento da mais-valia sem nenhum respeito às leis do trabalho.
Por outro lado, ninguém fala em fiscalizar os cursos de comunicação, para saber se o ensino que oferecem é mesmo de qualidade e se está adequado às exigências do mercado. O que querem alguns é de fato alinhar por baixo os jornalistas, condenando-os ao baixo salário, ao aumento da carga de trabalho e ao não comprometimento com a ética e a qualidade da notícia. Em outras palavras, querem empregar profissionais afáveis, obedientes, despreparados ou vendidos aos interesses patronais sem nenhuma preocupação com a veracidade da notícia, na base do “dane-se o leitor”. A maioria dos donos de jornais quer mesmo é ganhar dinheiro a rodo, usando seus respectivos veículos de informação para defender interesses próprios e eleger políticos que rezam em suas cartilhas.
Apesar disso, muitos coleguinhas ainda se colocam na posição de observadores desinteressados da luta que agora se trava pela volta do diploma. Agem como se não acreditassem na reversão da história em nosso favor, ou como se fossem apenas coadjuvantes nessa novela de final imprevisto. Em vez de se mobilizarem em nome da dignidade profissional, acreditam que as coisas são como são e que o homem não é mais sujeito da própria história. É preciso defender nas redações o pouco que ainda resta de dignidade, responsabilidade e respeito profissional. Caso contrário, a profissão de jornalista deixará de existir e a qualidade da informação estará irremediavelmente comprometida em nosso país.
* Jornalista e escritor em Belo Horizonte, assessor de comunicação do Sindicato dos Jornalistas Profissionais de Minas Gerais
Publicado no site da FENAJ em 27/10/2009
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Todo mundo é jornalista?
Diploma de credibilidade
* Laércio Pimentel
Ceticismo. Desconfiança. Descrença. Você acreditaria na veracidade de uma notícia sobre apuração de irregularidade no financiamento de campanhas políticas feita por empreiteiras, tendo como apurador jornalístico um engenheiro? E o que dizer das denúncias contra a corrupção tendo na apuração dos fatos um político? Pode ser que em ambos os casos a averiguação seja das mais corretas, porém sempre vai pairar a dúvida do lobby ou do “protecionismo de classe”.
São fatos que não esclarecem posição da questão ética, mas expõem o campo da dúvida quando o jornalismo é partilhado por diversas categorias, quase sempre à mercê de interesses pessoais, políticos e empresariais. Estrangular o jornalismo extraindo seus devotos praticantes, justapostos diplomados, é uma forma que beira à arbitrariedade contra a democracia, porque profissionais que escolhem o jornalismo como segunda opção têm em mente a notícia também como uma segunda opção. Verdade é verdade, nada mais do que a verdade – parafraseando o personagem Odorico Paraguaçu, tão bem interpretado por Paulo Gracindo. Não é possível ter na cadeia de comunicação pessoas que possam acender velas para Deus e para o Diabo. O princípio da ética e verdadeira prática do jornalismo ainda é o do livre trato da notícia como notícia e não como produto mercantilista de interesses de categorias, mesmo que ainda sofra com as vicissitudes editoriais próprias de cada meio empresarial.
Abrir precedente para que a desconfiança venha pairar sobre os fundamentos democráticos do jornalismo é um ditame inconveniente e despropositivo que só serve àqueles que vislumbram tirar proveito de questões pré-concebidas e estratagemas bem aparelhados como o que parece em questão. O jornalismo não é um prato culinário como já foi sugerido; e para aqueles que defendem o diploma apenas para questões cruciais que envolvam risco à vida humana, então é bom refletir sobre o poder da comunicação na vida de uma sociedade, não podemos nos eximir de tal reflexão, nem de ignorar tal responsabilidade.
O diploma é sim essencial para a carreira de jornalismo. É sim essencial para a manutenção da democracia. É sim essencial para extirpar oportunistas do uso da máquina de comunicação como forma de vencer suas próprias limitações na carreira que havia escolhido e na qual não lhe foi recompensatória.
Sabemos que mesmo num ambiente cercado por diplomados dentro da cátedra em questão, o painel jornalístico ainda não é tão eficiente e qualitativo quanto deveria, no entanto, eliminar a exigência do diploma não é fator de melhoria e sim de retrocesso. Precisamos de faculdades mais atuantes nas questões de avaliar as reais necessidades do mercado contemporâneo, das necessidades da sociedade, e só assim poderemos chegar à definição de programas mais assertivos e de conteúdo qualitativo mais condizente com a realidade.
É preciso fortalecer a idéia de restituição da exigência do diploma no Jornalismo feita pelo senador Antônio Carlos Valadares (PSB-CE), através de Proposta de Emenda Constitucional, com isso, alcançaremos a justa justiça no que diz respeito aos direitos de fato e não de especulação.
* Jornalista, diretor da KFL Comunicações
Publicado no site da FENAJ em 13 e 20 /10/2009
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Artigo
Profissão de jornalista
* Raul Zucatto
A Associação dos Conselhos Profissionais de Santa Catarina (Ascop), que congrega 20 conselhos de profissões regulamentadas, representando 246 mil profissionais do Estado, decidiu tornar pública sua posição quanto à decisão do Supremo Tribunal Federal no que concerne à não exigência de diploma para exercício da importante profissão de jornalista. Os dirigentes da Ascop entendem que num país como o Brasil, marcado por uma secular diferença de classes, é fundamental o papel que a educação e a formação profissional universitária ocupam para a redução das desigualdades sociais.
O exercício efetivo de uma profissão de nível superior requer diploma legal emitido por instituição de ensino universitário credenciada pelo Ministério da Educação. O exercício da profissão de jornalista é fundamental para levar a informação ao povo brasileiro de forma a mantê-lo devidamente instruído e livre para decidir seu próprio futuro. Para tanto, faz-se necessária uma formação técnica específica desenvolvida em instituição de nível superior.
Na medicina, uma decisão equivocada de alguém que não conheça os fundamentos da ciência médica pode acarretar danos irreversíveis para o ser humano. Na engenharia, um cálculo errado realizado por um leigo pode derrubar uma construção e causar, além dos danos materiais, inúmeras vítimas.
Assim também ocorre no jornalismo, pois uma notícia que omita a verdade ou que seja divulgada de forma incorreta por um profissional sem formação técnico-científica pode prejudicar toda a sociedade; para conhecer os fundamentos da ciência médica faz-se necessário estudar medicina em uma escola de nível superior credenciada pelo Ministério da Educação.
Da mesma forma, no jornalismo cotidiano é fundamental contar com profissionais bem preparados, competentes, com formação universitária, tendo embasamento técnico-científico e metodológico para bem exercer esta nobre profissão.
* Presidente da Ascop e do Crea/SC
Publicado no Diário Catarinense de 20 de setembro de 2009
Publicado no site da FENAJ em 22/09/2009
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Valorização Profissional
Decisão do STF requer o reinicio de uma nova luta em defesa da profissão de jornalista
*Elio de Castro Paulino
A decisão tomada pelo Superior Tribunal Federal – STF, no último dia 17 de junho, ao considerar inconstitucional o inciso V do art. 4º do Decreto-Lei 972, de 1969, decretando o fim da obrigatoriedade do diploma para o exercício do jornalismo, deixando indignados os jornalistas brasileiros, mergulhando a categoria num mar de incertezas e desânimo.
Passada a tempestade causada pelo impacto da votação, a decisão, se por um lado frustrou os cerca de 80 mil profissionais de informação, por outro lado, serviu para por um fim numa discussão desgastante que se arrastava a décadas, que sinalizava para este final e ascender a necessidade de dar início a uma nova luta em defesa da profissão.
Criticada por entidades de relevante importância para a democracia brasileira, como a Ordem dos Advogados do Brasil – OAB e Associação Brasileira de Imprensa – ABI, a decisão, um verdadeiro retrocesso, requer, com certa urgência, ações dos jornalistas, através do fortalecimento da Federação Nacional dos Jornalistas – FENAJ, bem como, da definição de regras para o exercício da profissão, a partir de agora. É importante medidas para nortear os trabalhos dos profissionais da área. Afinal de contas, os excelentíssimos Super-Ministros do STF, como um rolo compressor passaram em cima da sociedade brasileira, decidindo sacrificar, quase ao mesmo tempo, a Lei de Imprensa e a regulamentação da profissão, sem deixar nada no lugar. O momento exige uma nova discussão sobre a profissão. Porém, muito mais do que criar mecanismos para defender a profissão, é preciso proteger o cidadão brasileiro, que é quem recebe a informação, o produto final do trabalho do jornalista.
Fizeram, de propósito, uma confusão com a “Liberdade de Expressão”. Porém é preciso dizer que liberdade de expressão não significa expressão da liberdade. É uma fórmula cuja utilidade política está em encobrir limitações e condicionantes do direito de expressão. A mídia gorda nacional, aliada à elite e com a ajuda de bons e bem pagos profissionais do direito e de muitos magistrados, abusaram do uso, desvirtuado, da “Liberdade de Expressão”, para fazer justificar a necessidade da extinção do diploma específico para os profissionais de jornalismo. É absurda a afirmação de que o diploma obrigatório desrespeita e fere a Constituição Federal, por restringir o direito à liberdade de expressão.
A bem da verdade, é importante ressaltar que o jornalismo profissional não é alimentado pela liberdade opinativa. Aos jornalistas não é dada a oportunidade e a liberdade de expressar a sua opinião. Esta oportunidade é dada aos colaboradores, que não são jornalistas. Os colaboradores são os grandes usuários do direito da liberdade de expressão nos meios de comunicação, sem nunca precisar de um diploma de jornalista.
Será que o STF desconhece ser a notícia é a matéria-prima do jornalismo contemporâneo? A opinião do jornalista não é a base da informação. É a informação construída com técnicas jornalísticas, sem interferências de qualquer expressão conceitual do jornalista que está redigindo a notícia. Na produção dos jornalistas profissionais não se inclui, nem remotamente, o direito à liberdade de expressão.
Portanto, é hora de aproveitar o debate e reiniciar a luta em defesa da profissão e da criação do Conselho Federal de Jornalismo – CFJ.
*Jornalista DIPLOMADO pela Universidade Federal do Espírito Santo
Publicado no site da FENAJ em 08/09/2009
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Falta de conhecimento
Jornalistas no STF, já!
* Laércio Pimentel
No princípio, Deus criou o céu e a terra (…). Talvez devamos partir daí para explicar ao egrégio Supremo Tribunal Federal (STF) que o Jornalismo principia da Comunicação, a qual não cabe apenas na síntese de mera troca de mensagens entre interlocutores, mas, como bem sabemos, numa ciência.
A comunicação é fundamentada pela soma de diversas faculdades, transacionando vastos conhecimentos que se pautam nas raízes da própria história, recrudescendo pelas veias da sociologia, psicologia, antropologia, filosofia e outras valorosas ciências do conhecimento humano. Portanto, pobre daquele que vê na função do jornalismo o simples pressuposto da captação e transmissão de notícias, pois se assim fosse, então deveríamos abrir parênteses para a admissão maciça dos “amigos” psitaciformes – também conhecidos como papagaios.
A análise dos fatos, informações e interpretações das notícias soam tal quais as características e similaridades do julgamento de um processo, o qual os detentores da balança da justiça exercem com os mesmos parâmetros de formação dos bacharéis em Comunicação, porém com o competente exercício e aplicação do conhecimento jurídico adquirido nas faculdades de Direito; o que mais uma vez se equivale ao bacharel em Comunicação, habilitado em Jornalismo, detentor das técnicas e da ciência necessária ao pleno exercício da profissão. Se assim não for, há de se abrir vagas aos jornalistas que desejem postular uma cadeira no nobre STF.
Tratar o jornalismo e, por extensão, a ciência da comunicação como roupagem de prato culinário, é preconceito pela falta de conhecimento. Não há fator de igualdade, nem tampouco similaridade, para que os nobres companheiros da culinária, ou de qualquer outra valorosa profissão, possam se travestir de jornalistas, e nem bacharéis de Comunicação vistam “capas pretas” e se achem no direito ao Direito. Como diria o jurista Rui Barbosa: “A regra da igualdade não consiste senão em aquinhoar desigualmente os desiguais, na medida em que se desigualam. Tratar com desigualdade a iguais ou desiguais com igualdade seria desigualdade flagrante e não igualdade real.”
O caminho da verdadeira democracia é pavimentado pelo fortalecimento de suas instituições, pelo pleno e verdadeiro exercício de liberdade de expressão.
Visto que o que passou, passou, cabe agora ao Legislativo corrigir o errôneo julgamento e devolver a prática do jornalismo a quem de direito.
* Jornalista
Publicado no site da FENAJ em 31/08/2009
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Qualidade da Informação
Em defesa do Jornalismo: carta aberta a deputados e senadores pernambucanos
* Alfredo Vizeu
O Jornalismo é uma atividade central nas sociedades democráticas. Como bem observou o pioneiro dos estudos de Jornalismo no Brasil, Luiz Beltrão, pernambucano de Olinda, no começo da década de 60: “Entre todas as atividades humanas, nenhuma responde tanto a necessidade do espírito e da vida social quanto o Jornalismo. É próprio da nossa natureza informar-se e informar, reunir a maior soma de conhecimentos possível […] Através desse conhecimento dos fatos o homem como que alimenta o seu espírito e fortalecendo-se no exame das causas e conseqüências dos acontecimentos, sente-se apto à ação”. Mais do que isso a divulgação e exposição de informações contribui para impulsionar os agrupamentos às decisões e realizações da vida social.
A formação superior num curso específico de Jornalismo bem como a exigência do diploma para o exercício da atividade do jornalista não é só uma questão corporativa, mas básica para a qualidade da informação num mundo cada vez mais complexo. Por isso, a preocupação de Beltrão com os futuros profissionais da imprensa há praticamente 50 anos. “Improvisam-se jornalistas e técnicos de jornal à base apenas de treinamento nas redações. Qualquer semiletrado se arvora em profissional, na maioria das vezes atraído pelo “prestígio” de que gozará e pelos teóricos privilégios que o Estado lhe confere”.
Luiz Beltrão enfatiza mais a defesa da qualificação do jornalista: “Enquanto em todo mundo procura-se educar o jornalista para o exercício da profissão, entre nós relega-se a plano secundário a formação científica e técnica”. Sábias e proféticas palavras de Beltrão. Apropriando-nos das suas observações e compartilhando com as mesmas, entendemos que as dificuldades em compreender esse campo decorrem, antes de tudo, de um generalizado desconhecimento do que seja jornalismo, da sua missão, da sua influência na cultura, no progresso e na civilização dos povos, do indeclinável dever que todos temos de assegurar a essa atividade humana essencial a mais essencial de todas as suas condições de desenvolvimento: a liberdade.
Pernambuco, terra de grandes jornalistas que defenderam a ética, a liberdade e a verdade com todas as suas forças como Frei Caneca, Barbosa Lima Sobrinho e Luiz Beltrão e outros, tem o compromisso histórico, cultural e social de defesa do Jornalismo. Nesse sentido faço um apelo à bancada pernambucana no Congresso para que assine a proposta para a constituição de uma Frente Parlamentar em Defesa da Profissão de Jornalista.
Mais de 150 parlamentares já apóiam o documento. São necessárias 191 assinaturas para oficializar, no Congresso Nacional, a frente suprapartidária que deverá dinamizar a tramitação de projetos que restabeleçam a regulamentação profissional de jornalista. A lista divulgada pela Federação Nacional de Jornalistas traz os nomes de alguns parlamentares pernambucanos que ainda não assinaram o documento.
Tenho certeza que contamos com o apoio de toda a bancada pernambucana no Congresso na luta pela defesa da qualidade da informação e a ética no Jornalismo, fundamentais numa sociedade democrática. Ainda faltam alguns nomes, mas estou convicto que todos os deputados e senadores pernambucanos vão participar da Frente Parlamentar em defesa do Jornalismo.
Dentro desse contexto, concluo com Beltrão, convocando os parlamentares do Estado a defenderem a formação superior específica em Jornalismo e a defesa da exigência do diploma de jornalista para o exercício profissional da atividade para que tenhamos um jornalismo que defenda, acima de tudo, a luta pela manutenção das garantias constitucionais e das liberdades democráticas.
* Jornalista e coordenador do Núcleo de Jornalismo e Contemporaneidade da UFPE
Publicado no site da FENAJ em 24/08/2009
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Exercício da profissão
O Diploma da Discórdia!
* Tauana Schmidt
Talvez o diploma de graduação, aquele pedaço de papel, sirva somente para provar o que todo profissional graduado diz. Por isso não considero esse pedaço de papel assim tão expressivo, mas o que e quanto eu estudei, o tempo que levei para eu ter esse pedaço de papel, isso sim merece atenção e respeito.
O assunto que alvoroçou a comunidade jornalística nos últimos dias foi a decisão do STF em derrubar a obrigatoriedade do diploma de Jornalismo para o exercício da profissão. Pois bem, a maioria dos colegas [formados] esbravejou, protestou, se revoltou, digam-se de passagem os mato-grossenses… praticamente se rebelaram contra o conterrâneo Gilmar Mendes…pessoal, deixem estar… o tempo, como diz minha avó, resolve tudo em seu tempo…
O fato é que sem o diploma, nem todos conseguirão exercer a profissão, uma vez que para isso os jornalistas por experiência – sem desmerecer ninguém, mas falando das estrelas de plantão das redações a fora – precisarão conhecer algumas técnicas que só aprendemos na academia…Ah! Eis a questão: a academia é que vem antes do diploma… daquele que não é mais exigido, lembram?
Certo dia recebi um e-mail intitulado “Não precisa de diploma para ser jornalista? Então faça o teste.” Parte do teste era mais ou menos o seguinte: “Sem pesquisar sobre os termos faça um editorial e um texto jornalístico com o tema ‘O STF e o diploma de jornalista’, pré-diagramado em Page Maker, corpo 11, em meia página de quatro colunas, com foto e legenda, de duas laudas, sem nariz de cera, com lead e sublead, uma suíte para um box, com um olho, título com bigode, não pode ser artigo, se trata de uma matéria jornalística. Alguém [sem formação] quer tentar?
Colegas [formados] percebem como a questão não é assim tão simples? Não é apenas alguém sem formação começar a escrever um texto ou pensar em uma pauta para TV que a função de jornalista estará bem exercida. Sem conhecimento de base, teórico, será difícil dar qualquer passo, do tamanho certo é claro, em uma redação.
Também fiquei revoltada com a decisão do STF, mas depois que recebi esse e-mail comecei a rir e me dei conta de que não será assim tão fácil alguém sem formação e que vai prostituir o trabalho ficar com meu posto. Agora pergunto aos jornalistas por experiência: se o diploma não é assim tão necessário, porque é que os melhores, mais bem pagos e mais concorridos concursos públicos do país com vagas para jornalistas exigem a graduação, a formação acadêmica, inclusive com comprovação pelo diploma registrado no Ministério da Educação? Como, por exemplo, o concurso da Fundação Hospitalar de Minas Gerais, com quatro vagas para jornalistas e salário de R$ 4.391. Sem contar que as provas exigem conhecimento em dimensões teóricas e práticas da notícia e da reportagem; redação e edição do texto jornalístico; conceitos e funções da comunicação pública e da comunicação política; ética jornalística; teorias da notícia e do jornalismo; critérios de noticiabilidade, newsmaking, gatekeeping, agenda setting… conceitos… teorias… critérios… conceitos… teorias… teorias… Alguém se arrisca a competir comigo ou com qualquer outro Jornalista por Formação?
* Jornalista graduada pela Faculdade Cenecista de Sinop – Facenop
Publicado no site da FENAJ em 24/08/2009
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Confiança
A credibilidade dos jornalistas
* Celso Vicenzi
Saiu há pouco o resultado de uma pesquisa que põe jornalistas, profissionais de marketing e publicitários entre as 10 profissões com maior índice de credibilidade no Brasil. Respectivamente na quinta, oitava e nona posições. A pesquisa foi realizada pelo grupo alemão Gfk, que ouviu 17 mil pessoas em 16 países europeus, nos EUA e no Brasil. No plano internacional, porém, as três profissões ocupam as 12ª, 13ª e 16ª posições. Talvez porque o povo, nesses países, tenha mais acesso à educação e, consequentemente, maior discernimento crítico.
Bombeiros, carteiros, médicos e professores de ensino fundamental e médio obtiveram os melhores índices. Vale lembrar que os políticos, sem nenhuma surpresa, ficaram em último lugar, com apenas 16% de credibilidade no Brasil e 18% internacionalmente.
Parece-me que, apesar de não serem poucas as vezes em que nós jornalistas nos precipitamos e atropelamos os acontecimentos, pecamos pela falta de análise consistente, abusamos da superficialidade e não contextualizamos devidamente os fatos – para não falar daqueles que ideologicamente optam por desvirtuar, omitir e manipular informações – a população ainda tem nos olhado com confiança porque, num país em que os poderes públicos pouco fazem, perdidos em burocracias e lutas intestinas pelo poder, coube à mídia, no Brasil, a tarefa de responder minimamente às angústias do povo.
Um dos problemas é que, na ânsia de fazer justiça, os jornalistas, não raro, ultrapassam os limites da sua função e passam a proferir sentenças, sobretudo condenatórias, antes mesmo da Justiça se manifestar. Simples suspeitas viram manchetes de primeira página. E desmentidos, não raro, se escondem num pé de página. A mídia, que tanto se arvora no direito de a todos julgar, dedica-se muito pouco a admitir, publicamente, seus erros e os interesses que estão em jogo. E que não são poucos.
Há uma corrida, cada vez maior, pelo que se denominou de “espetacularização” da notícia. Tudo vira espetáculo. Inclusive tragédias. E diante de um drama brutal que acaba de acontecer, com famílias chorando seus mortos, os jornalistas se acham no direito de fazer perguntas. Há uma invasão de privacidade. Há um despudor sem limites. Entra-se no cenário de um drama sem pedir licença à dor alheia. Há a busca insistente por imagens e depoimentos impactantes, que emocionem as multidões.
Nos jornais e telejornais, já ouvi de editores: “Tem imagem? Não, então a matéria não entra.” Ou a ela se destina um cantinho do jornal/telejornal. Conteúdo, relevância para a sociedade, exemplos esclarecedores do que está acontecendo? Tudo fica em segundo plano para dar passagem à sua excelência, a imagem, como se ela fosse a suprema revelação da verdade. Mas sabemos que ela pode ser tão manipuladora da verdade quanto qualquer texto panfletário. Para isso há a edição e, antes dela, a escolha mesmo de um fato. Quando e para onde eu aponto a minha câmera? O que dirá o meu texto? Num conflito entre traficantes e policiais, que tem a população das favelas como maiores vítimas, onde estou posicionado? Atrás dos policiais ou lá dentro da favela? Só o lugar, de onde acompanharei o desenrolar dos fatos já define muito. Quem são as minhas fontes? São sempre só as autoridades? Dá-se a palavra, em horário nobre, ao povo, como protagonista, ou ele será sempre um coadjuvante? Será sempre das autoridades ou dos intelectuais a versão final dos episódios? Que frases de cada personagem escolherei para narrar o que aconteceu e interpretar o sucedido? Escolhas não são isentas de conteúdo ideológico. Nem mesmo as palavras. Escrevo “invasão” ou “ocupação” do MST? Você é um trabalhador “multifuncional” ou será que está mesmo com uma sobrecarga de trabalho? O problema é que boa parte dos jornalistas “naturaliza” os conceitos como se fossem imparciais. Ao noticiar um fato, nenhuma neutralidade é possível. Pior ainda se o jornalista desconhecer isto. Quanto mais consciência política e ética o jornalista tiver, menos enganará a si e aos consumidores de suas notícias.
A mídia é hoje peça fundamental no tabuleiro do jogo de poder. Atualmente as empresas de comunicação têm participação em outros negócios que, no mínimo, a põe sob suspeita ao noticiar muitos eventos. Um exemplo emblemático: segundo Mauro Malin, no Observatório da Imprensa, a Folha de São Paulo é sócia, desde 1996, da Odebrech, do Unibanco e da americana Air Touch num projeto de telefonia celular, a famosa Banda B. Em 1994, este jornal publicou reportagens em que o nome da Odebrech aparece 244 vezes, sempre de modo negativo. Em 1996, com a sociedade já selada, a construtora é citada apenas 90 vezes e a imagem negativa em não mais do que 5% do total. Isso acontece com vários veículos de comunicação e empresas.
Costuma-se dizer que se as pessoas soubessem o que contém uma salsicha, talvez não comeriam. Exagero à parte, pode-se também dizer que se a população soubesse como se escolhem as notícias (e os jornalistas!), como são escritas, narradas e comentadas e a quais interesses servem, talvez essa credibilidade que aparece na pesquisa ficasse um tanto quanto abalada. Ou como brilhantemente definiu o sociólogo Boaventura de Sousa Santos: “Quem tem poder para difundir notícias, tem poder para manter segredos e difundir silêncios. Tem poder para decidir se o seu interesse é mais bem servido por notícias ou por silêncios.”
* Jornalista – Florianópolis/SC
Publicado no site da FENAJ em 24/08/2009
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Nuvens no horizonte
Jornalistas e sociedade sob ataque do STF
* Emiliano José
No dia 30 de abril deste ano, o plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) declarou inválida, por sete votos a quatro, a Lei de Imprensa, de 1967. No dia 17 de junho, o mesmo plenário decidiu eliminar a exigência do diploma de jornalismo para o exercício da profissão. Além de queda, coice.
O povo costuma dizer que jabuti não sobe árvore. Se você vir um deles acomodado num galho, pode desconfiar: alguém o colocou ali. Será que essa máxima do senso comum pode ser aplicada a essa ofensiva do STF contra a profissão, contra os jornalistas, contra a sociedade? Há nuvens toldando o horizonte e, por isso, ainda não é possível responder sobre quem carregou o jabuti até o galho. Podemos apenas recolher indícios.
Quanto à Lei de Imprensa, ainda poderia sobrar algum argumento ao STF. Pode esgrimir a razão do entulho autoritário, e não estará totalmente errado. Afinal, a lei foi feita em plena ditadura. Quanto ao diploma, nenhuma razão, praticamente nenhuma. Evidenciou apenas a ignorância completa sobre uma profissão legalizada. Já vai muito longe o tempo em que o jornalismo se aprendia nas redações.
Já que não é possível responder com precisão sobre o jabuti, vamos indagar então a quem interessa esse 11 de setembro que se abateu sobre os jornalistas e a sociedade brasileira, sintomaticamente à beira da Conferência Nacional de Comunicação, convocada pelo presidente Lula.
A exigência do diploma é combatida há muito tempo pelos donos dos meios de comunicação. O professor Laurindo Lalo Leal Filho considera, corretamente, que eles têm agido assim com dois objetivos. O primeiro: destruir a regulamentação da profissão aviltando ainda mais os salários e as condições de trabalho. O segundo: evitar a presença em suas redações de jornalistas que possam, nem que minimamente, evidenciar autonomia e espírito crítico.
O professor desmonta o argumento ridículo dos juízes do STF de que o diploma era um entulho autoritário. Em 1918, os jornalistas, reunidos em Congresso no Rio de Janeiro, já defendiam a formação específica em jornalismo para o exercício da profissão. Em 1961, Jânio Quadros publicou decreto regulamentando a profissão. As empresas, no entanto, se mobilizaram e acabaram conseguindo, um ano depois, sob o governo Goulart, a revogação do decreto.
Ainda assim, voltou a exigência da formação superior. Mantinha-se o reconhecimento de jornalistas sem diploma nas cidades onde não havia faculdades de jornalismo. O decreto-lei de 1969, como diz o professor Laurindo Leal Filho, apenas acabou com o autodidatismo. Diante de toda essa história, pode-se afirmar que os doutos juízes do STF desfilaram sua ignorância ao tomar a medida que joga o diploma de jornalismo no lixo. Com tudo isso, vamos ao menos encontrando indícios de como o jabuti chegou àquele galho.
Nos debrucemos um pouco agora sobre a abertura do vácuo legal, causada pela invalidação da Lei de Imprensa, que deixa a cidadania completamente desprotegida diante dos erros da imprensa. Isso é muito grave. Do ponto de vista da sociedade, em tudo por tudo, impõe-se a elaboração de uma nova lei de imprensa, agora democrática.
Tudo parece claro, límpido, próprio do Estado de Direito. Afinal, como lembrava o advogado José Paulo Cavalcanti Filho, em artigo recente, dos 191 países da ONU só um não tem Lei de Imprensa: o Brasil.
Mas, tal clareza não parece chegar à própria mídia, que prefere a situação criada pelo STF. Mesmo correndo o risco de ficar à mercê de iniciativas processuais vindas dos mais variados cantos do País, a mídia prefere esse vácuo legal. Recentemente, uma chamada conferência de imprensa, que reuniu barões da mídia brasileira na Câmara Federal, consagrava o entendimento de que é melhor deixar tudo como está – naturalmente como está depois da decisão do STF.
Afinal, por todos os títulos, do ponto de vista dos grandes meios de comunicação, é melhor o vácuo legal do que uma lei democrática, que venha a regular a mídia. Como deputado federal (PT-BA), propus ao líder do meu partido, Cândido Vacarezza, que apresentasse um requerimento ao presidente da Câmara Federal, Michel Temer, propondo a criação de uma Comissão Especial voltada à elaboração de uma nova lei de imprensa, nos marcos e sob os parâmetros legais do Estado Democrático.
Registro que na Câmara Federal e no Senado há um temor reverencial diante da mídia. É como mexer com um monstro sagrado. A maioria treme. Por isso, creio que só uma decidida mobilização da sociedade brasileira e dos próprios jornalistas é que estimulará alguma iniciativa da Câmara Federal.
Mesmo que raciocinássemos de modo excessivamente otimista, e considerássemos existir um alto grau de responsabilidade de toda a mídia, ainda assim, como atividade humana, tal trabalho está sujeito a erros, e, dessa maneira, deve estar sujeito a uma regulação legal, sob os marcos do Estado Democrático, para insistir no bordão. Por obviedade, não é possível pensar numa auto-regulação.
Todos nós sabemos não serem incomuns os erros da imprensa, e a cidadania não pode ficar ao deus-dará, especialmente a população mais pobre, que não tem acesso rotineiro aos meios de comunicação e que usualmente é desrespeitada por esses meios.
O advogado José Paulo Cavalcanti Filho assinala que sofríamos muito com a pior Lei de Imprensa do planeta. “Mas, pior mesmo, é não ter lei nenhuma”. Acompanho o raciocínio dele, que me parece exemplar. Quem ganha e quem perde com a decisão do STF? Jornalistas, perdem – acentua o advogado. Afinal, uma Lei de Imprensa democrática certamente lhes garantiria direitos fundamentais, “como a ‘cláusula de consciência’, com a qual poderiam não assinar reportagens contra suas crenças ou ideologias sem ser demitidos por isso”.
Teriam direito à “exceção da verdade”, que os protegeria de processos, quando legitimados por procedimentos fundados na ética, na responsabilidade social. Ou, também, dado ao fato de exercerem o ofício de emitir opiniões, teriam tratamento penal diferenciado – a pena de privação da liberdade restaria limitada à reiteração de práticas eticamente reprováveis.
Cavalcanti Filho demonstra que os jornais também perdem. Uma lei democrática garantiria que fossem processados apenas onde têm sede ou sucursais, evitando o que ocorre atualmente com a Folha de S. Paulo, que responde a processos dos filiados da Igreja Universal em mais de uma centena de fóruns. Só que, como disse, creio que os jornais, emissoras de rádio e de televisão preferem o vácuo, mesmo correndo o risco apontado pelo advogado.
Eu queria ir além, no entanto, Tocar o dedo um pouco mais fundo na ferida, que me desculpem a expressão. Uma mídia como a brasileira, concentrada nas mãos de umas poucas famílias, oligopolizada, portadora de um discurso profundamente conservador e nitidamente partidarizada, pode existir sem qualquer regulação democrática? Mais do que isso, um poder assim, com tão poderosa repercussão, com tal impacto público, pode caminhar desregulado? Um ator político dessa importância pode ficar à margem de uma lei específica?
Penso que não há justificativa de nenhuma natureza para que a mídia escape a uma regulação específica. Se quisermos avançar um pouco mais, lembremos, para reiterar, que vivemos sob uma sociedade midiática, uma ambientada e estruturada pela mídia, e um poder assim, como já o compreenderam as nações democráticas por todo o mundo, não pode existir sem uma lei que regule suas atividades.
Está certíssimo outra vez José Paulo Cavalcanti Filho, na conclusão de seu artigo: que se garanta, como óbvio, o máximo de liberdade de informação que, como ele acentua, trata-se de um sagrado direito de todos e de cada um, “mas que também se garanta o máximo de responsabilidade no exercício dessa liberdade”.
Esta relação, entre liberdade e responsabilidade, é complexa. Há um temor, de modo particular à esquerda, de tratar disso. O Estado Democrático, no entanto, segundo o que penso, é capaz de contemplar uma coisa e outra.. E nós sabemos, sabemos bem, o quanto há, infelizmente, de irresponsabilidade na mídia brasileira. O quanto há de intervenção política dessa mídia, e uma intervenção política que beira à obscenidade por sua parcialidade, por falta de critérios propriamente jornalísticos.
Na crise política de 2005, de modo particular, e mesmo na campanha de 2006, ficou nítida a leviandade da mídia brasileira. O que havia era uma posição política exercida de modo irresponsável, leviano pela desconsideração com a verdade, com os fatos, pela seguida distorção da realidade.
Se não há regulação, se o que chamo núcleo dominante da mídia pode agir segundo seus exclusivos critérios, predominaria uma espécie de lei da selva, onde se esconderiam, ou se afirmariam, interesses poderosos, políticos e econômicos.
Já se disse que não há nada de estranho no fato de os meios de comunicação afirmarem e defenderem interesses políticos ou econômicos. Mas que o façam de modo claro, abertamente, à luz do dia, e se guiem, ao menos, pelos padrões elementares do jornalismo, onde conte a predominância dos fatos, algum rigor com a verdade, e não o teste de hipóteses, como tem agido boa parte do jornalismo brasileiro.
O núcleo dominante da mídia brasileira decretou o fim do governo Lula, trabalhou para isso durante boa parte do ano de 2005 e até o segundo turno de 2006. Não é necessário muita pesquisa para perceber isso.. O povo brasileiro, no entanto, naquela conjuntura, além de eleger Lula, conseguiu, também, impor uma derrota à mídia, embora, por evidência, ela não tenha assimilado as lições dessa derrota. E isso porque tem uma posição política intransigente, nitidamente sectária – a de não aceitar, sob nenhuma hipótese, a extraordinária experiência do governo Lula.
Insista-se: ter posições políticas, como o núcleo dominante da mídia brasileira o tem, faz parte da dinâmica do Estado Democrático. O problema é que a mídia, pela função que tem nas sociedades contemporâneas, de ser um ator essencial na construção social da realidade, não pode fugir de alguns padrões éticos e profissionais conhecidos, que estão consagrados nos manuais que ela própria edita. E o núcleo dominante da mídia brasileira não respeita sequer seus manuais.
Evidente que há exceções. Podemos citar CartaCapital, Caros Amigos, Fórum, algumas tantas outras publicações e tantos blogs incômodos para a mídia dominante. Mas são exceções. Sorte nossa é que o governo Lula convocou a Conferência Nacional de Comunicação, onde, espero, sejam debatidos os rumos da mídia em nosso País, a necessidade profunda de democratizar os meios de comunicação de modo a aprofundar a democratização da sociedade brasileira.
Que se afirme, a partir dessa conferência, a idéia de que não é admissível que um pequeno número de famílias monopolizem o discurso em nosso País. Que outros atores, diversos atores, tenham a possibilidade de falar, de elaborar interpretações sobre a realidade brasileira.
Ao mesmo tempo em que afirmamos o direito democrático de o núcleo dominante da mídia na atualidade ter sua posição política, também é necessário dizer que muitas outras vozes são silenciadas, e elas não podem continuar nessa situação. São as vozes dissonantes, aquelas que expressariam o ponto de vista das classes hoje subalternas, que estão marginalizadas.
Para que tais vozes se expressem, precisam valer-se de meios de comunicação, a cujo acesso elas não têm acesso nos dias de hoje, salvo como benesse dos grandes meios. Isso inevitavelmente terá de ser discutido na elaboração de uma nova Lei de Imprensa, que só será possível, sobretudo diante do temor reverencial de boa parte do Congresso Nacional face à mídia dominante, se houver mobilização da sociedade e dos jornalistas de modo particular.
Uma outra comunicação é possível, mas só se tornará realidade se a sociedade, inclusive a parcela de esquerda da sociedade política, compreender que a luta pela democratização da mídia no Brasil é parte essencial do que chamamos revolução democrática. Sem essa compreensão, continuaremos reféns desse monocórdio discurso quase único do núcleo dominante de nossa mídia.
Referências
ALMEIDA, Beto. A Conferência Nacional de Comunicação e o fortalecimento das mídias públicas. Pátria Latina, postado em 6/7/2009.
CAVALCANTI FILHO, José Paulo. Por uma Lei de Imprensa. Folha de S. Paulo, 7/5/2009, p. 3.
LEAL FILHO, Laurindo Lalo. Diploma de Jornalismo: o Supremo errou, cabe consertar. Carta Maior, postado em 8/7/2009.
SOUZA, Hamilton Octavio de. É imprescindível nova Lei de Imprensa para proteger o cidadão e a comunicação. Entrevista ao Correio da Cidadania, feita por Gabriel Brito, 30/5/2009.
ZYLBERSZTAJN, Joana; TANGERINO, Davi de Paiva Costa. Liberdade de Imprensa e a não recepção constitucional da Lei 5.250/67. In Revista Jurídica Consulex – ano XIII – n. 297 – 31/5/2009, p. 37-39.
* Deputado Federal (PT/BA)
Publicado na revista Teoria e Debate (ano 22 – nº 83 – julho/agosto 2009)
Publicado no site da FENAJ em 17/08/2009
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Desabafo
Quero ser operada por um ministro do Supremo Tribunal Federal!
* Cláudia Sansil
O QUÊ? A queda do diploma para jornalista. QUANDO? 17 de junho. ONDE? No Supremo Tribunal Federal. QUEM? 8 dos 9 ministros do STF. COMO? Através de votação. E POR QUE? Deixo para os leitores responderem a última pergunta. Inverti, propositalmente, a ordem do que chamamos, na linguagem jornalística, de LEAD. Mas farei como um famoso sociólogo que, ocupando a cadeira mais importante do país, mandou jogar fora suas teorias (“marxistas”?)! Seguirei o exemplo: queimem! Esqueçam! De que servirá o arcabouço construído, em anos de estudos e pesquisas, a mim e aos alunos que ajudei a formar?
Há 40 anos, ele foi obrigatório. Próximo às festas juninas, derrubaram a exigência do diploma de jornalismo para exercer a profissão. Podemos estabelecer analogia com as fogueiras da Antiguidade? Quantas Joana Darc, pós-modernas, queimarão em praça pública?
Dirão os mais céticos tratar-se de uma medida que não mudará, inclusive com depoimentos de representantes das classes patronais, na contratação dos jornalistas. É como pensa Paulo Tonet Camargo da Associação Nacional dos Jornais. Em sua avaliação, as empresas permanecerão a contratar jornalistas formados. Por que defenderam a queda do diploma? No mínimo contraditório.
O ministro Gilmar Mendes defende a liberdade de expressão. E quem defenderá a nossa? O que dizer a toda uma família, que, muitas vezes, abdica da própria subsistência para bancar um curso a um dos seus entes? Quem se responsabilizará ou arcará com os prejuízos financeiros e psicológicos? O jornalista Clóvis Rossi é categórico ao afirmar não existir liberdade de Imprensa e sim de Empresa. E, agora, acaba de ser ampliada. Qual dos oligopólios da Comunicação vai preferir um jornalista formado, com visão crítica, a uma pessoa que possa “manipular”?
Quantos passos acadêmicos são necessários para formar um ministro do Supremo Tribunal? Não é diferente em nossa carreira. Vamos exigir o fim do diploma para advogados! Como alguém que nunca foi repórter comandará, por exemplo, uma redação? Os proprietários dos veículos ensinarão a editar? As técnicas de entrevistar? Agora, qualquer um, sem formação, poderá exercer a profissão de jornalista. Usurparam-nos!
Nessa perspectiva, vamos, portanto, fazer tratamento dentário com um jardineiro, uma lipoaspiração com um mecânico e encher o Supremo de bons cozinheiros para elaborarem leis e fazerem julgamentos acima de qualquer suspeita!
O presidente da FENAJ, Sérgio Murillo de Andrade, é contrário à medida e corroboro com sua opinião: “é um prejuízo histórico à categoria”. Os juros por essa dívida contraída serão sentidos em curto prazo pela nação brasileira.
Como li há pouco, vergonha é um freio social que nos permite a auto-avaliação e reflexão sobre nosso comportamento. Estou envergonhada pelos outros, pela medida e a votação de 8 a 1! Nunca pensei, mas preciso fazer um agradecimento público ao ministro Marco Aurélio de Mello, único a votar pela manutenção do diploma.
Estou reunindo um grupo de jornalistas, iremos fazer refeições no STF. Alguns podem se habilitar, mesmo sem diplomar na área, a cozinhar para nós. Podem, no entanto, nos oferecer misturas bem indigestas! Não teremos problema, pois se precisarmos de atendimento médico, até de uma cirurgia, teremos à nossa disposição 8 ministros do Supremo a postos para nos socorrer!
Às vezes, o cozinheiro se engasga com o alimento preparado por ele mesmo! Aos ministros do STF, como diriam os generais franceses, bon appetit!!!
* Jornalista Diplomada
Publicado no site da FENAJ em 17/08/2009
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Jornalismo como instrumento de democracia
Em defesa da obrigatoriedade do diploma de jornalista
* Brunna Duarte
Há muitos dias, ensaio uma forma de iniciar esse artigo. Há muitos dias, tento encontrar uma forma de expressar as diversas reações que determinada ação do Supremo Tribunal Federal (STF) provocaram em mim. Que papel assumir diante do impensável, do absurdo? Que dizer diante de tamanho retrocesso? Tanta reflexão se choca diante do lamentável fato: no Brasil, não há obrigatoriedade do diploma de jornalista para o exercício da profissão.
Acabo de ser aprovada para o último semestre do curso de jornalismo. Ainda estão bem claras em minha memória as noites mal dormidas, o cansaço, a alegria da superação, as amizades feitas, o encanto da troca de ideias com professores. A faculdade para mim abriu as portas para um mundo novo, de aprendizado, de crescimento pessoal, de descoberta de novos talentos. A faculdade para mim se tornou a realização de um sonho antigo, moldado ainda na adolescência, nas redações escolares. Na faculdade, aprendi o real significado de ser profissional; de se comprometer com uma atividade, estudando-a, desenvolvendo-a, apaixonando-se diariamente por cada detalhe, contribuindo.
Foi também na faculdade que tive a oportunidade de participar de eventos que me colocaram junto aos verdadeiros profissionais do jornalismo. Profissionais que se empenham pelas condições de trabalho dos jornalistas, que se preocupam com a qualidade de ensino do jornalismo, que têm consciência da dimensão dos estragos que podem ser causados pelo jornalismo nas mãos de pessoas descomprometidas e despreparadas.
Eu, que participei ativamente de eventos, manifestações e movimentações diversas da campanha em defesa da obrigatoriedade do diploma para o exercício do jornalismo; tive que me contentar com as piadas após a infeliz decisão do presidente do STF, Ministro Gilmar Mendes, no último dia 17/6. O aparente desconhecimento revelado na votação do Supremo se mostrou para mim como uma vergonhosa falta de respeito à categoria e à sociedade como um todo.
Não é preciso ser especialista para saber que a educação é o melhor caminho para o desenvolvimento de qualquer sociedade. Estimular o conhecimento é libertar, é curar, é oferecer condições de igualdade. O jornalismo, ainda que com muitas exceções, sempre se propôs como um instrumento de democracia. Democracia esta que se inviabiliza a partir do momento em que a formação é desvalorizada.
Ainda que as habilidades necessárias para o exercício do jornalismo não sejam exclusivamente aprendidas na faculdade, exigir o diploma é mostrar o caminho correto para quem deseja seguir qualquer profissão. A consciência da responsabilidade no exercício de uma função, seja ela qual for, se demonstra em primeira instância na busca por aprendizado.
Sob o pretexto de defender a liberdade de expressão, o STF calou a voz de milhares de jornalistas, professores e estudantes de jornalismo. Por um instante, a perplexidade tomou conta de todos. Por um instante, ficamos confusos e preocupados.
No entanto, cozinheiros ou jornalistas, os verdadeiros profissionais sabem a importância do conhecimento e do amor à profissão. “Receita” esta que os ministros parecem não conhecer. Além do mais, não teria escolhido o jornalismo como profissão, se não tivesse esperança que esse país ainda tem jeito e que o bom senso há de prevalecer. Sou sim a favor do diploma de jornalismo para o exercício da profissão, porque respeito os profissionais, estudantes e professores de jornalismo; e por que nenhuma decisão do STF pode mudar o compromisso que os verdadeiros jornalistas têm com a sociedade.
* Estudante do 8º período do curso de Jornalismo da Faculdade Araguaia, em Goiânia (GO).
Publicado no site da FENAJ em 11/08/2009
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Sem camuflagem
Associação Brasileira dos Jornalistas Sem Diploma: um bem ou um mal?
* Amadeu Mêmolo
A “Associação Brasileira de Jornalistas”, camuflando seu verdadeiro nome, nasce – o que é um mau início – de um tsunâmico equívoco jurídico, perpetrado (quem diria?) pela mais alta Corte do Poder Judiciário pátrio. No dia 17 de junho último, oito ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) conseguiram, entre eles, um feito inacreditável: entenderam e se convenceram de que exigir diploma superior em jornalismo, para que alguém possa trabalhar como jornalista, violaria não só a garantia constitucional da livre manifestação do pensamento, mas também – e principalmente – a da livre expressão de comunicação!
Suas excelências, com luvas de Box, deram “nó em pingo d’água” em alguns preceitos constitucionais, repetindo ad nauseam, na lamentável sessão do STF, que a manutenção da exigência do diploma impedia a liberdade de expressão! Segundo os “fundamentos” invocados pelo ministro-relator, nesse dia, se continuasse a obrigatoriedade do diploma para ser jornalista, nenhum brasileiro poderia mais desfrutar da liberdade de se expressar – exceto os jornalistas formados! Se ainda vivo, Barão de Itararé, famoso jornalista gaucho, explicaria ou desataria esse “nó” jurídico.
O ministro Gilmar Mendes, com seu voto, “revelou” para todo país o big-bang da liberdade de expressão. Restaria perguntar-lhe: e como era a imprensa brasileira antes desse seu big-bang ? Não se tinha liberdade de expressão? Os jornalistas formados no período da ditadura cerceavam a liberdade de expressão dos brasileiros? E os que se formaram depois, também? Esses oito ministros do STF que acabaram com o diploma de jornalista estariam fazendo o quê durante a memorável campanha das “Diretas Já”? Se o movimento “Diretas Já” não for um exemplo magno, impar, de plena liberdade de expressão, qual outro? E foi logo após esse big-bang libertário, “criado” pelo ministro-relator, que a tal de “ABJ” se fez. Tudo é tão estapafúrdio e misterioso que poderia até ser etiquetado como “além da imaginação”!
O Tribunal Regional Federal Cível da 3ª Região, tendo recepcionado os recursos da União, da FENAJ e do Sindicato dos Jornalistas paulistas, reformou a infeliz sentença de 1ª Instância, cassou a liminar e em seu acórdão determinou que se exigisse diploma de nível superior para o exercício da profissão de jornalista. O acórdão está mais que perfeito e teria bastado ao STF ratificar seus fundamentos. Em resumo, disse o juiz federal o seguinte: “(…). Contudo, com a devida vênia, não vislumbro incompatibilidades entre essa norma internacional e os direitos e garantias já assegurados em nossa Constituição Federal relacionados com a liberdade de manifestação do pensamento (art. 5º, IV), com a liberdade de expressão (art. 5º, IX), bem assim com a liberdade de informação (art. 220, § 1º), as quais, repito, não se confundem com liberdade de profissão”.
A suprema decisão que acabou com o diploma foi a “parteira” dessa entidade espúria que, enganando a opinião pública, omite seu nome completo: Associação Brasileira de Jornalistas Sem Diploma. Entretanto, o surgimento dessa associação dos “sem diploma” desperta – o que é um bom indício – reações variadas não só entre jornalistas profissionais veteranos (do período pré-diploma), mas também entre os recém-formados e a própria sociedade, representada por suas entidades mais expressivas, inclusive a própria Câmara dos Deputados. Parece que nem o ministro Gilmar Mendes havia estimado uma reação contra seu voto tão expressiva!
A Constituição Federal brasileira, no seu art. 5º, garante, sem distinções, que todos somos iguais perante a lei. Dentre os famosos incisos desse comando fundamental de nossa Constituição, alguns merecem destaque diante do problema gestado e parido por aquela senhora de olhos vendados e espada na mão, sempre sentada à frente do prédio do STF, em Brasília:
o inciso IV diz que é livre a manifestação do pensamento;
o inciso VI garante que a liberdade de consciência é inviolável;
o inciso IX afirma que é livre a expressão de comunicação;
o inciso XVII assegura a plena liberdade de associação, para fins lícitos;
o inciso XX impede a obrigação de se associar ou de ficar associado.
Qualquer associação brasileira encontra guarida constitucional no décimo sétimo inciso de seu art. 5º. Uma simples pesquisa na internet sob o título “associação de jornalistas” ou “jornalistas associação” vai surpreender pela quantidade e diversidade de entidades de jornalistas profissionais existentes no Brasil. Temos a famosa Associação Brasileira de Imprensa (ABI), tem associação de jornalistas de turismo, jornalistas filatélicos, cronistas esportivos etc, além da Associação Paulista de Imprensa (API). E agora tem mais essa tal de Associação Brasileira dos Jornalistas Sem Diploma ou apenas ABJSD!
O nome “reduzido” adotado por essa entidade – “ABJ” – é prova explícita da falta de coragem intelectual e honestidade de propósitos da liderança desse tal de “Movimento em Defesa dos Jornalistas Sem Diploma” (MDJSD). Essa mais nova e abjeta entidade deveria ser nominada por todos como: Associação Brasileira dos Jornalistas Sem Diploma, já que outro não é seu verdadeiro nome. Não é exatamente isso que eles se propõem? A ideia não é reunir em uma associação lícita as pessoas que, sem diploma, queiram ser “jornalistas”? Nada impede que eles tenham sua própria associação, mas que reúnam coragem suficiente para completar o nome da entidade ou estariam envergonhados por não serem o que gostariam de ser?
Para mim, a secular e combativa ABI é a mais representativa associação brasileira de jornalistas, sejam eles veteranos da velha guarda ou jornalistas diplomados.
Quanto ao fato dos membros do MDJSD estarem alegando “discriminação” (de que tipo?) por parte da FENAJ, é preciso entender – e para estas pessoas parece que isto é muito “complicado” – que a Federação Nacional de Jornalistas, pelo art. 562 da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), é uma organização reconhecida pelo ordenamento legal pátrio como entidade sindical de grau superior. Portanto, instituída sob a égide da Constituição Republicana e obediente às normas da CLT. Sendo assim, a FENAJ não pode, em razão de normas legais, tratar de assuntos ou questões que não lhe digam respeito – ela mesma, inclusive, tem um estatuto que norteia e regra seus atos! Na minha opinião, eu acho que os membros desse tal de MDJSD não estariam sendo “discriminados” pela FENAJ, mas estariam, isto sim, sendo, por força de lei, ignorados por uma entidade sindical de grau superior! E não poderia ser diferente!
Considerando agora a hipótese de um cenário (absurdo) onde pudessem existir sindicatos e federações para jornalistas diplomados e jornalistas sem diploma, a resposta firme e inquestionável está na Constituição Federal e no próprio “Código Trabalhista” brasileiro. A nossa Carta Magna diz, em seu art. 8º, inciso II, que “é livre a associação profissional ou sindical, observado o seguinte: é vedada a criação de mais de uma organização sindical, em qualquer grau, representativa de categoria profissional ou econômica, na mesma base territorial, (…), não podendo ser inferior à área de um Município”. Na CLT, no capítulo dedicado à instituição sindical, o art. 516 determina que “não será reconhecido mais de um sindicato representativo da mesma categoria econômica ou profissional, ou profissão liberal, em uma dada base territorial”.
O que esses comandos legais estão dizendo? Que o jornalista veterano, o jornalista com diploma superior em jornalismo e até o jornalista sem diploma em jornalismo, todos, integram uma mesma categoria profissional: a de jornalistas, como profissão. Assim sendo, no estado de São Paulo, base territorial do Sindicato dos Jornalistas Profissionais no Estado de São Paulo, não poderá haver outro sindicato que represente os jornalistas profissionais que trabalham em solo paulista – sejam eles veteranos; tenham os mais moços diploma ou não de jornalista.
O mesmo tem que ser entendido em relação à FENAJ. A diferença é que sua base territorial é aquela formada por todos os estados brasileiros.
Concluindo, os sindicatos brasileiros de jornalistas profissionais e a FENAJ não devem, sob a égide de normas legais e estatutárias, perder tempo em “bater boca” com os membros desse tal de MDJSD. Os sindicatos de jornalistas profissionais e a nossa Federação não terão nada a ganhar ou perder com a possível sobrevivência dessa associação dos “sem diploma”. Na realidade, é a tal de ABJSD quem poderá perder ou ganhar se não se preocupar em cumprir com o que se propôs no seu estatuto social; só assim ela conseguirá manter a contribuição mensal de seus fundadores e poderá arregimentar novos “sem diploma”. Essa associação dos “sem diploma” é “filha” de um movimento dos “sem diploma” e, como alguém já disse, ela tem até “padrinho” (ou “patrono”?) importante garantido, mas também sem diploma de … jornalista.
* Presidente da Associação dos Jornalistas Profissionais Aposentados no Estado de São Paulo
Publicado no site da FENAJ em 11/08/2009
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Mudanças paradigmáticas
Nossos “ghetos”: o jornalismo
* Aylê-Salassié
Vejo, de imediato, que o jornalismo tem, como a maioria das áreas do conhecimento, competências específicas. Para aprendê-las passa-se quatro anos na Universidade; para exercê-las, com sabedoria, precisa-se de, pelo menos, mais quatro em atividade. A universalidade requerida para o seu exercício mantém, contudo, em aberto, um espaço exógeno, onde se cruzam diversas áreas e campos do conhecimento, induzindo o entendimento de que qualquer profissional, com qualquer tipo de formação, pode exercê-la. Esse quadro tende a se agravar, ao situá-lo dentro do campo da Comunicação. A vulnerabilidade da profissão multiplica-se indefinidamente.
Poucos se dispõem a entender que o relacionamento do jornalismo com outras áreas constitui-se apenas numa interface, recurso de complementariedade, que sempre se buscou de maneira diligente e zelosa: devemos estudar Filosofia? História? Sociologia? Economia? Política? Estatística? Enfim, esse enorme fardo de erudição, do qual todos fogem, agregado a inexperiência de vida termina por remeter à superficialidade a formação atual do jornalista. Assim, a profissão está sempre submetida ao risco da descaracterização, quando reposicionada no campo da comunicação pelas análises epistemológicas. Ignora-se que se trata de uma área de trabalho configurada e consolidada historicamente, cuja essência reflete a figura construída por Marx, quando fala da relação do homem com seu instrumento de trabalho. Segundo ele, “é o martelo que se adapta à mão do trabalhador”, e não o contrário, ou seja, a ferramenta reconhece o sujeito. Observa-se, contudo, que a profissão vem sendo tratada, de fato, ao contrário por essas centenas de cursos de Comunicação e, quiçá, de Jornalismo. Mercantilizados, roubam gradualmente dos vocacionados, na deficiência e nos desvios pedagógicos conceituais, parcela da essência da mais valia do trabalho.
Não podemos ser vistos como um banco de empregos para profissionais ou profissões que ainda não se encontraram no seu próprio campo de estudos e que confundem o papel complementar do conhecimento, mesmo que aceito como multidisciplinar, com a convergência profissional de uma experiência histórica globalizante. Os elementos de análise são outros, e os analistas devem ser os próprios sujeitos. Não se desconhece que a profissão de jornalista está, de fato, passando por uma grande transformação na sua concepção, nas suas práticas e nas suas ferramentas. São mudanças paradigmáticas que exigem qualificações muito mais sofisticadas e polivalentes. A mídia está a postos acompanhando essa quase ruptura – observe-se “quase”, porque há ainda muitos obstáculos a serem superados – que ocorre na área, e que, supostamente, abre espaços para outros se aproximarem dela ou para que busquemos naturalmente aportes em outros campos do conhecimento. Falta ainda muita clareza.
Walter Isaacson – espero não estar enganado – ex-editor da revista Time, chamou de “{…}erro histórico envolver o Jornalismo no campo da Comunicação ¨{…}, porque a atividade apresenta características bastante pontuais, amarradas em técnicas, tecnologias, motivações e capacidade de compreensão e análise do comportamento humano em sociedade, que convergem para o seu perfil universalista, configurando-o na sua especificidade profissional. Essa suposta verdade induz à pergunta se devíamos separar então o Jornalismo da Comunicação? Ora, a Comunicação tem uma amplitude, que sobrepassa o jornalismo e que, por isso mesmo, quase o defenestra ou o corrompe. O que parece faltar é uma definição mais clara do campo da Comunicação . Não existe este problema na área do jornalismo. As confusões sobre a profissão vem de aportes externos e alienígenas, que dentro de um curso de Comunicação pesam sobre a formação do jornalista. É preciso resolver essa pendência, que caminha em direção a uma pendenga, que reduz o jornalismo a um simples pilar, quando ele se posiciona social e metaforicamente como um suposto “Quarto” ou “Quinto” Poder ou, sobretudo, como instrumento de educação informal.
Não sou corporativista, mas se todos praticam o corporativismo, e o pior, o fisiologismo profissional, então porque vamos nos abrir inconsequentemente para o mundo. Nenhuma profissão deixa livre o seu caminho para os jornalistas. Não temos o privilégio dos advogados de, ao redigir a lei, estender para si as competências de outras áreas. As mudanças nas leis do jornalismo que, em realidade, estão mal dimensionadas, são reivindicações de pessoas fora do jornalismo – porque o jornalista sabe exatamente a dimensão e as fronteiras do seu trabalho – ou de interesses corporativos estranhos, particulares e empresariais que não coincidem com o compromisso público da profissão. O exercício do jornalismo não se faz com diploma ou leis espúrias.
Nós, professores, não devemos encerrar também a nossa preocupação com os alunos, a partir do momento em que eles recebem o seu diploma. Acompanhamos, algumas vezes de perto outras de mais longe, a sua trajetória, e deveríamos estar todo o tempo à disposição para ajudá-los dentro das nossas competências específicas e apoiá-los a se instalar profissionalmente para que eles, inspirados na filosofia da Comunicação – se é que existe – não desvirtuem a sua própria formação, e os cursos visualizem o cumprimento do seu compromisso social e público. Portanto, temos também uma responsabilidade inesgotável, com aqueles que, como dizia Saint Exupèry,“Tu te tornas eternamente responsável por aquele que cativas”, ou diria ainda, por aqueles que nos cativam também. Nossos estudantes de jornalismo e colegas profissionais demandam por seu espaço, por um posicionamento enquanto sujeitos, no mercado, ou na sociedade. Cabe a nós orientá-los e protegê-los de maneira solidária.
Não podemos esquecer ainda que liberdade de expressão é um direito humano e que, enquanto prática social organicamente dimensionada, cumpre, sobretudo, um papel pedagógico. Ignorar isso seria repetir a omissão dos sacerdotes em Jerusalém diante do comércio que se instalou na entrada do templo. Não sou contrário às estratégias de fortalecimento e coesão social. Mas o jornalismo, enquanto expressão pedagógica em si, precisa ter uma formação mais compatível com a sua própria e estrita – que é grande – responsabilidade dentro da divisão social do trabalho, participando intensamente da vida comunitária. Só assim sobreviverá. Temos de nos preparar, entretanto, para o fim do corporativismo, mas devemos fazê-lo, se de fato todos seguirem pelo mesmo caminho. As demandas sociais, as tecnologias disponíveis, indicarão as competências intrínsecas ou para uma nova inserção social, ainda não amadurecida. Dos reformadores exige-se, por isso, bom senso. É delicado e perigoso ver a sociedade a partir dos “ghetos” que habitamos, às vezes fechados em nós mesmos. Espero que o nosso seja apenas um espaço físico dimensionado abstratamente, e não nos envolva cognitiva e etnocentricamente.
Devemos ser ainda realistas ante as ameaças ao jornalismo convencional a partir das bases da sociedade do conhecimento. O jornalismo se apropriou privadamente do “fato” (que ele chama ou não de “jornalístico”, segundo visões individualizadas muitas vezes também estereotipadas), transformando-o numa agenda social (Agenda setting), que contempla a conservação das estruturas dadas. Longe dessa possibilidade de fazer história, os cidadãos vão, entretanto, se apropriando aos poucos da vida social, por meio das novas tecnologias, e começam a tomar a iniciativa de registrar, de forma ampliada, multimídia (smartfone), o “fato” que protagonizam. Não podemos ter eternamente o monopólio da realidade, e não somos os únicos a produzir sentidos. Para produzi-los profissionalmente, necessitamos competência, que não se manifesta apenas no escrever, no falar ou no ornamentar – às vezes de expressão muito particular – a mensagem. Precisa-se de criatividade, competência, conhecimento e consciência clara para não repetir os erros do passado ou saber usar a plataforma da História, da Arte ou da Tecnologia para construir o futuro.
Temos, ainda, de nos mostrar cuidadosos diante das rupturas paradigmáticas, porque, somos humanos e o papel que nos cabe na produção social de sentidos é preservar a humanidade do homem, cujo individualismo e o narcisismo pós-modernizante podem tornar a convivência difícil, fazendo–nos retornar as “hordas” originais ou ao mundo hobbesiano do homem como “lobo do próprio homem”. Os paradigmas estimulam soluções novas, mas também podem funcionar como armadilhas. Seu mérito é nos empurrar para o desconhecido. Não precisamos de garantias para promover mudanças, mas também não podemos esquecer que temos uma missão a cumprir; somos parte do interesse público, que nem sempre reflete o dominante.
Se observarmos com atenção, no site da Federação dos Jornalistas (FENAJ) existem muitas propostas de alterações e ajustes na profissão, conduzidas por projetos de Lei em tramitação no Congresso Nacional: alguns encerram-nos dentro do campo da comunicação, outras nos redefinem dentro do nosso próprio espaço, e a mais polêmica, no momento, é a que estende a possibilidade do exercício das atividades jornalísticas a outras áreas profissionais. Devíamos ter um canal de acompanhamento dessas mudanças, para não deixar a responsabilidade apenas para as organizações sindicais, que passaram a pensar a profissão ideologicamente. Cabe a nós participar dessas discussões externas, juntos ou não com as representações corporativas, para que possamos, internamente, também nos posicionar como sujeitos nas mudanças previstas, e não apenas embarcarmos nas visões individuais ou correntes politizadas de significação, conduzidas por um ou outro eventual. Reflitamos parafrasticamente: se pensamos, e produzimos responsavelmente sentidos, logo existimos como jornalistas ou como educadores.
Last, but not least
O diploma formal apenas nos institucionaliza dentro da divisão social do trabalho, não significando obrigatoriamente, pelas características que envolvem hoje nossos cursos de graduação, que estamos, portanto, totalmente prontos para assumir qualquer responsabilidade em nossa área de formação. Várias profissões exigem formações complementares.
Entretanto, faz diferença sermos ou não vocacionados ou identificados com as propostas do jornalismo (ou da publicidade). De uma perspectiva segura como essa, não há porque temer a ingerência de “leigos” na área. Receosos devemos ficar, sim, com as interpretações falaciosas sobre a profissão no enorme campo onde se localizam aqueles que desconhecem as competências necessárias do jornalista para que essas pessoas possam ter acesso aos chamados produtos da mídia, e assim formar opinião sobre a vida social.
Pior ainda é quando essas mesmas pessoas tentam julgar a competência e o papel dos jornalistas. Não é tão óbvio, como pensam os ministros dos tribunais superiores, ter em mãos diariamente os produtos de mídia. Importante ou não acessá-los – é problema de cada um -, a mídia proporciona, contudo, aos intérpretes da lei aquela postura cobrada do presidente do STF, Gilmar Mendes, pelo ministro Joaquim Barbosa: É preciso sair às ruas, sr. Presidente. Ora, os jornais trazem as ruas para dentro das instituições. O problema é que, cientes e vaidosos da sua autonomia, dentro das instituições ninguém lê jornal. Lê, no máximo, clippings (resumos especializados), somente o que interessa: o resto tem cheiro de povo, ou como dizia o ex-presidente Figueredo, … cheiro de cavalo. Na relação do Judiciário, especificamente, como o povo, perde o sentido a paráfrase de que “…se os ministros não vão ao povo, o povo vai aos ministros”. Por isso, para os ministros do Judiciário, cercados de liturgia, salários e mordomias que cegam e os distanciam muito do cidadão médio, recomendaria: Srs. Ministros, é preciso ler os jornais.
Mas, também, é preciso lembrar que, ao banalizar a profissão de jornalista, cuja função, exercida com responsabilidade e competência técnica específica, tem sido a de aproximar a população do Estado e manter coesos os laços sociais, v. excias demonstram uma elevada insensibilidade com o processo e a divisão social do trabalho, que se resolvem por si, e não com a interferências de v. excias, que, sem contato com o povo nas ruas pouco ou nada têm para ensinar não apenas para a sociedade em transformação, mas sobretudo para os jornalistas que a ajudam a se transformar. Para a Ordem dos Advogados, o Supremo errou ao suspender a obrigatoriedade do diploma de jornalismo. Errando ou não, está dito. Cabe a nós reescrever a profissão pelo não dito, que, na realidade, só nós profissionais do ramo conhecemos.
* Professor de Jornalismo Político e Econômico do curso de Comunicação Social da Universidade Católica de Brasília
Publicado no site da FENAJ em 11/08/2009
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STF, Profissão e Diploma
O tamanho do estrago
* Alberto Dines
A “aula” do ministro Marco Aurélio Mello – veiculada na última edição televisiva do Observatório da Imprensa – sobre as duas recentes decisões do Supremo Tribunal Federal relacionadas com o exercício do jornalismo, entre outros méritos mostrou o grau de manipulação do noticiário pela grande mídia.
No lugar de tornar o processo jornalístico mais claro, mais compreensível e mais eficaz, as duas decisões – fim da Lei de Imprensa e da obrigatoriedade do diploma de jornalismo para o exercício da profissão – estabeleceram uma tremenda confusão. A pretexto de restabelecer a normalidade democrática foram criados dois vácuos legais, rigorosamente injustificados, com enorme prejuízo para a magistratura que fica sem referências para a tomada de decisões e, principalmente, para a sociedade empurrada a um perigoso ceticismo no tocante à racionalidade da nossa Suprema Corte.
Se os juízes iludiram-se, o problema é de Suas Excelências, mas se à cidadania não foram oferecidas as informações necessárias para avaliar a exata dimensão do que foi decidido pelo egrégio colegiado, a falha é da imprensa que, assim, abdica do seu papel institucional e desabilita-se como guardiã do interesse público.
Confusão simplista
Acontece que a imprensa (hoje chamada de indústria jornalística) era parte interessada nos dois casos. Não apareceu formalmente na proposta de extinção da Lei de Imprensa, mas estimulou, criou o clima, deu total cobertura ao autor da ação, o deputado Miro Teixeira (PDT-RJ).
No caso do fim da obrigatoriedade do diploma para o exercício do jornalismo, a indústria jornalística foi parte, atuou direta e ostensivamente através de uma de suas entidades corporativas (o Sindicato de Empresas da Rádio e Televisão do Estado de São Paulo – SERTESP). Agora, quando começa a ficar visível o tamanho do estrago produzido pela afoiteza da maioria dos ministros do STF, as empresas de comunicação engavetam qualquer tipo de reflexão sobre o ocorrido. Aquele resultado de 8 votos a 1 é irreversível – ninguém discute – mas além de um placar conviria rever os principais lances daquela desgraçada partida.
O voto do relator da matéria, ministro Gilmar Mendes, atual presidente do STF, deveria ser exposto, traduzido e discutido em detalhes. Uma imprensa evoluída e qualificada não admitiria que este lance histórico permanecesse envolto em suspeitas e dúvidas.
O Meritíssimo partiu de uma premissa errada ao endossar a tese de que a exigência do diploma para o exercício do jornalismo constitui um entrave à liberdade de expressão. Entusiasmado com a sua cruzada libertária, acabou com a profissão de jornalista no Brasil. Passou ao largo de diversos estatutos que sequer estavam mencionados na questão e passou uma borracha num pedaço da história política do país. Na realidade, fez tabelinha com a grande imprensa que em 2008 decretou a inexistência da história do jornalismo brasileiro. Agora, somos meros mestres cucas: quando nos for exigida uma qualificação profissional, basta escrever “sem ofício conhecido”.
O enorme saber jurídico do relator-presidente do STF não o animou a estudar os antecedentes históricos do caso que o Estado colocara em suas mãos: ignorou que no Senado romano já existiam jornalistas (diurnarii ou actuarii, redatores das Actae Diurnae), ignorou a designação de “redatores das folhas públicas” consignada por Hipólito da Costa em junho de 1808 e, como grande apreciador da cultura alemã, ignorou que em Leipzig, 1690, um teólogo de nome Tobias Paucer apresentou uma tese de doutoramento, De relationibus novellis – O Relato Jornalístico – comprovando a sua especificidade e suas diferenças com outros gêneros narrativos. Segundo Paucer, a publicação de notícias (novellae) tem uma técnica e uma ética próprias.
Antes de determinar a extinção da profissão de jornalista confundindo-a simplisticamente com a questão do diploma, o ministro Gilmar Mendes deveria ter estudado a questão com mais cuidado e profundidade. Para inteirar-se a respeito de Paucer, bastaria mandar comprar o recém-publicado Ética, Jornalismo e Nova Mídia, de autoria do jornalista, crítico e professor Caio Túlio Costa (Zahar, 2009, págs. 41-46), de onde essas informações foram extraídas.
Acusações contra o establishment
De nada adianta aquela formidável exibição de malabarismo jurídico nas 91 páginas do seu parecer, se o ministro Mendes não conseguiu compreender duas questões comezinhas e cruciais:
1. O fim da obrigatoriedade do diploma de jornalista para o exercício profissional é apenas um aspecto da questão. A especificidade da profissão de jornalista é outra. O ministro Gilmar Mendes sabe que as grandes empresas jornalísticas mantêm há décadas cursos de aperfeiçoamento para formandos de jornalismo. Viu neles apenas uma prova da deficiência acadêmica, não conseguiu enxergar neste mesmo fato a demonstração cabal de que a própria indústria reconhece a especificidade do conhecimento para o exercício do jornalismo.
2. Ao aceitar a ação proposta pelo Ministério Público Federal e o SERTESP, o ministro Mendes caiu na armadilha armada pelo seu vasto arsenal de conhecimentos. No final da argumentação [o formato da íntegra fornecida pelo STF não permite a numeração das páginas], faz pesada carga contra as empresas de comunicação:
“No Estado democrático de Direito, a proteção da liberdade de imprensa também leva em conta a proteção contra a própria imprensa”.
Ora, se a imprensa está envolta em suspeições por que razão Sua Excelência endossa as teses de uma corporação empresarial ainda mais suspeita?
Como a sua fonte é portuguesa (ANDRADE, Manuel da Costa, Liberdade de Imprensa e inviolabilidade pessoal: uma perspectiva jurídico-criminal, Coimbra Editora, 1996, pág. 63), o ministro Mendes designa acertamente a mídia como os media e tasca as seguintes acusações contra o establishment jornalístico:
** “…hoje não são tanto os media que têm de defender a sua posição contra o Estado, mas, inversamente, é o Estado que tem de acautelar-se para não ser cercado, isto é, manipulado pelos media…”
** “…os meios de comunicação de massa já não são expressão da liberdade e autonomia individual dos cidadãos, antes relevam dos interesses comerciais ou ideológicos de grandes organizações empresariais, institucionais ou de grupos de interesse.”
** “…o exercício da atividade jornalística está invariavelmente associado à mobilização de recursos e investimentos de peso considerável. O que, se por um lado resulta em ganhos indisfarçáveis de poder, redunda ao mesmo tempo na submissão a uma lógica orientada para valores de racionalidade econômica.”
Os dispensáveis
Como explicar tamanha contradição? Como conciliar este arrasador ataque aos grandes grupos de comunicação com o generoso acolhimento dos argumentos propostos por um sindicato de empresas do ramo beneficiadas por concessões públicas e notoriamente desatentas aos seus compromissos sociais?
Esquizofrenia ideológica, exercício de retórica jurídica ou a certeza de que este relatório jamais seria publicado na íntegra em veículos de grande tiragem? Qualquer que seja a explicação – certamente haverá outras menos drásticas – flagrou-se a precariedade do processo decisório vigente nesta República.
O fim da exigência do diploma era uma fixação do empresariado jornalístico, obsessão alimentada pela má consciência do patronato durante os 21 anos de regime militar. Em 1985, ao invés da purgação saneadora, a exacerbação dos piores instintos acaba por extinguir a própria profissão de jornalista.
A indústria e os industriais do jornalismo finalmente desfizeram-se dos industriários. Com o twitter são perfeitamente dispensáveis. Como diz José Saramago, com o twitter nos encaminhamos decisivamente para o grunhido. E o STF oferece o suporte legal.
* Jornalista, editor do Observatório da Imprensa
Publicado no Observatório da Imprensa em 28/7/2009
Publicado no site da FENAJ em 04/08/2009
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Demonstração de Desconhecimento
Jornalista, cozinheiro ou jagunço? – eis a questão
* Trajano Jardim
O Supremo Tribunal Federal decidiu, em 17 de junho, que, para o exercício da profissão de jornalista, não é obrigatório o diploma universitário. Com essa resolução, qualquer pessoa poderá exercer o jornalismo, mesmo que tenha apenas curso primário. Pior ainda – as empresas poderão contratar, para cargos como o de repórter ou editor, os seus apadrinhados, compadres, protegidos políticos, independentemente do preparo da pessoa para a responsabilidade dessas funções.
Os votos proferidos pelos iluminados senhores da Suprema Corte são uma demonstração de desconhecimento total acerca da profissão de jornalista e do que seja liberdade de expressão. A liberdade de expressão é exercida pelos detentores do oligopólio da mídia, em todos os seus cruzamentos ilegais. O exercício da profissão de jornalista é um direito inalienável daqueles que têm a formação acadêmica para exercê-la, tal qual o senhor Gilmar Mendes e seus companheiros de magistratura, que só podem exercer a advocacia se tiverem formação específica.
A regulação da profissão, ao contrário do que argumentaram os Excelentíssimos Senhores iluminados ministros da Suprema Corte, nunca foi obstáculo a qualquer pessoa, nem mesmo pseudo-literatos que se arvoram em escritores de coluna de jornal. A prova disso é que 90% do conteúdo jornalístico, nos meios de informação, não são elaborados por profissionais do ramo. O questionamento que se apresenta é sobre os profissionais que produzem a notícia.
O que as entidades discutem e defendem é que, para exercer a profissão de jornalista, o indivíduo tenha formação teórica e prática. Teoria que dê, ao profissional, conhecimentos básicos de filosofia, sociologia e ética, além de uma visão humanista do mundo e do meio em que ele vive; prática das técnicas de redação jornalística, de reportagem e de entrevista; princípios de responsabilidade social, compromisso com a verdade, respeito à fonte, compreensão de cidadania e independência de opinião. Todos esses pressupostos são básicos e o jornalista, da mesma forma que o advogado, o médico e outros profissionais, só os consegue no curso de formação.
A decisão do STF revelou o caráter de classe da Justiça brasileira. Não acreditamos que esses senhores, detentores de diploma, que se auto-intitulam cientistas do Direito, donos da verdade e possuidores do conhecimento iluminado dos deuses do Olimpo, confundam liberdade de expressão com direito do exercício da profissão.
Tem razão o senhor Gilmar, relator do processo, na sua afirmação de que o diploma não evitaria danos a terceiros. Da mesma forma, o diploma não livra a sociedade de advogados e juízes que se vendem ao poder econômico. Mas ele se equivoca ao dizer, no seu inusitado voto, que “as notícias inverídicas são grave desvio da conduta e problemas éticos que não encontram solução na formação em curso superior do profissional”. Se assim pensa o magistrado, ele advoga o determinismo na conduta do indivíduo e nega o papel da família e da escola na formação do sujeito.
Mendes lembrou que o Decreto-lei 972/69, que regulamenta a profissão, foi instituído no regime militar e tinha clara finalidade de afastar, do jornalismo, intelectuais contrários ao regime. Isso não passa de um subterfúgio de quem descende de latifundiários e jagunços que, no seu conjunto como classe, formou a argamassa social que legitimou o golpe militar de 1964. A ditadura afastou, perseguiu e assassinou profissionais jornalistas que se colocaram em defesa da democracia e contra o arbítrio, como Herzog, Bomfim e tantos outros.
Sete ministros acompanharam o voto do relator, descambaram para a posição subserviente do presidente do STF aos barões da mídia. O relator Mendes nunca negou sua aversão aos jornalistas e órgãos da imprensa independentes. Estes, que têm desnudado as práticas lesivas, à sociedade, do senhor Mendes e sua família, tanto do ponto de vista jurídico quanto do cidadão Gilmar, nas suas escaladas pelo Mato Grosso. Nesse sentido, o que disse Lalo Leal, em artigo publicado na Carta Maior (9/7), tem fundamento: os nobres julgadores “mostraram em seus votos desconhecer a matéria em julgamento”.
Com resquícios de preconceito, Gilmar Mendes diz, em seu voto, que a formação em jornalismo é importante para o preparo técnico dos profissionais e deve continuar, nos moldes de cursos como o de culinária, moda ou costura, nos quais o diploma não é requisito básico para o exercício da profissão.
Mais uma vez, o ministro erra de forma deliberada. A formação de jornalista requer que o aluno passe por cerca de 200 princípios curriculares – filosóficos, sociológicos, éticos, morais, antropológicos e técnicos. Vale perguntar, sem qualquer desmerecimento, se, no curso do senhor Gilmar Mendes, na escola de Direito de sua propriedade, o aluno tem essa gama de estudo.
Nesse festival de hipocrisia a que assistimos por força do diploma e das nossas entidades de classe, pudemos sentir de perto o caráter de classe da Justiça brasileira. Esse caráter de classe está inserido em cada voto dos senhores ministros, haja vista a comparação feita, pelo relator, em relação à profissão de jornalista e a outras, justamente aquelas que agregam, em sua maioria, o estrato da sociedade formado pelas camadas mais populares.
Temos o maior respeito por todas as profissões. Cada uma delas é importante no contexto produtivo e de crescimento do nosso país, quando exercida com ética e respeito pelo outro e suas diversidades. Diferentemente do senhor Gilmar Mendes, que, com as benesses do dinheiro público, pode, até mesmo, levar a esposa para comprar cosméticos numa linda manhã de sol de domingo usando a estrutura do Estado – carro oficial, seguranças e outros quejandos.
Perdemos uma batalha, mas não perdemos a guerra. Sabemos combater o bom combate. Embora a grande mídia só abra espaço para os que são contra a obrigatoriedade do diploma (só o Jânio de Freitas teve espaço), não vamos ensarilhar nossas armas. Apesar de insistirem, as ideias plutocratas irão para o monturo das excrescências da lata do lixo. Seremos sempre jornalistas, cozinheiros, marceneiros, psicólogos, operários, nunca jagunços.
* Jornalista e professor
Publicado no site da FENAJ em 04/08/2009
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Nada Branda
A Folha faz cada editorial …
* Aziz Filho
Nas mesmas páginas em que carinhosamente chamou de ditabranda o feroz regime dos anos 60 e 70 no Brasil, a Folha de S. Paulo defendeu em editorial o fechamento da TV Brasil. Sustenta o jornal paulistano que, por consumir dinheiro público e ter audiência baixa, a TV deveria ser fechada. É natural que os oligopólios não se simpatizem com a ideia de o Brasil seguir os países ricos e democráticos, que há décadas mantêm redes públicas para que a informação circule livre dos interesses empresariais. Mas em qualquer lugar o que se espera de um jornal, mesmo daqueles que reduzem o cidadão à dimensão de consumidor, é respeito a quem o lê. O conceito parece subjetivo ou flexível, como o de ética. Inflexível deve ser a expectativa do leitor de que seu jornal não minta. Nem esconda verdades, o que dá no mesmo. Dizer que a TV Brasil tem baixa audiência é correto. Surrupiar do leitor o contexto da notícia é que denuncia a intenção de transformar interesses pessoais em coletivos. Como, aliás, sempre fez a Folha ao atacar a exigência da qualificação acadêmica para jornalistas.
A TV Brasil tem pouco mais de um ano. Por ser pública, difere dos veículos que comercializam seu conteúdo – com ou sem nota fiscal. Pelo compromisso visceral com o cidadão e transparência irrenunciável de suas contas, uma empresa pública não pode contratar ou demitir ao prazer de seus gerentes, seguir apenas as leis que forem de sua conveniência ou ultrapassar limites de velocidade na compra de equipamentos ou serviços. Os controles, rigorosos, são e devem ser muitos, incluindo, evidentemente, a imprensa.
A TV Brasil é a primeira tentativa de se criar no país uma rede nacional e pública de comunicação, desvinculada de poderes comerciais ou provincianos. Estará montada quando concluir o árduo processo de reunir emissoras não comerciais nos 27 cantos da federação e consolidar a idéia de que o investimento na informação pública de qualidade tem retorno garantido – não para poucos, mas para todos.
Não se faz algo desse tamanho em tão pouco tempo. Ainda mais onde o conceito de informação pública foi deturpado por décadas de autoritarismo e governos não-republicanos. Esse obscurantismo nada brando enfraqueceu os meios públicos de comunicação, acorrentando-os e sucateando seus equipamentos. O investimento atual, além de recuperar um patrimônio nacional, abre às comunidades e à produção audiovisual independente um canal de valorização e respeito.
É louvável o debate sobre os erros e descaminhos na construção de uma TV que, por decisão do Congresso, representante do povo, é financiada por dinheiro público. O debate deve continuar a ser feito. Mas não parece ser essa a intenção da Folha. Tampouco convence a preocupação cívica do diário com os gastos públicos. Para seguir a vocação de produzir polêmicas sem compromisso com a responsabilidade, bem que a Folha poderia lançar uma campanha contra anúncios de órgãos públicos em jornais que visam o lucro. O governo pouparia mais para combater a gripe do que se fechasse a única TV pública de âmbito nacional que o maior país da América Latina começa a construir, com o esforço de profissionais qualificados que a Folha desrespeitou em seu editorial. Aliás, a Folha faz cada uma nesse editorial …
* Jornalista
Resposta ao editorial “TV que não pega”, da Folha de São Paulo de 31/7/2009
Publicado no site da FENAJ em 04/08/2009
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Desconhecimento da Matéria
O Supremo errou, cabe consertar
*Laurindo Lalo Leal Filho
O Supremo Tribunal Federal cometeu um grave erro ao acabar com a exigência do diploma para o exercício profissional do jornalismo. Como guardião da Constituição brasileira, o STF entendeu que uma de suas cláusulas – a que garante a livre manifestação de pensamento – estaria sendo violada pela lei que regulamentou a profissão de jornalista.
Os ministros que votaram contra a exigência do diploma, sob a alegação de cerceamento da liberdade, erraram. Seguiram um relator subserviente à grande mídia, certo de que esta retribuiria o seu favor, o que aliás já vem acontecendo. Mostraram em seus votos desconhecer a matéria em julgamento. Nunca houve, nos mais de quarenta anos de vigência da lei, qualquer violação da liberdade que tivesse sido decorrente de sua aplicação. Houve sim censura prévia durante a ditadura e censura empresarial depois dela, fatos sem nenhuma relação com a exigência do diploma.
Os nobres julgadores parecem não ler jornais, ouvir rádio ou ver televisão. Neles, todos os dias opinam profissionais de todas as áreas sem nenhum obstáculo. Portanto, a exigência do diploma não fere a Constituição e esta deveria ser a singela resposta do Supremo aos autores da ação, não por acaso entidades patronais do setor.
O que a lei derrubada garantia era a o exercício legalizado de uma profissão cujo conhecimento acumulado ao longo dos anos não pode ser transmitido senão de forma sistematizada, como se faz na academia. Foi-se o tempo em que jornalismo se aprendia nas redações. Hoje esse ensinamento é fruto da pesquisa científica desenvolvida numa área específica do conhecimento e que se transmite nas salas de aulas e nos laboratórios.
Gostaria de saber se alguns dos juízes que votaram contra o diploma – e que escrevem nos jornais com absoluta liberdade – sabem como se define e se produz uma pauta jornalística, como se apuram as informações e como se faz a edição de uma reportagem, por exemplo? Ou ainda quais são as diferenças entre um texto escrito para ser lido nos jornais, na internet ou para ser ouvido através do rádio. E como escrever para a TV combinando com precisão texto e imagem? Isso não tem nada a ver com liberdade de informação. É conhecimento especializado que sociólogos, advogados e médicos não aprendem em suas faculdades. Só os jornalistas.
E o mais importante: gostaria de saber se esses doutos juízes se debruçaram sobre o currículo teórico dos cursos de comunicação, base fundamental para o trabalho prático acima descrito. Não há hoje jornalista formado que não tenha tido contato com as diferentes correntes teóricas da comunicação, estudadas e discutidas nas faculdades.
São essas leituras que permitem aos futuros jornalistas compreender melhor o funcionamento da mídia, as suas relações com os diferentes poderes, os seus interesses muitas vezes subalternos. É nas faculdades que se formam jornalistas críticos, não apenas da sociedade, mas principalmente da mídia, capazes de saber com clareza onde estarão pisando quando se formarem. É tudo que os donos dos meios não querem.
A luta deles pelo fim do diploma resume-se a dois objetivos: destruir a regulamentação da categoria aviltando ainda mais os salários e as condições de trabalho e, ao mesmo tempo, evitar a presença em suas redações de jornalistas que possam, ainda que minimamente, contestar – com conhecimento de causa – o poder por eles exercido sem controle. Querem escolher a dedo pessoas dóceis e subservientes e transformá-las nos “seus” jornalistas.
Transfere-se dessa forma da esfera pública para o setor privado a decisão de definir quem pode ou não ser jornalista. As universidades públicas quando outorgam um diploma de um dos seus cursos ou quando reconhecem a legitimidade do diploma fornecido por instituição privada exercem a prerrogativa de possuírem fé pública. O diploma de jornalismo era, portanto, referendado pelo Estado em nome da sociedade, dando a ele a sustentação necessária para o exercício de uma profissão regulamentada desde 1938. Agora é o mercado que decide.
Outro argumento ridículo usados pelos juízes do Supremo é que o diploma era um entulho autoritário produzido pela ditadura militar. Bastava uma breve consulta aos anais de todos os encontros e congressos de jornalistas para perceber que tal afirmação é insustentável. Em 1918, quarenta e seis anos antes de se instalar a ditadura de 64, os jornalistas reunidos em Congresso no Rio de Janeiro já defendiam a formação específica em jornalismo para o exercício da profissão. E seguiram lutando por essa bandeira e pela regulamentação profissional.
Em 1961, o presidente Jânio Quadros publicou decreto regulamentando a profissão. A partir dai o seu exercício ficou restrito aos portadores de diploma específico de nível superior. Como agora, as empresas jornalísticas se mobilizaram e conseguiram, um ano depois, a revogação do decreto pelo presidente João Goulart. Mas em compensação foi criada uma comissão para dar nova forma à legislação. O resultado foi a volta da exigência da formação superior, embora admitindo o autodidata e o reconhecimento de jornalistas sem diploma nas cidades onde não haviam faculdades de jornalismo. O decreto-lei de 1969 apenas acabou com o autodidatismo, mas permitiu a existência do jornalista provisionado, aquele que já exercia a profissão antes da promulgação da lei.
Foi graças à mobilização e à pressão da categoria que, depois de mais de 50 anos de luta conquistou-se a exigência do diploma, nos termos previstos desde o final da primeira década do século 20.
E os juízes de 2009 ainda tiveram a coragem de aceitar a tese de que foi a ditadura que exigiu o diploma para impedir contestações nos jornais. Como se os jornalistas pudessem escrever o que quisessem sem a anuência dos patrões, como se na época não houvesse censura policial e como se todos os possíveis contestadores do regime não estivessem àquela altura mortos, exilados, sendo torturados ou simplesmente calados pela força da intimidação.
Voltamos agora à pré-história do jornalismo brasileiro quando os donos de jornais davam “carteiras de jornalistas” para os empregados e diziam: “agora você já é jornalista, pode ir buscar o salário lá fora”. Se o “jornalista” tivesse algum pudor iria ganhar seu dinheiro em outra profissão trabalhando no jornal por diletantismo. Se não tivesse iria usar do seu espaço para ameaçar pessoas, em troca de remuneração. Era o chamado achaque que, obviamente não era generalizado mas que constrangia os jornalistas idôneos.
A obrigatoriedade do diploma foi responsável pela moralização da profissão. Além disso, estimulou os diplomados a refletirem sistematicamente sobre o seu trabalho. Será que os nobres juízes do Supremo ouviram falar alguma vez na riquíssima experiência de pesquisa, necessária ao trabalho de conclusão de curso, condição para se obter o grau superior de jornalismo? Acredito que não. E não sabem também como, ao ingressar na profissão com o diploma, o jornalista tem olhos mais atentos para recolher na prática profissional os elementos necessários para a realização de novas pesquisas acadêmicas.
São inúmeros os jornalistas que depois de alguns anos de vida profissional voltam à academia ingressando em programas de mestrado ou doutorado. Carreiras acadêmicas serão destruídas. E com isso vai se iniciar um processo de destruição de uma área do conhecimento que vinha se consolidando nos últimos anos graças ao investimento dos órgãos de fomento à pesquisa e das universidades. A exigência do diploma é vital para manter viva a relação entre o trabalho e a pesquisa.
Como se vê, além de errarem, os juízes do Supremo foram irresponsáveis por não mediram as conseqüências da decisão tomada.
Mas há conserto. Tramitam no Congresso duas propostas de emenda constitucional determinando a volta da exigência do diploma de nível superior para o exercício da profissão. Não é fácil aprová-las dadas as exigências regimentais. Na Câmara, por exemplo, precisam do voto favorável de três quintos dos deputados (308 entre 513) e no Senado de 49 dos 81 senadores. Votos que só serão conseguidos com a mobilização ampla da categoria e dos estudantes, o que aliás já vem ocorrendo em todo o Brasil. Resta agora intensificar essa luta que já se mostrou vitoriosa em outros momentos de nossa história.
* Sociólogo e jornalista, é professor de Jornalismo da ECA-USP. É autor, entre outros, de “A TV sob controle – A resposta da sociedade ao poder da televisão” (Summus Editorial).
Publicado pela Agência Carta maior em 07/07/2009
Publicado no site da FENAJ em 27/07/2009
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Primazia da Realidade
A decisão do Supremo e a “des” regulamentação da profissão de jornalista
* Luiz Gustavo Rabelo
Declarações do presidente do Supremo e manifestações diversas após a decisão que afastou a obrigatoriedade do diploma para exercício do jornalismo têm gerado grande confusão sobre o futuro profissional. A principal delas está relacionada à regulamentação da atividade de jornalista. Afinal, ao fulminar a necessidade do diploma, o STF desregulamentou por completo a profissão?
Uma leitura minuciosa do voto condutor do julgamento e do extrato da decisão da Corte leva à conclusão de que não. A profissão ainda se sustenta por um marco legal que está em pleno vigor. Como sabemos, ao declarar a inconstitucionalidade da integralidade de uma lei ou de apenas um único dispositivo, o STF os afasta do ordenamento jurídico. Isso significa que a norma declarada inconstitucional não pode ser aplicada ou invocada pelo Judiciário ou pela Administração Pública para negar ou conceder direitos a quem quer que seja.
No julgamento que derrubou a obrigatoriedade do diploma, o Supremo deixou explícito que a decisão restringia-se ao afastamento de parte do decreto regulamentador da profissão, e não à sua integralidade. Eis o trecho da decisão que mostra, claramente, esse entendimento: “O Tribunal, por maioria e nos termos do voto do Relator, Ministro Gilmar Mendes (Presidente), conheceu e deu provimento aos recursos extraordinários, declarando a não-recepção do artigo 4º, inciso V, do Decreto-lei nº 972/1969, vencido o Senhor Ministro Marco Aurélio”.
Do ponto de vista jurídico, a decisão do STF foi coerente com o pedido feito pelo Ministério Público Federal (MPF) e Sindicato das Empresas de Rádio e Televisão no Estado de São Paulo (Sertesp) no recurso endereçado ao Tribunal. As duas entidades não requereram a declaração de inconstitucionalidade de todo o decreto, mas somente o afastamento da norma que exigia o diploma como condição para o exercício profissional. Diante desses fatos, os ministros não poderiam mesmo, sob pena de decidir além do pedido formulado pelas partes – o que é vedado em nosso sistema processual -, afastar toda a norma regulamentadora.
Prerrogativas profissionais continuam em vigor
Diante desse entendimento, quais são as conseqüências da decisão do Supremo em relação à regulamentação profissional? Com exceção da desnecessidade do diploma para exercício do jornalismo, as demais prerrogativas legais da profissão continuam de pé. Isso significa, por exemplo, que os empresários da comunicação terão que continuar a observar a carga horária de cinco horas diárias e a pagar as horas extras contratuais pactuadas com seus contratados. Também terão que cumprir as demais regras fixadas em acordos e convenções coletivas trabalhistas.
Assim, o jornalista – diplomado ou não – que exercer as atividades típicas da profissão, previstas no artigo 2º do Decreto-Lei 972/69, terá cobertura jurídica para, por exemplo, acionar a Justiça do Trabalho a fim de reclamar direitos eventualmente violados decorrentes do exercício do jornalismo.
A esse propósito, vale lembrar que, nesse ramo da Justiça, prevalece o chamado princípio da primazia da realidade. O que vem a ser isso? Para os juízes do trabalho, pouco importa, na análise das reclamações ajuizadas, o nome que as empresas dão aos cargos ou mesmo o que está previsto em documentos formais. Nas relações trabalhistas têm mais valor os fatos reais, aquilo que efetivamente acontece na prática do dia-a-dia profissional.
Esse princípio, associado a outros não menos importantes como o da interpretação mais favorável ao trabalhador, nos levam a crer que, ainda que alguns empresários esperneiem, a Justiça do Trabalho continuará a conceder indenizações a jornalistas que tiverem direitos laborais desrespeitados. A diferença é que, de agora em diante, não somente os diplomados poderão reclamá-los, mas todos aqueles que vierem a exercer, na prática, atividades típicas da profissão.
Para quem vale a decisão do Supremo?
A confusão informativa gerada pela decisão do Supremo em relação ao status atual da regulamentação profissional deve-se, em grande parte, às declarações recentes feitas pelo presidente do Tribunal a diversos veículos de comunicação. Em algumas delas, o ministro deu a entender que todo Decreto-Lei 972/69 seria inconstitucional. Pelo menos essa foi a interpretação feita por boa parte daqueles que acompanharam as entrevistas concedidas por ele.
Esse até pode ser o entendimento do presidente, mas, certamente, não foi o que decidiu o STF e não é o que pensam os demais ministros que participaram do julgamento. Para se certificar disso, basta ler os votos apresentados por eles, já disponíveis para consulta no site no Tribunal na internet.
Como se sabe, a parte das decisões judiciais que obrigam as pessoas a cumpri-las é o chamado dispositivo. É ali que está a conclusão do que foi decidido, o trecho onde o juiz ou tribunal aplicam a lei ao caso concreto, acolhendo ou rejeitando o pedido formulado pelas partes no processo. O dispositivo também é a parte da decisão que a torna definitiva, imutável e indiscutível, produzindo a chamada “coisa julgada”.
Essa maneira de compreender os efeitos práticos das decisões judiciais tem, no entanto, sido superada por teorias modernas de interpretação constitucional. Algumas dessas teorias admitem que outros trechos das decisões também têm a força de obrigar as partes. É o caso da teoria denominada “transcendência dos motivos determinantes”.
Essa doutrina de nome esquisito, que tem no ministro Gilmar Mendes um de seus principais defensores no Brasil, postula que os fundamentos utilizados nas decisões judiciais, e não somente a sua parte dispositiva, também vinculam as partes. Esses fundamentos seriam apenas aqueles cruciais para a resolução do processo, as razões que levaram o juiz ou o tribunal a decidir dessa ou daquela forma. Assim, coisas ditas de passagem e os comentários feitos nos relatórios e votos apresentados pelos magistrados nos julgamentos não teriam força vinculante.
Essa compreensão tem ganhado terreno no STF. Na Corte, há várias decisões que adotaram esse posicionamento nos últimos anos. Essa teoria também esclarece uma dúvida comum dos que acompanham os desdobramentos da cassação do diploma: a decisão do Supremo vale apenas para as partes do processo julgado ou é extensível a todos no país?
A resposta a esse questionamento deveria ser simples, mas não é. Como grande parte das coisas em Direito, dependerá da linha interpretativa escolhida. Se for a clássica, pode-se dizer que a decisão do STF relativa ao diploma vale apenas para as partes envolvidas no processo porque, na verdade, o que o Tribunal julgou foi um Recurso Extraordinário e não uma ADIN.
Ou seja, nesse julgamento, o controle de constitucionalidade feito pela Corte se deu pela chamada via difusa, num caso concreto, e não de maneira direta, por meio de uma ação que ataca frontalmente um dispositivo inconstitucional. Por outro lado, se a opção for pela linha da “transcendência dos motivos”, é possível afirmar que a decisão no recurso extrapolará o processo e o estrito interesse das partes, podendo ser aplicada erga omnes (contra todos) em outros casos semelhantes.
O fato é que, atualmente, não há nenhuma lei em vigor no país que confira caráter vinculante às decisões do STF proferidas pela via difusa no julgamento de recursos extraordinários. No entanto, o histórico das decisões recentes do Tribunal sobre outras matérias indica que ali continuará a prevalecer o entendimento de que os efeitos da decisão que acabou com a obrigatoriedade do diploma serão estendidos a outros processos.
Decisões futuras mostrarão como os juízes interpretaram a posição do STF
De qualquer forma, ainda que se admita que a decisão produzida pelo STF é composta pelo somatório do dispositivo e dos fundamentos centrais dos votos dos ministros, não há ali qualquer menção explícita ao fim total da regulamentação da profissão de jornalista. O que se vê, sobretudo no voto do ministro Gilmar Mendes, são menções ao fato de que a lei regulamentadora é fruto dos anos de chumbo e que partes dela estariam em desarmonia com o espírito da Constituição atual.
Embora parte disso seja verdade, os comentários feitos pelo ministro, por si só, não têm a força de fazer desaparecer por completo do ordenamento jurídico o decreto regulamentador da profissão de jornalista. Ao que parece, principalmente em razão de declarações de Mendes sobre a opção que as empresas têm agora de exigir ou não o diploma dos futuros profissionais contratados, não foi intenção do Supremo criar uma situação de total desregulamentação. Ou foi?
A decisão do Tribunal gerou uma série de protestos por todo o país e insinuações de que haveria intenção de beneficiar os donos de empresas de comunicação em detrimento dos jornalistas. Se a decisão do STF estiver de acordo com o raciocínio exposto neste artigo, de que ainda estão valendo as regras da legislação regulamentar, essas críticas talvez sejam amenizadas ao longo do tempo. Se, ao contrário, a compreensão for a de que caiu por completo a regulamentação, daí haverá munição suficiente a ser disparada a favor da tese de que a Suprema Corte pretendeu mesmo favorecer os barões da mídia.
Somente daqui um bom tempo será possível ter clareza sobre de que maneira o Judiciário como um todo interpretará a decisão do STF. As decisões nas instâncias ordinárias, sobretudo na área trabalhista, darão o tom de como os juízes aplicarão a legislação de regência nos processos que envolverem aspectos ligados ao exercício do jornalismo.
Por fim, cabem aqui algumas perguntas: a quem interessa uma situação de completa ausência de regulamentação profissional? De que modo questões como jornada de trabalho e outras prerrogativas dos jornalistas, algumas conquistas históricas da categoria, conflitam com a livre manifestação do pensamento o com o livre exercício profissional?
Como guardião da Constituição Federal, o Supremo, mais do que qualquer outro tribunal do país, precisa refletir sobre as conseqüências sociais das decisões que toma. Entre outros aspectos, a existência de vazios normativos em situações conflituosas como as presentes nas relações trabalhistas de determinadas categorias profissionais geram sérios problemas de ordem prática, sob o ponto de vista da defesa de direitos, para quem integra os litígios e para os profissionais que lidam, rotineiramente, com questões jurídicas, como juízes, promotores e advogados.
* Jornalista e bacharel em Direito. Atualmente, ocupa o cargo de analista no Superior Tribunal de Justiça (STJ)
Publicado no site da FENAJ em 27/07/2009
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Lenha na Fogueira
Jornalismo e o tição
* Alfredo Vizeu
O ex-governador Leonel Brizola foi perguntado certa vez por um repórter sobre sua possível decadência política. Tranqüilo e com voz firme ele respondeu: “Eu sou que nem o tição, é só soprar que eu incendeio”. O tição é um pedaço de lenha acesa ou queimada, um braseiro, colocado entre gravetos e lenhas nos fogões do interior do Estado do Rio Grande do Sul para ajudar a fazer o fogo nas manhãs frias. Como disse Brizola, um simples sopro e a chama toma conta de tudo.
Pois o exemplo do ex-governador serve como uma boa analogia para explicar como jornalistas, estudantes de jornalismo, professores, pesquisadores e a sociedade de uma maneira geral sentiu-se incomodada com a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) de abolir a obrigatoriedade do diploma de Jornalismo para o exercício da atividade profissional.
Sopraram o tição e aumentam cada vez mais as manifestações em todo o País de legislativos estaduais, de deputados e senadores bem como das entidades sindicais na luta pelo restabelecimento do diploma. A FENAJ e Sindicatos de Jornalistas de todo o País reuniram-se em São Paulo para estabelecer estratégias de ampliação e fortalecimento do movimento.
O Jornalismo não acabou. Está mais forte do que nunca. A decisão do STF, com todo o respeito que os ministros do Supremo merecem, mostrou pouco conhecimento do que é o Jornalismo. Uma breve leitura dos livros publicados pelo pioneiro dos Estudos e das Teorias de Jornalismo no Brasil, Luiz Beltrão, pernambucano de Olinda, mostraria o impacto que o Jornalismo produz na sociedade diariamente, seja em pequenos acontecimentos e nos grandes.
A título de ilustração – e mais uma vez com todo respeito aos ministros do STF – tomo um curso realizado por Beltrão no Centro Internacional de Estúdios Superiores de Periodismo para América Latina (CIESPAL) para mostrar a centralidade do Jornalismo no Brasil, isso já no começo da década de 60. No estudo ele apresenta e teoriza sobre a sua atividade no ensino de Jornalismo. O trabalho desenvolvido no Ciespal é transformado em livro, uma apostila com as conferências de Beltrão no Ciespal, ainda não publicado em português: Métodos de La Enseñanza de la Tecnica de Periodismo.
No livro Beltrão, aborda temas como: os processos didáticos para aplicação da aprendizagem do jornalismo; o conceito de jornalismo, suas modalidades e características; o estilo jornalístico; a reportagem policial, entre outros. Da obra vamos nos deter em três aspectos que, consideramos, trazem uma interessante reflexão sobre o Jornalismo: a pesquisa, a bibliografia, o jornal-laboratório e a interdisciplinaridade.
Beltrão, sem dúvida, tem uma preocupação constante nas suas obras com a pesquisa sobre o campo do Jornalismo. Em Enseñansa del Periodismo o autor apresenta uma investigação realizada no curso de Jornalismo da Universidade Católica de Pernambuco, com a participação dos alunos, sobre os efeitos da suspensão da circulação dos jornais em função de uma greve dos gráficos.
Como enfatiza Luiz Beltrão, a investigação foi à primeira do gênero no Brasil e, provavelmente, também a primeira na América Latina. O estudo mostra as conseqüências da falta de circulação de notícias sobre a sociedade durante o período que durou o movimento dos gráficos de 21 de março a 9 de abril de 1963. A greve afetou os serviços públicos atingindo o interesse coletivo porque as ações governamentais que eram divulgadas nos jornais deixaram de ser comunicadas.
Beltrão mostra também que a área de diversão foi atingida resultando numa pouca procura aos cinemas mesmo com o lançamento, dias antes do término da paralisação, da superprodução Ben-Hur. Com a volta da circulação dos jornais, a pesquisa identificou que durante as seis semanas seguintes de exibição do filme as sessões estavam sempre lotadas. A investigação mostra, ainda, que até mesmo os acontecimentos sociais foram afetados. Festas e homenagens tiveram que ser adiadas em função da baixa assistência.
O estudo indica que a circulação das notícias é uma exigência da própria sociedade e a ausência das mesmas afeta fortemente o cotidiano de homens e mulheres. A interpretação da realidade como um conjunto de notícias responde a uma expectativa pública e a exigências técnicas. A instituição do Jornalismo atua como uma mediadora entre a realidade global e o público ou audiência que se serve dela.
Uma breve leitura do livro de Beltrão, dentro da vasta bibliografia que temos sobre o campo jornalístico, contribuiria para uma melhor compreensão sobre o que é o Jornalismo. É uma atividade que exige um profissional altamente qualificado. Por isso, o futuro jornalista deve estar preparado para os desafios das tecnologias digitais, do desenvolvimento da multimídia, das telecomunicações e da Internet, com a convergência de meios e suportes que diluem as fronteiras tradicionais do Jornalismo trazendo para a cena novos protagonistas, novos atores e novos processos (nova geração de jornalistas, professores e empresas jornalísticas).
Mas o maior desafio é de natureza ética: ser fiel à destinação do Jornalismo como serviço público sem perder de perspectiva as inovações tecnológicas que atualizam constantemente seus gêneros e formatos garantindo a plena integração com as demandas da sociedade.
Por fim, há seis meses, por estar participando da Comissão Superior de Especialistas em Formação Superior para Subsidiar a Revisão das Diretrizes Curriculares de Jornalismo, do Ministério da Educação (MEC), não vinha escrevendo artigos sobre a relevância do Jornalismo para que minha opinião não se confundisse com a da Comissão e comprometesse de alguma forma o trabalho sério e ético que foi realizado.
Agora que o trabalho acabou sinto-me à vontade para me manifestar publicamente de novo. Desde já reitero minha defesa intransigente na formação superior em Jornalismo e na exigência do diploma para o exercício da atividade de jornalista. Respeito as opiniões em contrário, mas mais de 30 anos de luta como profissional, professor e pesquisador de Jornalismo mostraram-me a centralidade desse campo de conhecimento nas sociedades democráticas.
É sempre bom lembrar as palavras de Ruy Barbosa em Imprensa e o Dever da Verdade: “A imprensa é a vista da Nação. Por ela é que a Nação acompanha o que lhe passa ao perto e ao longe, enxerga o que lhe malfazem, devassa o que lhe ocultam e tramam, ou roubam, percebe onde lhe alvejam, ou nodoam, mede o que lhe cerceiam ou destroem, vela pelo que lhe interessa, se acautela do que a ameaça”.
* Jornalista diplomado e coordenador do Núcleo de Jornalismo e Contemporaneidade do Programa de Pós-Graduação em Comunicação da UFPE
Publicado no site da FENAJ em 27/07/2009
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Em Defesa do Diploma
A PEC DOS JORNALISTAS
* Paulo Pimenta
A atitude de não calar diante da decisão do Supremo Tribunal Federal que acabou com a exigência da formação em curso superior de jornalismo para o exercício da profissão tem mobilizado a sociedade brasileira a um debate sobre os perigos que representa a falta de critérios para o cumprimento desta atividade profissional.
O quarto poder, como é conhecido o jornalismo, influencia na tomada de decisões da população e não deve ser praticado por pessoas sem noções de teorias comunicacionais, ética, de sociologia, indispensáveis para uma formação crítica e fundamental para esse profissional da comunicação.
Protocolei na última quarta-feira (8) Proposta de Emenda à Constituição que restabelece a necessidade do curso superior em jornalismo para o exercício da profissão. A PEC dos jornalistas, como ficou conhecida no Brasil, recebeu número 386/2009 e foi entregue com o apoio de 191 deputados. Estive reunido com o Presidente da Câmara, Michel Temer, para levar ao seu conhecimento o texto da PEC, encontro que teve também a participação do Presidente da Fenaj, Sérgio Murilo. O Presidente da Câmara informou que apóia o pleito pela formação superior e que vai levar adiante as reivindicações dos jornalistas e estudantes de jornalismo do país.
A PEC será remetida à Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) o mais breve possível para que seja verificada a admissibilidade da matéria. Após, será criada uma Comissão Especial, a fim de acelerar a tramitação e a chegada da PEC direto ao plenário da Câmara. Dessa forma, acredito que a PEC possa chegar ao plenário da Câmara ainda no segundo semestre desse ano, para que seja revertido o absurdo cometido contra o jornalismo brasileiro.
Nos próximos dias, estarei reunido com o Presidente nacional da Ordem dos Advogados do Brasil, Cezar Britto, pois a entidade já demonstrou ser também contra a decisão do STF e, segundo Brito, é possível haver a revisão da decisão. Na medida em que a sociedade brasileira, o Congresso Nacional, a OAB e outras entidades têm se posicionado a favor da nossa luta, penso que deve ser um estímulo a nossos jornalistas, professores, estudantes, sindicatos e federação para que, cada vez, lutem com mais força a fim de que possamos aprovar medida que restabeleça a obrigatoriedade do diploma de jornalismo. Nosso trabalho conjunto será uma trincheira na defesa da qualificação profissional da atividade jornalística.
* Deputado Federal (PT/RS)
Publicado no site da FENAJ em 21/07/2009
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Decisão Equivocada
Jornalismo vai além do diploma
* Antônio Lisboa
Por desinformação ou pura má vontade, alguns insistem em criticar a “defesa do diploma para o exercício do jornalismo”, objeto de recente e equivocada decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), que, por maioria de votos, decidiu extinguir essa exigência.
Como disse em artigo anterior, a questão vai além do diploma, instrumento que, é bom que se diga, equivale a anos de esforço e dedicação em estudos, tanto de formação básica e humanística quanto na parte técnica do jornalismo em si.
Na verdade, o que se questiona são as implicações práticas (trabalhistas, jurídicas, educacionais, históricas, psicológicas, entre outras) no mundo da comunicação e os reflexos jurídicos que a decisão tem sobre outras profissões que, segundo o entendimento da maioria dos ministros do STF, “não envolvem risco para a sociedade”.
Ao quebrar a exigência do diploma para o exercício formal do jornalismo, houve não apenas a desregulamentação, o desmonte de uma profissão legítima e fundamental para a vida democrática.
Sabe-se que o bom jornalismo exige ética, credibilidade, transparência, comprometimento com a verdade (aquilo que o público externo a quem a informação se destina espera que se diga) e um mínimo de preparo técnico-acadêmico certamente será importante ferramenta para imprimir esses elementos à informação a ser veiculada.
Nesse caso, a obtenção do diploma – não apenas o papel assinado pelo reitor, mas a certeza da formação de terceiro grau – torna-se considerável referencial rumo à credibilidade, à busca de legitimação.
Não significa, como insistem alguns, que a escola de comunicação por si é auto-suficiente na formação do jornalista. Pública ou privada, sabe-se que a escola – em qualquer atividade – é tão somente o necessário referencial para que o aluno tenha elementos para se completar como profissional no cotidiano de uma empresa jornalística.
Questiona-se, porém, a forma amadora, superficial e precipitada da decisão do STF.
Comparar o exercício jornalístico com a culinária é não apenas um insulto aos mestres da cozinha como a vulgarização, a banalização de uma atividade acima de tudo intelectual, que exige não apenas continuada rotina de leituras e atualização, mas a permanente postura crítica. Não se concebe um jornalista que não tenha um mínimo de espírito crítico.
Mas até para ser cabeleireiro, como propôs o ministro Gilmar Mendes, é necessário conhecimentos de química. Caso contrário, se terá sérios problemas de saúde em pessoas sensíveis a certas fórmulas de produtos de beleza.
Alegar que a formação superior do jornalista (exigência do diploma) estava criando “reserva de mercado” é uma falácia, pois a prática jornalista jamais negou a quem quer que fosse o direito legítimo de se expressar, como articulista, sob a forma de carta ou como colaborador em jornais.
É lamentável que a decisão do STF não tenha sido embasada de elementar estudo da atividade jornalística e, por isso, gerou argumentos infantis, hilários às vezes, abaixo do senso comum.
Após o desmonte do jornalismo – com todas as suas implicações -, a continuar essa linha de pensamento e decisões jurídicas, é possível prever a volta dos “delegados calça-curta”, os dentistas práticos, dos rábulas.
Significa que, em vez de se exigir formação superior para maior número de profissões (em Goiás, por exemplo, nas polícias, o mais elementar dos cargos exige curso superior. Assim é na maioria dos concursos, Brasil afora), o STF preferiu o nivelamento por baixo.
Se a decisão do STF tivesse sido precedida de um mínimo de estudo teórico e prático sobre o jornalismo, em vez de simplesmente desregulamentar uma profissão legítima, histórica e fundamental para a democracia, teria apenas ampliado o espectro de profissionais que podem atuar no jornalismo.
Ou seja, determinaria que profissional com outras formações superiores também pudessem exercer o jornalismo, com apenas algumas adaptações técnicas (cursos rápidos nas escolas de comunicação, por exemplo). Pelo menos assim a decisão iria ao encontro do anseio de certos veículos, como a Folha de S. Paulo, que sempre lutou contra a exigência do diploma no exercício da profissão.
A decisão do STF se, por um lado, abriu espaço à dialética, ao debate da profissão de comunicador, por outro expõe as entranhas da mais alta corte do Judiciário brasileiro e mostra que o atual quadro, com algumas exceções, não possui o necessário e esperado brilho aos olhos da sociedade, pelo menos quanto à questão decidida em 17 de junho último, de forma um tanto precipitada.
* Jornalista pós-graduado em Comunicação Pública.
Reproduzido da revista eletrônica Nadia Timm, em 28/06/09
Publicado no site da FENAJ em 21/07/2009
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Situação de Risco
Clodogil
* Manuel Carlos Cardoso
Conta a lenda que o ministro Joaquim Barbosa morreu e, chegando ao Céu, foi recepcionado por São Pedro com todas as honras da casa, pois, afinal de contas, apesar de ministro, era um homem que saía às ruas e ouvia o povo.
– Pode escolher livremente um lugar para ficar, senhor ministro.
– Sou homem simples, fico em qualquer lugar, mas vos peço uma coisa: quando Gilmar Mendes aqui chegar, não o coloque perto de mim, porque quero viver em paz nesta minha morada eterna.
– Pode ocupar uma daquelas mansões da beira de nosso lago, que também se chama Paranoá e o seu pedido será atendido.
Passados alguns dias, logo pela manhã, o ministro começou a ouvir a voz de Gilmar Mendes lhe dizendo repetidamente: – Vossa Excelência me respeite!
Inconformado, procurou São Pedro, protestando por não ter cumprido o prometido.
– Você está enganado, meu bom homem, o ministro Gilmar Mendes continua vivo e aprontando das suas na Terra; aquela voz é de Deus, que anda com mania de grandeza.
Lembrei-me dessa piada enquanto ouvia o ministro Gilmar Mendes proferir seu voto, sustentando que o decreto que exige curso superior de jornalismo registrado no MEC para exercer a profissão de jornalista não foi recepcionado pela Constituição de 1988. Preferiu o ministro sustentar seu entendimento sem o enfrentamento da questão de forma técnica, abordando se a interpretação usada era fundada no método gramatical ou filológico, no método lógico-sistemático ou histórico e se essa atividade resultava em uma interpretação declarativa, extensiva, restritiva ou ab-rogante. Preferiu argumentar que a profissão de jornalista, por não implicar riscos à saúde ou à vida dos cidadãos em geral, não poderia ser objeto de exigências quanto às condições de capacidade técnica para seu exercício.
Tais cursos, disse ele, são extremamente importantes para o preparo técnico e ético de profissionais que atuarão no ramo, como o são os cursos de culinária e moda e costura, dentre outros vários. Um excelente chefe de cozinha certamente poderá ser formado numa faculdade de culinária, o que não legitima o Estado a exigir que toda e qualquer refeição seja feita por profissional registrado mediante diploma de curso superior nessa área.
Poderia ter o ministro ilustrado seu voto com a figura do nosso Manezão aqui da terra, que é um excelente jornalista diplomado e ao mesmo tempo, um exímio chefe de cozinha sem diploma.
Poderia também, ter ilustrado seu voto com sua própria figura de jurista diplomado e exímio costureiro sem diploma. Um costureiro que, depois de 21 anos, resolveu lançar a moda do que foi e do que não foi recepcionado pela Constituição de 1988. Foi assim com a Lei de Imprensa e agora com o diploma de jornalista, mas o que é preocupante nesse modismo é o rastro de vazios na legislação, que vai ficando. Não temos mais qualquer lei tratando do importantíssimo tema do direito de resposta e a profissão de jornalista passa a poder ser exercida por qualquer pessoa, qualificada ou não.
A ausência de legislação nos coloca em uma situação de risco diante de nossos tribunais e, se tais leis estão sendo tão criticadas por sua origem na ditadura militar, a falta delas poderá nos colocar diante de uma ditadura do Judiciário.
Alguém precisa conter este nosso Clodogil, especialmente quando começa a dizer sobre o que o Congresso Nacional pode ou não pode legislar.
* Advogado e professor
Publicado no Correio Popular de Campinas em 23/6/2009
Publicado no site da FENAJ em 21/07/2009
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Alternativa Legal
Diploma de Jornalista II
* Antônio Álvares da Silva
Depois da decisão do STF sobre a desnecessidade de diploma para o exercício da profissão de jornalista, uma discussão paralela vem mobilizando a atenção de alguns juristas, embora desconhecida do grande público: pode o Congresso fazer lei exigindo o diploma, contrariando o que foi decidido no Supremo?
A questão é do mais alto interesse e envolve grande indagação de Direito Constitucional. Pela Constituição brasileira, o STF é o seu guardião. Cumpre-lhe defendê-la das agressões do legislador, da Administração Pública e até dos particulares. Esta é sua finalidade precípua e é para isto que existem tribunais e cortes constitucionais em todos os países. Se a Constituição é violada, quebra-se a hierarquia do ordenamento jurídico e deixa de existir o respeito às leis, responsável pela ordem social e pelo estado de direito.
Mas, também, está na Constituição que cabe ao Congresso Nacional (Câmara dos Deputados e Senado Federal) legislar sobre todos os assuntos de interesse do povo. Se ao Supremo é dada a competência para interpretar, ao Congresso é outorgada a competência para criar a norma. Todo e qualquer assunto, respeitada a Constituição, a ética e a moral vigentes e os princípios da cultura jurídica universal, pode ser objeto de lei e transformar-se em norma vigente na sociedade
humana.
Se o STF declara uma lei incompatível com a Constituição, exerce sua função autêntica e prioritária. Do mesmo modo, o Congresso, quando cria a lei. Se ela é julgada inconstitucional, pode o Parlamento repeti-la? Eis a questão.
Alguns ministros do Supremo e outras autoridades federais (por exemplo, o Advogado Geral da União) vêm afirmando que o assunto está encerrado e o legislador não pode mais exercer sua competência legislativa sobre o tema.
Esta afirmativa é errada e não se sustenta perante a lógica jurídica. A Constituição afirmou que – “é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer” – art. 5º, XIII.
Portanto garantiu a liberdade de escolha e o exercício de qualquer profissão, mas deu também ao legislador a faculdade de estabelecer “qualificações profissionais”, considerando as exigências técnicas, sociais e políticas de determinados profissionais.
O STF entendeu que a profissão de jornalista é livre, não estando sujeita à “qualificação profissional”. Portanto julgou contra a Constituição, que permite ao legislador fixá-la. O Decreto-Lei 972/69, certo ou errado, impôs a exigência do diploma e foi recepcionado pela Constituição atual, pois em nada a contraria. Pelo contrário, revigora sua exigência de estabelecer qualificações profissionais.
Se o STF entende o oposto, pode a interpretação ter prioridade sobre a legislação? A resposta é negativa. Não pode. Se a lei é, pela via interpretativa, contrária à Constituição e se o Congresso entender diversamente, pode ele perfeitamente fazer nova lei que predomine sobre a orientação do Supremo. Caso contrário, o Judiciário passaria a ter mais força que o legislador. E estaria subvertido o mandamento de harmonia e independência entre os Poderes do Estado.
E note-se que não é sequer necessária emenda constitucional. Basta uma lei ordinária. Entre quem faz a Constituição e quem a interpreta, a predominância é do primeiro, em caso de conflito. Normalmente, o legislador não reedita lei considerada inconstitucional. E está certo, pois assim evita o conflito entre Poderes. Mas, se entende o contrário, tem plenos poderes para corrigir a interpretação que considera errada do Judiciário e impor a norma que entende correta.
O legislador é eleito pelo povo. E é dele, e não dos juízes, que emana todo e qualquer Poder dentro de um Estado democrático. A vontade popular é o fundamento da democracia representativa. É a sua força básica e o limite de sua ação. Se a vontade popular é contrariada, o regime não é mais democrático, pois resvala para o campo do arbítrio e da usurpação.
Ainda resta esperança aos jornalistas, se sua justa causa pelo diploma for encampada pelo Congresso Nacional.
* Professor titular da Faculdade de Direito de Minas Gerais e juiz do trabalho
Publicado originalmente pelo jornal HOJE EM DIA, de Belo Horizonte
Publicado no site da FENAJ em 13/07/2009
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Em Defesa da Profissão
Incriminação do diploma não se sustenta
* Maurício Azedo
O julgamento pelo Supremo Tribunal Federal da questão da obrigatoriedade de exigência do diploma de conclusão do curso de Comunicação Social ou de Jornalismo para o exercício da profissão de jornalista deixou claro que os membros da chamada Suprema Corte não tinham nem têm familiaridade com o tema tratado.
Na justificação dos votos pela derrubada da disposição pertinente do Decreto-lei nº 972/69, os ministros confundiram alhos com bugalhos e revelaram um subjetivismo que não encontra guarida nos fatos históricos e em sua cronologia. Para incriminar a exigência do diploma e justificar sua supressão, vimos ministros a dizer que o Decreto-lei nº 972/69 foi editado com o objetivo de sufocar a imprensa, submetendo-a a censura. Há grave erro aí: a censura foi formalmente instituída pelo Decreto-lei nº 1.077, de 26 de janeiro de 1970, mais de três meses após a edição do Decreto nº 972, assinado em 17 de outubro de 1969 e publicado no dia 21 seguinte. Lembre-se, aliás, que era dispensável a formalização do poder de censurar veículos de comunicação, sabido que, com honrosas exceções, como o JB, O Estado de S. Paulo, o Jornal da Tarde e a Tribuna da Imprensa, jornais e emissoras de televisão praticavam a autocensura e faziam o jogo da ditadura militar.
Improcede a afirmação do digno Ministro Ricardo Lewandovski de que o Decreto nº 972/69 tinha como “escopo, inequivocamente, controlar as informações veiculadas pelos meios de comunicação, em especial pelos jornais, afastando das redações intelectuais e políticos que faziam oposição ao governo de então”. Na verdade esses intelectuais – um Otto Maria Carpeaux, um Antônio Callado, um Octávio Malta – já tinham sido afastados das redações não por esse decreto, mas pelo esmagamento político e comercial que o regime militar impôs a veículos como Última Hora, levada à descaracterização, e o Correio da Manhã, perseguido e subjugado até falir.
Carece igualmente de fundamento a invocação do Pacto de São José da Costa Rica, validado no País pelo Decreto 678/92, de que a disposição agora derrubada conflitasse com o artigo 13.3 dessa convenção, como alegado pelo mesmo Ministro Lewandovski, que transcreveu o texto de tal disposição, assim redigida: “Não se pode restringir o direito de expressão por vias ou meios indiretos, tais como abuso de controles oficiais ou particulares de papel de imprensa, de frequências radioelétricas ou de equipamentos e aparelhos usados na difusão da informação, nem por quaisquer outros meios destinados a obstar a comunicação e a circulação de idéias e opiniões”. Mesmo um advogado recém-formado saberia que falta tipicidade entre o que dispõe o Decreto nº 972 e o texto reproduzido pelo Ministro.
Numa instituição que reúne algumas das maiores sumidades do País em todos os ramos do Direito, como é o Supremo Tribunal Federal, é incompreensível que tenham sido cometidos erros fáticos dessa natureza, para justificar uma decisão desprovida de fundamento jurídico, e sim ditada pelo propósito politico de atender à postulação do Sindicato das Empresas de Rádio e Televisão do Estado de São Paulo, o grande interessado em instituir a lei da selva, uma terra de ninguém nas relações trabalhistas, afinal criada pela decisão do Supremo, ao homologar e legitimar práticas restritivas dos direitos dos jornalistas já adotadas por muitas das empresas filiadas a essa entidade.
Mais grave do que essas alegações despropositadas foi o conjunto de argumentos expostos pelo relator, Ministro Gilmar Mendes, Presidente do Supremo Tribunal Federal, que foi infeliz e revelou extremado mau gosto e escassa criatividade ao comparar o desempenho do jornalista com o do cozinheiro, mesmo o grande mestre no ofício de conceber e preparar acepipes e quitutes. Demonstrou o Ministro que não entende nem de jornalismo nem de arte culinária; se entendesse, não faria as comparações inadequadas que fez.
Ao contrário do que sustentaram ministros que acompanharam o relator (Cármen Lúcia, Carlos Ayres Britto, Cezar Peluso, Celso de Mello), a profissão de jornalista não pode ser exercida por pessoas que tenham apenas o curso fundamental completo ou incompleto, para as quais a decisão do Supremo escancarou com largueza as portas de acesso à profissão, ou mesmo por aquelas que, como os ministros do chamado Pretório Excelso, tenham formação de nível universitário em outras especializações da vida social.
* Presidente da Associação Brasileira de Imprensa (ABI)
Publicado no Jornal do Brasil em 29/06/2009
Publicado no site da FENAJ em 13/07/2009
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Perde a Sociedade
Carta aos Jornalistas
* Erika Kokay
A decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) de dispensar a exigência de diploma de jornalismo para o exercício da profissão traz graves prejuízos não só para a atividade profissional dos jornalistas, mas para a expectativa futura de milhares de estudantes de jornalismo do Brasil, criando uma instabilidade jurídica nas faculdades, nos cursos de Mestrado e nos concursos públicos. E quem perde com isso é a sociedade.
A exigência do diploma de jornalista assim como de outras profissões regulamentadas é fator de garantia da qualificação profissional. Nestes mais de 20 anos de vigência da Constituição Cidadã, a manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação não sofreram qualquer restrição pela exigência de diploma de jornalismo.
Conforme a afirma o deputado federal Paulo Pimenta (PT-RS), a argumentação de que artigo 220 da Constituição embasa tal decisão vai ao encontro de interesses da grande mídia em desregulamentar o exercício da profissão, confundindo liberdade de imprensa com a visão neoliberal da desregulamentação das relações de trabalho. O constituinte de 1988 imaginou criar um mecanismo que impedisse a volta da censura, na medida em que estávamos saindo de um período ditatorial.
A democracia brasileira precisa de maior diversidade informativa e de amplo direito à comunicação. Para isso, é necessário modificar a lógica que impera no setor e que privilegia os interesses dos grandes grupos econômicos. Não se pode mais aceitar que, numa sociedade democrática, apenas as idéias e informações ligadas aos interesses políticos e econômicos de pequenos grupos tenham expressão pública. Isso nega o direito de acesso ao contraditório, violando o direito à informação dos cidadãos.
Um Estado democrático deve assegurar que todas as visões tenham expressão pública, situação ainda distante da nossa realidade. No Brasil, menos de uma dezena de famílias controla a quase totalidade dos meios de comunicação, numa prática explícita de monopólios e oligopólios, muito
embora proibidos pela Constituição Federal.
Dispensar o diploma de jornalista não significa ampliar a liberdade de informação. O aprofundamento da democracia na sociedade e o respeito à diversidade ideológica, cultural, social, regional e religiosa está diretamente associado à democratização dos meios de comunicação social, hoje concentrados em algumas empresas de comunicação.
O ensino superior de Jornalismo qualificou o seu exercício profissional, sendo responsável pela formação de profissionais que elevaram o padrão cultural e informativo da categoria e da imprensa no Brasil. Ao desconsiderar o diploma de jornalismo, o STF legaliza a retrocesso no exercício da profissão de jornalista.
Nesse sentido, ao tempo que lamentamos a decisão equivocada do STF, expressamos a nossa solidariedade à categoria dos jornalistas profissionais, à FENAJ e ao Sindicato de Jornalistas Profissionais do Distrito Federal, na esperança de que seja restabelecida a obrigatoriedade da exigência do diploma de Jornalismo para o exercício da profissão.
* Deputada Distrital, líder da Bancada do PT na Câmara Legislativa do DF
Publicado no site da FENAJ em 13/07/2009
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Descompromisso com a Informação
Estado tem que pedir perdão a jornalistas
* Célia Ladeira
Jornalistas, uni-vos. Ainda repercute o golpe aplicado pelo Supremo Tribunal Federal aos jornalistas brasileiros. Utilizando o argumento de que a obrigatoriedade do diploma é consequência de um ato governamental oriundo do regime militar, que ceifou vidas e sonhos, esquecem-se estes de que a censura tão comum naquela época é tão maléfica quanto esta decisão da suprema corte brasileira.
Como consequência, Jornalistas (isto mesmo com Jota bem maiúsculo) vivem, na atualidade, um grande drama sob os efeitos do mesmo pau de arara – aquele método nefasto de tortura comumente utilizado pelos militares para reprimir àqueles que resistiram ao golpe – que, nos anos de chumbo, ceifou vidas e sonhos no país da diversidade.
As torturas físicas e psicológicas aplicadas contra cidadãos no período em que vigorou a ditadura militar ecoam, agora, de forma diferenciada, sobre uma classe que tanto se dedicou à luta pela redemocratização do país e que teceu brava e gloriosa batalha pelo reconhecimento da profissão. Mesmo sob os efeitos das torturas do regime militar, a profissão de Jornalista foi reconhecida e regulamentada pelo decreto 972, de 17 de outubro de 1969 – vejam que a data nos remete ao período turvo em que viveu a nação brasileira. E agora, em plena concepção de estado democrático de direito – que contradição – a profissão foi soterrada por um gesto indigesto de um grupo de ministros descompromissados com a qualidade da informação.
Neste gesto, certamente, predominaram os interesses econômicos em detrimento da cidadania. O tão almofadinha enfadonho do STF que se faz reconhecer por Gilmar Mendes (inimigo número um da qualificação e dos Jornalistas) deveria, ao invés de se preocupar em cassar diplomas, explicar os rios de dinheiro que ganha da União para promover cursos para funcionários públicos. Ora, os cidadãos brasileiros já pagam os salários que o ministro recebe e ainda destina, do seu suor, uma bagatela para manter a escola por ele comandada em Brasília – conforme matéria veiculada na semana passada por Carta Capital. Além dos salários como ministro, com esta prática Gilmar Mendes embolsa mais de meio milhão do Governo. Isto sim é que é aberração. A exigência do diploma, ao contrário, é cidadania, coerência diante de uma conceituada atividade.
Somos um país livre. Esta é a lógica dos livros didáticos. Mas, Jornalistas continuam massacrados e perseguidos, agora mesmo pós-ditadura, não pelos golpes dos cassetetes, mas por um golpe tão enfadonho quanto. O Estado brasileiro precisa corrigir esta distorção. Da mesma forma que a Comissão Nacional de Anistia do Ministério da Justiça está percorrendo o país pedindo perdão às famílias daqueles que deram suas vidas na batalha pela redemocratização do Brasil, este mesmo Estado deveria utilizar, neste momento, mecanismos semelhantes para pedir perdão por iludir este exército de cidadãos que se dedicou com afinco preciosos anos de suas vidas na busca de aperfeiçoamento para abraçar tão nobre profissão e, frise-se, embalados pelo cântico da cidadania, do sonho de encontrar no Jornalismo uma digna profissão.
Mas nem tudo está perdido. Uma nova batalha deve ser travada, mas a vitória depende da união de todos. E não só dos Jornalistas. A sociedade também precisa se engajar nesta luta, que não é solitária de Jornalistas. A sociedade tem direito de ter informação de qualidade, baseada em princípios éticos, que só podem ser assegurados a partir da formação profissional. Nefasta a opinião de Alexandre Garcia de que o diploma deveria ser extinto em função da péssima qualidade do ensino no país. Ora, é cortar os dedos para salvar os anéis. A sociedade brasileira precisa de educação. Que é isso Alexandre Garcia? A lógica dele e a do ministro seriam, portanto, acabar com as universidades para criar uma geração de leigos, ignorantes e reacionários, ao invés de se adotar mecanismos para proporcionar uma educação de qualidade no país.
Parabéns à Fenaj, ao Sindijor e entidades que se declaram favoráveis à luta dos verdadeiros jornalistas por abrir a discussão, mas os Jornalistas militantes precisam sair um pouco das redações para dedicar parte de seu tempo a esta causa. Uni-vos, portanto. Vamos às ruas, mobilizar a sociedade, mobilizar eleitores para pressionar sua base no Congresso Nacional para abraçar a PEC do senador Valadares, que deve entrar em tramitação ainda esta semana.
E, no longínquo, me vem aquela sonorização de Calcinha Preta, famosa na novela das oito da Rede Globo, que se torna, agora, a ode do diploma de Jornalista, com uma pequena diferença na letra: você não vale nada, mas eu LUTO por você.
* Jornalista/SE
Publicado no site da FENAJ em 06/07/2009
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É Fácil Falar
Jornalismo não é só escrever bem
* Humberto Azevedo
É por este comentário que a imprensa brasileira é uma porcaria, a categoria a todo instante é desrespeitada e alguns Zé Manes oriundos de outras áreas são tão acariciados e aplaudidos, quando deveriam ser execrados.
Vou eu querer exercer o direito de defesa do Direito universal de outrem sem possuir número na OAB, para ver se não me processam. É muito fácil falar.
Mas e as várias gerações que a partir de 69 se dedicaram a estudar, digo, estudar o que sempre foi o discurso da direita, para conseguir uma colocação profissional melhor e aí não conseguem nada porque uns pistoleiros ocupam suas vagas pela amizade, pelo contato social ou simplesmente pelo desprezo dos patrões aos estudados e às leis.
E isso só ao abordarmos a Pequena Grande Imprensa. Pois, se fomos analisar o comportamento da Grande Pequena e Média Imprensa, percebermos uma qualidade baixa, vagas ocupadas por pessoas que nem sequer possuem o ensino fundamental completo com salários sendo pagos nos valores do mínimo, do menor salário do País, ou um pouquinho mais, com uma carga horária exercida como a de um balconista de varejo.
Eu não considero o Sr. “Diobobo My Nardes” meu colega de profissão. Ele é um pára-quedista, um bocoió que agrada a pobre elite brasileira com seus textos fantasiosos que miram na Europa e nos EUA o perfil a ser seguido. Nada mais que uma cópia da velha tradição odiosa colonial que persiste no Brasil do século 21.
Arnaldo “Jaburu” um jornalista como eu? Nunca cumpriu uma pauta policial ou sequer compreendeu que texto jornalístico é informativo e não poético, literário ou qualquer baboseira que agrada aos ouvidos e olhos ignorantes de uma classe social que por ter dinheiro acredita estar acima da lei.
Jornalista foi Barbosa Lima Sobrinho que entrevistado por mim dois meses antes de morrer afirmara que jornalista é aquele que defende a pátria de todos aqueles parias que entregam a Nação como um gigolô entrega sua mulher como uma prostituta para o mais abastado.
Barbosa Lima Sobrinho, criador da Associação Brasileira de imprensa, na defesa da categoria daqueles que produziam informações, não era simplesmente um brilhante advogado que se fez na redação e sim o contrário.
Jornalismo não é só escrever bem. Senão todos os romancistas, poetas, contistas etc seriam brilhantes jornalistas. Jornalista é aquele cidadão que não se conforma com a mediocridade de uma sociedade e quer a todo o momento fuçar, investigar, buscar, publicar e INFORMAR aquilo que a sociedade não quer ver ou perceber.
Jornalista não é ser papagaio da moral, da falta de ética ou simplesmente um mero noticiador do que aconteceu com aquela sociedade que a própria quer ouvir.
Jornalista, a exemplo do meu mestre Alexandre José Barbosa Lima Sobrinho, é um cidadão privilegiado que não o é por ter atingido os cargos mais cobiçados numa empresa midiática e sim porque não pára de querer transformar o seu meio em algo melhor, mesmo que para isso tenha que se passar por louco, chato ou inconveniente.
O diploma de jornalista não faz um jornalista integralmente, mas é o melhor caminho para se evitar que o famoso Quem Indica, tão praticado em nossa terra, coloque nas redações pessoas que não têm nada a ver com o processo de produção de notícias.
O diploma deve ser algo básico exigido para os que se propõem a exercer uma profissão tão importante e séria. Com a decisão estúpida da maioria dos babacas da apequenada suprema corte, a grande comemoração foi daqueles que burlaram o sistema, são amigos dos donos da imprensa e dos próprios donos dos botecos de cachaça que produzem informação manipulada com o único objetivo de defender seus interesses.
Eu como profissional diplomado lamento a decisão. A mim a estúpida decisão não me afetará em nada. Como empresário do meio, até que posso ter gostado, mesmo sendo um pequeno proprietário de empresa jornalística. O deixe levar do mercado, tão propalado e defendido, acarretará num achatamento maior dos salários da profissão. Tirando as “estrelas”, os operários das informações verão seus proventos diminuírem mais ainda, se isto é possível e será.
A briga indigesta que os sindicatos profissionais da categoria já entravam contra a toda poderosa mesa do patronato ficará ainda mais enfraquecida. Com a queda de vez da obrigatoriedade do diploma para o exercício profissional, o teto salarial instituído pelos sindicatos nas diversas unidades da Federação que já não eram cumpridos pela grande maioria da pequena e média imprensa será motivo de risada dos que contratam. Agora, o teto salarial virou piada definitiva.
O grande problema do País é querer que todas as funções sejam seguidas exemplarmente pelos que estão no topo, quando deveria ser o contrário. Os que estão no topo significam uma parcela ínfima e desprezível da realidade. O maior exemplo disso vem da grande paixão dos brasileiros: o futebol. O atual formato do Calendário promovido pela CONFEDERAÇÃO Brasileira privilegia apenas os grandes clubes e os atletas empregados nestes clubes. Os clubes pequenos, maiores empregadores, participam de apenas três meses dentro do calendário.
A questão é a mesma. Todos se preocupam com o modelo: Folha de S. Paulo; O Globo; O Estado de S. Paulo; Estado de Minas; Zero Hora etc. e esquecem por completo que as maiorias dos profissionais irão estar presentes nas pequenas e médias empresas. A estes são relegadas as selvagerias do mercado.
Um exemplo claro é demonstrado em Brasília, capital federal da República, onde o teto salarial instituído pelo Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Distrito Federal (SJPDF) é de R$ 1800,00. Porém, um jornal diário, Tribuna do Brasil, paga a seus repórteres, amplamente formados até então por estudantes de jornalismo, estagiários, e até mesmo, antes mesmo da decisão que desobriga o diploma como requisito básico para o exercício profissional, de pessoas sem o nível médio, os valores de R$ 450,00. O que acham que acontecerá de agora em diante? Talvez, os valores a serem pagos, reduzam para formalmente o valor do salário mínimo e com a carga horária igual à de um atendente de loja e não mais como se previa na extinta lei dos milicos às seis horas estabelecidas.
Parabéns aos que parabenizaram a estúpida decisão do STF. O mercado agora é livre. Bom para os que estão nas faculdades de jornalismo e que tem tempo de saltarem e migrarem para algum outro curso que lhes dê garantias de classe e reserva de mercado e ainda poderão exercer a profissão de jornalista.
Atenciosamente,
Humberto Azevedo
* Jornalista e empresário
Resposta ao texto de Carlos Brickmann
Cartola e título do Boletim da FENAJ
Publicado no site da FENAJ em 06/07/2009
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Papel Social do Jornalismo
O Diploma, o Jornalismo e o Capital Simbólico
* Ricardo Tesseroli
Está ai um artigo que nunca pensei que iria escrever. O diploma para o exercício da profissão de jornalista não é mais obrigatório no Brasil. No que isso vai influenciar daqui para frente, é difícil de mensurar agora. Mas algumas considerações devem ser feitas.
Tirando o que já se comenta, e muito, a respeito do jornalismo como formação acadêmica, algumas coisas passaram quase que despercebidas na discussão que acabou na lamentável decisão do Supremo Tribunal Federal.
Lembro-me de uma aula que tive com a professora Níncia Teixeira Ribas, ainda na graduação, no curso de comunicação social da Unicentro (Universidade Estadual do Centro Oeste), quando falávamos sobre a formação de um jornalista e sua profissão. A professora, mesmo sem ter formação de jornalista, mas, uma das melhores docentes de Letras que conheço e profunda conhecedora e admiradora da área da comunicação, alertava sobre a importância social da profissão de Jornalista.
Seu discurso foi coerente e extremamente esclarecedor. Na argumentação ela frisava que: se um médico cometesse um erro, ele arruinaria a vida de uma pessoa. Se um professor cometesse um erro em sala de aula, ele iria “arruinar” a vida de 30 alunos, mas e se um jornalista cometesse um erro? A vida de quantas pessoas ele arruinaria? Impossível contar.
O alcance do trabalho de um jornalista é algo que não se pode calcular, e me entristece saber que em meio a tanta discussão, pouco ouvi falar sobre o jornalismo enquanto capital simbólico. Praticamente não se levou em conta o fato de que trabalhamos com informações e pessoas, e da forma com que o mundo se encontra hoje, são dois dos mais importantes pilares da sociedade moderna.
A todo momento, na mídia, ícones são criados e destruídos, tudo através da imprensa. Afinal de contas, não é só a morte que acaba com a vida de alguém, mas existem “n” formas de destruir uma vida, e nós, os jornalistas, trabalhamos, talvez, com uma das principais delas, a informação. Que pode ser de caráter pessoal, profissional, coletivo ou de massa. E como saber lidar com isso?
Sem dúvida existem muitos exemplos de bons profissionais que, mesmo sem terem cursado uma faculdade de jornalismo, lidam bem com essa questão, mas uma coisa é certa, somente quem sentou em um banco universitário é que tem o mínimo de compreensão da importância e do poder que a profissão de jornalista possui.
É uma pena que a discussão capitalista tenha superado a discussão simbólica e do conhecimento e, pena maior ainda, é que as pessoas que tomaram a decisão de acabar com a obrigatoriedade do diploma de jornalismo nunca tenham freqüentado um colegiado de jornalismo para entender realmente o que é a nossa profissão.
Se amparado por um diploma universitário já é difícil controlar esse capital simbólico, imagine agora, sem ele? Para piorar, não podemos esquecer que a categoria não possui nenhum tipo de conselho ou órgão de classe para regulamentar a profissão. Como ficará um dos bens mais preciosos da sociedade moderna sem nenhum tipo de amparo que garanta a sua boa utilização?
Não é possível prever o futuro, mas uma coisa é certa, o tempo deverá fazer com que, as mesmas pessoas, entidades e órgãos que defenderam o fim da obrigatoriedade do diploma sintam na pele as conseqüências de tal decisão. Afinal, a curto e médio prazo, os jornalistas profissionais podem até serem prejudicados, mas quando a responsabilidade começar a cair sobre os ombros de quem detém agora o timão da informação, a coisa poderá se inverter. Informação é coisa séria, já alertava algum slogan que ouvi esses tempos por ai, e com coisa séria não se brinca.
*Jornalista formado pela Unicentro, especialista em mídia e política pela UEPG e assessor de imprensa.
Publicado no site da FENAJ em 29/06/2009
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Poder Onipotente
Toque de recolher
* Cibele Ramos Lima
Os votos, mais do que as palavras, têm muito poder para o mundo e pelas últimas decisões, fica óbvio que eles têm um peso maior ainda no Brasil.
Prova disso foi o que ocorreu em 17 de junho de 2009. O dia em que um grupo de pessoas (graduadas, claro, e longamente sabatinadas), um grupo de apenas 11 pessoas, altamente gabaritadas e referendadas, decidiu pelo silêncio.
Oito dos 11 cidadãos, que poderiam ser comuns, provaram, em questão de minutos, que reúnem um poder quase onipotente.
Esse seleto grupo decidiu, à revelia da sociedade, pelo fim de uma profissão e, mais do que isso, colocou um ponto final nos sonhos de milhares de pessoas. Algumas trilhando o caminho, muitas com anos de estrada, outras com calos nos pés pela dura caminhada rumo ao, agora banal, diploma de jornalista.
Perder a profissão ou a importância dela, é como ser atingido em cheio, é como perder o rumo, ter amnésia, ficar sem teto…
É tentar, em vão, impedir que o medo ganhe forma. Mas pior do que isso é tentar encontrar justificativas para uma decisão tão sem propósitos. É tentar se iludir, de teimoso, que não há nada por trás do ato além do absurdo. Não há benefícios para a sociedade brasileira, muito menos para os profissionais que investiram na formação e na qualificação para tratar, de forma ética, as informações, as fontes e as notícias. Não há lições a tirar da perda dos anos investidos em aulas teóricas, práticas e na elaboração de trabalhos, resenhas e projetos experimentais.
Os JORNALISTAS POR FORMAÇÃO foram golpeados, ridicularizados e desprezados.
O jornalismo foi precarizado e o Brasil perdeu uma profissão importante para a democracia. A decisão do Supremo Tribunal Federal não ampliou o leque de profissionais para atuar na imprensa, mas sim, desvalorizou a comunicação da sociedade contemporânea.
As certezas, para os JORNALISTAS POR FORMAÇÃO, mudaram de casa sem deixar rastro. Elas sequer deixaram pistas de como retomar a luta. Afinal, são 40 anos de construção que viraram lembrança após o toque de recolher.
Resta dizer aos apaixonados pelo glamour da profissão, aos que querem ter uma profissão fácil ou aos estudantes de jornalismo: vocês acabam de ganhar o título de jornalistas. Mas, atenção! Nós, JORNALISTAS POR FORMAÇÃO, acreditamos no nosso futuro.
* Jornalista por Formação
Publicado no site da FENAJ em 29/06/2009
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Debate Público
Por que o bacharelado em Jornalismo ainda é imprescindível para a sociedade?
* Ismar Capistrano C. Filho
O julgamento do Supremo Tribunal Federal sobre o Recurso Extraordinário 511961, na quarta, 17 de junho de 2009, mostrou-se completamente equivocado não só em sua sentença, mas nos argumentos tanto dos defensores quanto dos opositores à exigência legal do diploma de bacharelado para o exercício do Jornalismo.
O que caracteriza como perícia da atividade jornalística não é tão somente a conduta moral, ética e honesta do relato verídico dos fatos. Não há curso superior que possa garantir essa qualidade que deve compor a idoneidade humana. Até os referenciais para tal julgamento são, em determinadas situações, confusos dado que pode haver diversas versões sobre uma realidade.
A missão do jornalismo é, sobretudo, reconstruir essa multiplicidade de significados, dando vozes para os diferentes atores sociais por meio de um constante processo de checagem dos fatos. Todavia, não se pode aceitar que essa dificuldade justifique a produção de notícias baseadas numa supra-realidade que, muitas vezes, atende a exclusos interesses políticos, econômicos e culturais dos grupos controladores dos meios de comunicação. Mas infelizmente, essa situação é fato e, na maioria das vezes, os jornalistas pouco podem fazer contra essa circunstância porque, mesmo sendo um serviço imprescindível para a vida democrática, a produção jornalística está predominantemente submetida à lógica empresarial das indústrias culturais.
Duas éticas se confrontam nas redações: de lado, o interesse público, defendido pelos jornalistas, e de outro o particular dos empresários, comprometidos com a gestão, a sustentabilidade, a audiência e o lucro do negócio. Nesse contexto, restam três saídas para a ética jornalística: as brechas, as fissuras e os embates. As primeiras são as notícias que não estão submetidas aos interesses editoriais das instituições, permitindo uma autonomia de atuação para esses profissionais. Já as fissuras são os espaços não vigiados que possibilitam a subversão da política editorial. No embate, a ética dos jornalistas possui um trunfo: a credibilidade de reconstruir a diversidade equânime do real é, sem dúvida, o maior patrimônio de qualquer instituição jornalística. Publicar notícias que distorcem voluntariamente à realidade em benefício do jogo de interesses pode comprometer o principal capital cultural dessas empresas, mesmo sendo, em muitos casos, sua principal rentabilidade. Assim, o jornalista deve posicionar-se constantemente de maneira crítica nas redações, questionando, resistindo e negociando a reconstrução da realidade apresentada por esses veículos. Sua ética torna-se uma postura de constante confronto. Jornalista conformado e acomodado em veículos comerciais é indício de subserviência à ética empresarial.
Desta maneira, a perícia principal do jornalismo é a seleção dos fatos atuais de relevância pública para a difusão coletiva. Para isso, o profissional precisa de uma profunda formação humanística baseada na compreensão do que seja o público, o convívio social, a diversidade cultural e as relações democráticas. O jornalista atua como fomentador do debate público, essencial para as decisões partilhadas. Além dessa formação ampla, o jornalista necessita também de uma capacitação técnica específica para produzir notícias adequadas às características dos veículos e dos receptores. Deve buscar superar a defasagem entre a transmissão e a recepção, através de iniciativas colaborativas e participativas na produção noticiosa. Por isso, o bacharelado é um curso imprescindível para a formação dos jornalistas dado que é a única graduação que permite um conhecimento, ao mesmo tempo, amplo e focado sobre um campo.
Lamentavelmente, nada disso foi discutido no Supremo. Os votos e argumentos da defesa e acusação, em nada, abordaram a missão pública do jornalismo, suas dificuldades, sua ética, sua perícia e sua técnica. Limitaram-se a discussões sobre a livre iniciativa de mercado para o exercício das profissões, a liberdade de expressão como um direito de foro íntimo (e não público) e à moralidade particular do testemunho da realidade. A regulamentação do jornalismo passa agora mais do que nunca para o âmbito das lutas sociais pela democratização da comunicação.
* Professor universitário dos cursos de Jornalismo da UFC, Fa7 e Fanor. Jornalista e assessor de comunicação.
Publicado no site da FENAJ em 29/06/2009
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Decisão Nociva
O extermínio do diploma de Jornalismo e a norma de fantasia do Supremo Tribunal
* João dos Passos Martins Neto
Segundo o Supremo Tribunal Federal, a exigência de graduação em curso superior como condição para o exercício da profissão de jornalista, prevista na legislação ordinária, é incompatível com a Constituição. Proferida em junho de 2009, com o voto divergente de apenas um dos juízes da Corte, a decisão arrufou melindres e chocou inteligências pelas comparações entre o jornalismo e a culinária e pela suposição de que a atividade jornalística não requer uma técnica específica. Todavia, o defeito capital do julgamento é outro e seu nível de nocividade é muito mais profundo. Ele diz respeito, conjuntamente, ao exercício arbitrário do poder judicial e à manipulação temerária dos textos constitucionais submetidos à interpretação e aplicação.
A obrigatoriedade do curso superior para exercício do jornalismo está prevista no Decreto-Lei nº 972/1969. A norma, como tantas outras da época do regime militar, foi editada pelo poder executivo, mas gozando da mesma força atribuída às leis ordinárias aprovadas no parlamento, na conformidade da Constituição anterior. Daí a expressão Decreto-Lei (Decreto, por ser ato do poder executivo; Lei, por ter força de ato legislativo típico). Com a superveniência da nova Constituição em 1988, a figura do Decreto-Lei foi abolida, não havendo mais possibilidade de edição, para o futuro, de espécies normativas desse tipo. Os Decretos-Leis expedidos no passado, contudo, aí incluído o que regulamenta a profissão jornalística, não perderam automaticamente sua vigência com o advento da nova ordem constitucional porque, do ponto de vista formal, sua elaboração fez-se de acordo com as regras de competência e procedimento estabelecidas na Constituição anteriormente vigente. Segundo entendimento assentado na doutrina constitucional, para que sejam considerados revogados ou não recepcionados, não se pode invocar o fato de que sua forma de elaboração não é mais admitida. É preciso, em vez disso, que seja identificável um conflito de conteúdo ou substantivo entre as suas disposições e as disposições da nova Constituição.
Por isso, a derrubada do requisito do diploma, na esfera judicial, dependia da constatação de um conflito do seguinte tipo: a lei ordinária e a lei constitucional são contraditórias; enquanto a primeira exige a formação superior, a segunda a dispensa. Nessa hipótese, uma vez que a lei constitucional vale mais do que a lei ordinária, a norma de inexigibilidade teria que prevalecer sobre a norma de exigência. Mais: no caso de estar configurada a contradição, o Supremo Tribunal Federal estaria autorizado a afastar a norma de exigência em favor da norma de inexigibilidade. Só assim sua intervenção dar-se-ia no campo da atuação jurídica. No Estado Constitucional, nenhum juiz pode, legitimamente, derrubar uma lei segundo critérios de mera discordância e contrariedade. Pode fazê-lo em razão da necessidade de impor respeito uma norma de nível superior, caso em que estará apenas defendendo e prestigiando o direito mais alto, e não simplesmente negando, por descontentamento, o direito mais baixo.
No caso, o conflito normativo jamais existiu. Para começo de conversa, mesmo os juízes do Supremo Tribunal Federal haverão de transigir num ponto: a Constituição não contém qualquer norma que, de modo expresso e categórico, comande algo como “o exercício da atividade jornalística é livre a todas e quaisquer pessoas e independe de graduação em curso superior”. Portanto, enquanto o requisito do diploma tem previsão em texto de conteúdo inequívoco da legislação ordinária, a existência de uma norma constitucional de inexigibilidade seria, no mínimo, bastante incerta e sujeita a controvérsia. Na literalidade do texto constitucional uma tal norma não é encontrada, de modo que seu reconhecimento poderia apenas ser inferido ou deduzido indiretamente de outras disposições de algum modo correlatas e genéricas. Ainda que inferências e deduções sejam tarefa normal da interpretação jurídica, o fato de que a única vontade legislativa manifesta impõe o diploma deveria gerar a presunção de legitimidade da exigência e sujeitar a solução contrária a severas resistências metodológicas.
O mais notável, contudo, é que as normas constitucionais mais próximas e conexas com o assunto, muito longe de permitir a extração de um comando implícito de inexigibilidade do diploma, na verdade reforçam a sua inexistência. No art. 5º, XIII, a Constituição diz que “é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações que a lei estabelecer”. No art. 22, XVI, a Constituição diz que “compete privativamente à União legislar sobre condições para o exercício de profissões”. Combinadas, as duas disposições implicam o seguinte: a lei constitucional transferiu para a lei ordinária, deliberadamente, o poder de dispor sobre quais profissões terão ou não seu exercício sujeito, por exemplo, à graduação em curso superior. A razão é óbvia. A lei constitucional faz a regulação essencial dos poderes estatais e dos seus limites, mas não desce – e nem pode – à minúcia da regulamentação de profissões. Ela tende, por natureza, a silenciar absolutamente sobre requisitos de exercício profissional.
O legislador ordinário tem assim, por delegação constitucional expressa, autonomia para não só exigir ou dispensar o curso superior, mas também para definir e avaliar os critérios que devem presidir sua decisão. É claro que se trata de autonomia relativa, limitada, condicionada. A lei, qualquer lei, deve ser sempre razoável, não pode ser expressão de um desatino, uma psicose, um ódio, enfim, de um ato arbitrário, sem razão plausível. É indiscutível que juízes devam recusar leis desse tipo. No caso, porém, a lei do diploma de jornalismo passa fácil no teste da razoabilidade, summa cum laude.
Em primeiro lugar, o fato de existirem boas razões em favor da inexigibilidade não significa que não existam boas razões em favor da exigência. Isso vale não só para o jornalismo, mas para a administração, a psicologia e até para o direito. Em segundo lugar, a existência de controvérsia sobre o que é melhor e o que é pior não indica irracionalidade da norma que, no embate dos prós e dos contras, escolhe um dos caminhos possíveis e aceitáveis. Ao contrário, o principal indicador de uma norma sem razoabilidade é a ausência de disputa, é o consenso na objeção que sucede a sua adoção.
Nesse sentido, a lei do diploma é, como inúmeras leis, simplesmente polêmica, mas nunca, jamais, destituída de razoabilidade ou racionalidade. É apenas o produto de uma opção política do legislador autorizado, feita conscientemente num quadro de sérias e ponderáveis razões concorrentes. É, enfim, uma norma perfeitamente constitucional na perspectiva da noção de razoabilidade. A propósito, ao enunciar o voto condutor do julgamento, o Ministro Gilmar Mendes advertiu que só chegou à sua conclusão “depois de muito refletir”. É curioso: se muito teve de refletir é porque as razões concorrentes, contra e a favor do diploma, foram percebidas como igualmente fortes, equilibradas. Em que pese o desfecho do processo, a declaração não deixa de equivaler a um atestado da razoabilidade da condição legalmente imposta.
As evidências de razoabilidade da lei eram difíceis de ultrapassar. Por isso, o Tribunal teve que apelar a um outro fundamento. Para a maioria dos juízes, a norma constitucional de inexigibilidade do diploma é dedutível da norma constitucional que assegura a liberdade de imprensa e o acesso à informação, ou mais especificamente, do art. 220, § 1º, segundo o qual “nenhuma lei conterá dispositivo que possa constituir embaraço à plena liberdade de informação jornalística em qualquer veículo de comunicação social”. Segundo o padrão do raciocínio, ao condicionar o exercício do jornalismo aos diplomados em curso superior, a lei ordinária veda o acesso de pessoas à atividade e, em conseqüência, reduz as possibilidades de circulação da informação. Em suma: a inexigibilidade do diploma é uma condição da liberdade de imprensa e, como tal, embora sem previsão expressa, é uma norma constitucional a ser logicamente pressuposta. Daí porque a lei do diploma seria incompatível com a Constituição.
O argumento é inviável. A cláusula constitucional da liberdade de expressão tem um único sentido seguro, nítido, identificável na história. Ela visa a impedir que o poder público, por seus legisladores, governantes e juízes, editem, executem ou endossem leis restritivas do conteúdo do discurso circulável por razões de divergência ideológica ou de contrariedade a interesses. Ela coíbe a instituição de verdades oficiais, a discriminação de pontos de vista, a catalogação de tabus ou assuntos proibidos, a interdição de doutrinas políticas, a censura da informação. Este é o núcleo essencial da cláusula: impedir a estatuição de limites arbitrários ao conteúdo dos atos comunicativos.
Desse sentido central e preciso, é no mínimo uma temeridade saltar para a conclusão de que a cláusula da liberdade de expressão compreende um comando específico que veda à lei condicionar o exercício da profissão de jornalista à formação superior. Seria algo aceitável, talvez, para decifradores de enigmas ou deslindadores de mistérios, não para juízes, de quem se deve esperar prudência em vez de acrobacias no escuro. Juízes devem impor direito certo, não ilações de validade incerta.
Se não bastasse, as premissas do argumento são inexatas e falaciosas. A lei não veda o acesso à atividade jornalística, apenas a condiciona. Qualquer um pode exercer a profissão desde que implemente a condição estabelecida, ou seja, cursar a faculdade. A atividade está franqueada a todos porque o que conta é a potencialidade do acesso. É assim sempre. Para ser advogado há que ser bacharel em direito, mas não se trata aí de impedimento. O caminho está livre, em potência, à universalidade de pessoas. A asserção de que a lei reduz a circulação da informação é especulativa, retórica. Os juízes não se apoiaram sobre qualquer base empírica, o que é sempre indispensável diante de uma duvidosa questão de fato. O efeito suposto é, além disso, improvável.
Muito mais avisado é acreditar no efeito contrário, isto é, no fato de que a exigência do diploma não tem qualquer repercussão sobre a amplitude da liberdade de informação. Quem conhece a dinâmica da atividade sabe que os veículos e os profissionais do jornalismo não são a fonte da informação, mas apenas o seu canal. A lei do diploma não afeta quem, vivenciando o acontecimento, traz a informação, mas diz respeito somente a quem a colhe, refina e divulga. Por isso, o requisito do diploma não parece ter aptidão para interferir negativamente sobre a maior ou menor circulação da informação. Se os acontecimentos são naturalmente independentes e as fontes não são bloqueadas, não há porque supor que a informação será mais ou menos abundante em função do número mais ou menos extenso de jornalistas. Além disso, ninguém está impedido de escrever em jornal por falta de diploma, mas apenas de exercer o jornalismo em sentido estrito, como profissão, em caráter permanente.
A verdade é outra: a otimização da liberdade de informação não depende da extinção da obrigatoriedade do diploma. Outros fatores, sim, é que são determinantes, como a ampliação do acesso às ondas estatais de rádio e televisão pela adoção de políticas que impeçam a sua concentração nas mãos de poucos, ou o controle rígido da publicidade oficial que costumeiramente se destina a comprar o silêncio de maus empresários da comunicação sobre os crimes, as omissões, os erros e a incompetência de autoridades públicas. Portanto, a relação de causa e efeito entre número de jornalistas e amplitude da liberdade, suposta pelo Supremo Tribunal, não só se ressente de demonstração, mas é implausível e irrelevante. Não havia, portanto, como o Tribunal pressupor a norma de inexigibilidade da formação superior da premissa hipotética de que se trata de uma condição de realização da própria liberdade de informação.
O contexto normativo ao qual se chega é o seguinte. Primeiro: não existe norma constitucional expressa vedando a exigência do diploma em curso superior para o profissional do jornalismo. Segundo: há norma constitucional transferindo para o legislador ordinário o poder de dispor sobre condições para o exercício de profissões. Terceiro: existe lei ordinária condicionando a atividade jornalística à formação superior. Quarto: a opção do legislador ordinário, conquanto passível de controvérsia, não pode ser qualificada como um ato insano, destituído de fundamento racional ou razoável. Quinto: a cláusula geral da liberdade de expressão não permite deduzir, salvo temerariamente, uma norma específica de inexigibilidade do diploma. O resultado é que a lei do diploma de jornalismo não é incompatível com a Constituição simplesmente porque a Constituição não regula a matéria. A lógica é singela. É impossível cogitar de um conflito entre a lei ordinária que dispõe (sobre a exigência do diploma) e a lei constitucional que não dispõe (sobre a inexigibilidade), já que não pode haver conflito entre uma disposição e uma não-disposição, entre uma norma e uma não-norma.
Na linguagem de um jornalista, fica fácil compreender o que fez então o Supremo Tribunal. No lugar da não-norma, ele pôs uma norma de fantasia (a da inexigibilidade) e, assim, provocou o conflito que antes de seu pronunciamento não existia, mas que foi fabricado somente naquele instante. Na linguagem de um advogado, a mesma idéia poderia ser assim traduzida: o Supremo Tribunal Federal não declarou um conflito normativo pré-existente, mas constituiu o conflito inexistente. Qualquer que seja o estilo da explicação, o procedimento é impróprio porque juízes estão autorizados a desenvolver as normas constitucionais, e não a fazê-las, forjá-las, inventá-las.
Logo, inconstitucional não é a lei do diploma, mas a decisão que a fulminou. Sob o pretexto do reconhecimento de uma incompatibilidade entre lei ordinária e norma constitucional, sob a aparência de uma intervenção legítima de natureza jurisdicional, talvez sob o domínio de uma surpreendente ingenuidade, os juízes do Tribunal, excetuado o Ministro Marco Aurélio, produziram e impuseram, como fonte originária do direito, uma regra nova, por razões, no fundo e ainda que inconscientes, de mera divergência e contrariedade em relação à regulação jurídica vigente. Honestas que fossem as intenções, o Tribunal, muito gravemente, usurpou prerrogativas legislativas, exorbitou das suas próprias e excedeu limites que se deve auto-impor espontaneamente a fim de evitar o mal da sua transformação num colégio de déspotas iluminados.
Nada do que dito foi implica afirmar que a sujeição da atividade jornalística à obrigatoriedade do diploma não possa ser questionada, flexibilizada ou mesmo revogada. Pode, sem dúvida, mas no nível da política, que é o nível do debate democrático, das decisões da sociedade, do exercício da soberania do povo, único titular do poder de produção originária do direito constitucional e infraconstitucional. O que é censurável é a supressão da instância política por uma autoridade judiciária que parece não se satisfazer e contentar com a nobre missão de ser a guardiã da ordem jurídica, mas que, para além disso, se deixa atribuir a si própria o poder absoluto de outorgá-la.
O Supremo tem, entre seus juízes, grandes valores, mas esta é a pior decisão de sua história recente. À margem de quaisquer evidências de uma real situação de incompatibilidade entre a lei ordinária e a lei constitucional, manipulou os textos jurídicos implicados segundo preferências subjetivas, dando-lhes uma exegese tendenciosa, ao modo de muitos intérpretes eclesiásticos do direito canônico. Não poderia tê-lo feito assim levianamente porque, no fim das contas, o que estava em jogo era uma decisão prestes a exterminar a dignidade de um diploma de curso superior e a causar um impacto intenso na ordem vigente e nas instituições, relações, direitos e aspirações constituídas legitimamente sob a sua égide há exatos quarenta anos.
* Professor de Direito Constitucional nos cursos de graduação e pós-graduação em Direito da Universidade Federal de Santa Catarina. Procurador do Estado de Santa Catarina. Bacharel em Jornalismo e Direito. Mestre e Doutor em Direito, com Pós-Doutorado pela Faculdade de Direito da Universidade de Columbia, NY, Estados Unidos. Autor do livro Fundamentos da Liberdade de Expressão (Insular, 2008)
Publicado no site da FENAJ em 26/06/2009
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Erro de Análise
Diploma de Jornalista
* Antônio Álvares da Silva
A recente decisão do STF, tornando desnecessária a exigência de diploma para o exercício do jornalismo, contém um erro de análise do mundo e das coisas que nele existem.
A Constituição garante o exercício de qualquer profissão – art. 5º, XIII, mas ressalva que a lei pode impor condições. Esta restrição leva em conta o interesse público da profissão, as exigências técnicas para seu exercício e o significado que tem para a sociedade. Para algumas profissões, estas exigências são óbvias: não se poderia conceber que um prático operasse o cérebro de uma pessoa ou que um pedreiro fizesse o cálculo estrutural de um edifício.
Outras vezes, as restrições não se ligam a impedimentos imediatos. Têm um objetivo mais amplo que diz respeito a interesses morais, políticos e sociais da vida comunitária. Exige-se então que a pessoa tenha formação que envolva valores mais altos e refinados, cuja exatidão não se mede com números, mas com habilitação cultural e humanística solidamente construída. Não se pode permitir que alguém se intitule professor de filosofia, depois da leitura de dois autores, nem de história, depois de estudar dois manuais.
É aqui que se situa a profissão de jornalista. Ele não é apenas um homem da palavra e da redação de textos que trabalha em alguma seção de jornal. A sociedade precisa de informação para tudo. O homem moderno não pode conhecer diretamente a complexidade dos dados e acontecimentos que hoje se agitam na complexa organização social em que vivemos. Por isto, tem que se servir dos órgãos de informação, ou seja, da atividade jornalística, na qual se abrigam conhecimentos técnicos, éticos e políticos, de fundamental importância e significado social, exatamente porque forma opinião e divulga a verdade.
Gay Talese, o grande jornalista americano, disse recentemente, em entrevista à Veja, que o jornalismo é a mais bela das profissões, porque não esconde nem protege um mundo irreal, como acontece muitas vezes com políticos, juízes, militares, empresários e várias outras que, muitas vezes, preservam um mundo que não corresponde à realidade. Pelo contrário, o bom jornalismo expõe a verdade ao povo, com coragem e determinação. Vara a casca dos corporativismos. Desmascara governos, falsidades de ministros e falaciosas versões oficiais. Mostra realidades ocultas e subtendidas, como atualmente faz com o Senado Federal. Só mesmo uma imprensa e jornalistas livres poderiam desempenhar tão grande e significativa façanha.
Portanto, além da formação técnica, do jornalista se exige conhecimento humanístico, filosófico, político e social. Como se pode escrever sobre a reforma do Judiciário, a rebelião do Irã, o problema árabe-israelense, a crise econômica mundial se não tiver conhecimentos especializados e gerais? Como pode interpretar um fato político e social se não possuir aparato técnico e cultural para a tarefa?
Estes conhecimentos, evidentemente, só se colhem nas Faculdades que são o manancial do saber puro, independente, descompromissado, holístico e completo. O conhecimento humano, principalmente nos dias de hoje, é por demais complexo para ser empiricamente apreendido. Exige esforço, dedicação e estudo. E isto só se faz com reflexão acadêmica.
A inexigência de diploma banalizou a profissão de jornalista. Reduziu-a a um empirismo barato e insignificante, cuja condição de exercício será agora apenas de um estágio e um mero registro num ministério, como se tão singelas formalidades fossem suficientes para o desempenho de uma profissão tão nobre e exigente.
Por que os órgãos da grande imprensa brasileira (Veja e Folha de São Paulo, por exemplo) louvaram a extinção do diploma? Se foi para baixar custos e contratar jornalistas baratos, estas empresas não enfrentarão a concorrência e em breve fecharão as portas. A razão é outra. O jornalista diplomado é um homem consciente de seus deveres. Exerce sua profissão com independência. Constitui sindicatos fortes e atuantes. Negocia coletivamente salários. Faz greve. Questiona a imprensa de interesses que age apenas como empresa, de olhos postos na vantagem econômica e não na missão social e política que dela se espera.
O jornalista diplomado e conhecedor de sua profissão divide o poder com o dono da empresa jornalística. Sua opinião tem peso. É independente. Tudo isto é visto como ameaça e está no fundo da argumentação contra o diploma pelos empregadores.
O ministro Gilmar Mendes, relator do processo, deu um exemplo: um chef pode ser um excelente mestre de culinária. Mas isto não significa que toda refeição deva ser por ele feita. Se a lição for seguida, os processos não precisam necessariamente de advogados e juízes. Podem ser conduzidos por rábulas. A medicina não necessita dos grandes médicos. Pode ser exercida por enfermeiros. As grandes construções não carecem de engenheiros e calculistas. Bastam as mãos experientes de pedreiros e serventes.
Então, a ciência e o saber aprofundados se tornarão descartáveis. Em nome da plena autonomia, todos estarão livres para viver na superficialidade das coisas. Fecharemos as portas da universidade para a ciência e abriremos suas janelas para o mundo do empirismo e do conhecimento sem sistema. Em nome da liberdade estaremos usando o meio mais seguro de matá-la.
* Professor titular da Faculdade de Direito da UFMG
Fonte: www.hojeemdia.com.br
Publicado no site da FENAJ em 26/06/2009
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Porta Aberta para Apadrinhados
Fim do diploma de jornalista: retrocesso profissional e político
* Luiz Gonzaga Motta
O Supremo Tribunal Federal decidiu nesta quarta-feira, 17 de junho, pela não obrigatoriedade do diploma universitário para o exercício da profissão de jornalista.
Assim, qualquer pessoa, independente de sua formação, poderá exercer o Jornalismo, mesmo que tenha apenas curso primário. Pior ainda, as empresas jornalísticas poderão contratar e colocar nos cargos de repórter ou editor os seus afilhados pessoais, compadres e apadrinhados políticos, independente do preparo da pessoa para a responsabilidade destas funções.
A quem interessa o fim da exigência do diploma de jornalista? Os méritos do diploma para a profissão do Jornalismo e para a sociedade são tantos, e tão óbvios, que é difícil imaginar razões coerentes para acabar com ele.
O argumento contra a reserva de mercado não cabe. A legislação em vigor não é exclusiva. Quem não é formado em Jornalismo, como médicos, engenheiros, advogados e outros profissionais, pode escrever regularmente artigos sem nenhuma restrição. Pode manter colunas, apresentar um programa de TV, debater neste programa, criar blogs etc. A legislação não é restritiva. É só conferir a diversidade de conteúdos que existe hoje na mídia brasileira. Todas as outras profissões liberais exigem formação específica. Por que o Jornalismo seria exceção?
A liberdade de expressão também não é argumento contra o diploma. Basta abrir qualquer jornal ou revista, ligar a TV em um canal qualquer ou acessar os portais da internet para ler ou assistir a livre expressão de ambientalistas, ruralistas, religiosos, agnósticos, militantes radicais ou conservadores. Tem de tudo. Por conta da legislação atual, ninguém deixa de se expressar livremente. O mercado de idéias nunca foi tão livre, fértil e plural neste país. A exigência do diploma nada tem a ver com restrição à liberdade de expressão, portanto.
Se as escolas proliferaram e algumas delas têm qualidade suspeita para formar bons jornalistas, colocando no mercado profissionais desqualificados, o remédio não é acabar com o diploma. É preciso monitorar os cursos, aprimorá-los, avaliá-los periodicamente e fechá-los em caso de reincidência. Mas, a exigência do diploma nada tem a ver com a má qualidade de muitos jornalistas. Cursos de Direito foram recentemente mal avaliados, mas ninguém sugeriu acabar com exigência do diploma de advogado por causa disso. A má qualidade não decorre da exigência do diploma. Não vale enfiar a cabeça no buraco, como um avestruz.
Aparentemente, só empresas provincianas, familiares ou pouco profissionais têm interesse no fim do diploma. Isso daria a elas liberdade para empregar parentes, afilhados e compadres, sem formação. Talvez o fim do diploma possa ser também útil a algumas empresas de fachada moderna, mas interessadas no enfraquecimento da profissão para reduzir salários e manipular as relações empregatícias. Argumento mesquinho e arcaico. Como se fosse justificável hospitais e clínicas contratarem práticos da saúde no lugar dos médicos e dentistas formados para pagar a eles salários menores. Ou, se pudéssemos voltar ao tempo dos rábulas, para substituir os advogados formados.
A profissão de jornalista foi abastecida nos últimos 40 anos pelos cursos universitários, uma conquista da categoria e da sociedade. Nas últimas décadas, o Jornalismo brasileiro ganhou qualidade com a existência das escolas e a exigência do diploma. A maioria dos grandes nomes do Jornalismo brasileiro, hoje, é formada em faculdade. Não é preciso enumerá-los.
O Jornalismo passa hoje por uma mudança radical. O jornalista é cada vez menos um técnico e cada vez mais um analista político e social. Com desenvolvimento da tecnologia multimídia e o avanço da democracia no país, o Jornalismo tornou-se o espaço público por excelência. O espaço de mediação democrática dos conflitos. As fontes tornaram-se atores políticos e sociais ativos. Profissionais capazes de interpretar os conflitos e lidar com a multiplicidade de fontes são formados pelas universidades, não pelas relações clientelistas.
* Jornalista e professor da Universidade de Brasília, doutor em Comunicação pela Universidade de Wisconsin (EUA) e mestre em Jornalismo pela Universidade de Indiana (EUA)
Publicado no site da FENAJ em 26/06/2009
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O fim da exigência de diploma para o exercício do jornalismo
* Tomás Barreiros
O destino de dezenas de milhares de brasileiros portadores de diploma superior de Jornalismo foi afetado hoje por um julgamento levado a cabo por magistrados que demonstraram não saber o que estavam julgando.
Julgava-se a obrigatoriedade ou não do diploma de Jornalismo para o exercício da profissão. Mas todas as falas dos magistrados indicavam que eles estavam analisando outra coisa. Eles falavam do direito à livre expressão do pensamento. Outra coisa, completamente diferente.
O pior de tudo é que eles pareciam nem ter se dado conta dessa diferença. Tal cegueira seria mesmo fruto de uma enorme ignorância a respeito do que julgavam ou haveria outra coisa nos bastidores? Talvez não seja de duvidar essa hipótese, dado, por um lado, o enorme poder político e econômico dos interessados no fim do diploma e, de outro, a tradição de pouca confiabilidade de nosso sistema judiciário.
Será que os juízes do STF acreditam mesmo que os proprietários de veículos de comunicação que defendiam o fim do diploma estavam interessados em defender a liberdade de expressão, como raposas que defendem a abertura das portas do galinheiro para o bem da liberdade das galinhas?
A exigência de diploma para o exercício da profissão de jornalista tem tanto a ver com o direito à livre expressão do pensamento quanto a exigência de Carteira Nacional de habilitação com o direito constitucional de ir e vir.
Pela lógica dos juízes do Supremo, qualquer cidadão poderia dirigir – caso contrário, estaria tolhido na sua liberdade de ir e vir. Pela mesma lógica, os cidadãos poderão prescindir do trabalho dos advogados, em qualquer circunstância, em nome do direito constitucional à ampla defesa.
Como se vê, parecem absurdos – assim como é absurdo relacionar a exigência do diploma com a limitação à livre expressão do pensamento.
Os distintos senhores magistrados do STF têm uma ideia completamente romântica e ultrapassada do jornalismo, como se estivessem parados no século 19 ou início do século 20. Acham que ser jornalista e trabalhar num veículo de comunicação significa expressar livremente o pensamento. Ou seja, eles não têm qualquer noção do que é o trabalho do jornalista. Acham que o jornalista tem como função manifestar seu pensamento – o que todos nós, jornalistas, sabemos que não pode ser feito pelo jornalista, a não ser em casos excepcionais ou muito específicos, como na redação de artigos e crônicas, gêneros, aliás, abertos a qualquer pessoa, com ou sem diploma.
O fim do diploma tem vários subsignificados muito tristes. Como a demonstração do total despreparo dos juízes do STF para julgar uma matéria sem conhecimento mínimo do que estão tratando. A incapacidade da classe dos jornalistas de se articular com força contra os capitalistas da mídia. A facilidade imensa que têm o poder do capital contra a fraqueza dos trabalhadores nas instâncias de poder.
Esperemos agora as consequências do fato. A desvalorização da profissão. O achatamento dos salários. A ideologização cada vez maior das redações. O povoamento das redações com estagiários de vários cursos e com apaniguados do dono do negócio. Funcionários cada vez mais submissos aos condicionamentos do patrão. Enfim, tudo com que sempre sonharam muitos dos donos da mídia.
E os senhores magistrados dormirão tranquilamente, embalados por sua ignorância – que lhes garante estar convencidos de que não fizeram nada de errado.
* Jornalista profissional diplomado e professor universitário
Artigo distribuído em listas de e-mails no dia 17/06/2009
Publicado no site da FENAJ em 22/06/2009
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Extra-Extra: Supremo Oráculo de Delfos tem mais um transe
* Michel Mendonça Ribeiro
Estava eu no I Simpósio de Direitos Humanos e Fundamentais que ocorreu no Auditório Jorge Amado da UESC, numa tarde de quarta no mês de maio, quando ouvi o professor Mário Lúcio Quintão, da PUC de Minas, se referir ao Supremo Tribunal Federal como sendo um verdadeiro “Oráculo de Delfos”.
A respeito, pensei… pensei… pensei… escrevi:
Superior Oráculo Brasileiro de Delfos
Apreciador de questões fundamentais
Sacerdotes e ninfas pensam decisões mandamentais
Com supedâneo em transes verdadeiros
Prolatam profeticamente por derradeiro
Cantam o desafino do real em liras apocalípticas
Ao ritmo de cordas apolíticas (de Apolo mesmo)
O Oráculo de Delfos era um templo localizado na cidade de mesmo nome, no centro religioso da Grécia Antiga. Ele era muito procurado pelas pessoas, incluindo generais e grandes guerreiros, que recebiam profecias, visões do futuro, conselhos e orientações dadas por sacerdotisas que se baseavam em transes provocados por gases emitidos por uma fenda subterrânea no local e representavam o Deus Apolo (patrono do Oráculo e Deus dos adivinhos e profetas que é comumente visto em esculturas com uma lira em mãos e uma coroa de louros).
O Supremo Tribunal Federal é realmente um oráculo situado no Brasil. Lá se colocam questões e conflitos da maior importância à apreciação de quase deuses, sacerdotes e ninfas que – algumas vezes baseados em verdadeiros transes e êxtases sobrenaturais – prolatam sentenças proféticas, sem nexo e consideradas verdades absolutas, em nome do Deus Apolo (o povo). E tais sentenças são cantadas ao som e ritmo do desafino de uma lira tocando uma composição imperfeita.
Talvez fosse coerente escutar o saudoso semideus Hércules Barbosa que disse ao todo poderoso Zeus Mendes: “Saia às ruas!”, isto é, desça do Monte Olimpo.
Afinal de contas, como diria o poeta, “aqui embaixo as leis são diferentes”.
Muitas das decisões da instância máxima do Poder Judiciário brasileiro se assemelham a transes de grandes sábios que mal se dão conta do que acontece por detrás das paredes de um salão de audiências. Contudo, as questões discutidas no STF não dependem puramente da atividade contemplativa, devem ser pragmaticamente tratadas, buscando-se soluções efetivas aos problemas postos.
De fato, o STF tem introduzido avanços à questões políticas, sociais e jurídicas.
Mas, para que este tribunal seja mais creditado e faça o povo brasileiro pensar que os acordes das desgraças e desigualdades sociais estão se afinando com as sentenças que proferem, compondo uma melodia perfeita e intitulada democracia, seus integrantes ainda terão que evoluir muito espiritualmente até que os seus transes sejam considerados divinos.
O mais recente transe ocorreu no dia 17 de junho. Nessa data, o presidente do nosso Oráculo, Gilmar Mendes, suspendeu a exigência do diploma do curso superior de jornalismo para se exercer a profissão.
Em relação à decisão digo: “ela é puro êxtase!”
Verdadeiro transe! O arrebatamento espiritual que se supõe ter abatido o querido Gilmar deve ter sido severo. Senti um profundo temor. Primeiro, em razão das dúvidas que me surgiram a respeito das conseqüências dessa concessão. Em segundo, porque a decisão do referido ministro abre precedentes perigosíssimos. Por fim, de que esse arrebatamento também venha a me acometer um dia.
Explico!
A derrubada da obrigatoriedade do diploma de jornalista causará uma desregulamentação profunda da profissão. Por exemplo, caso seja lançado um edital de concurso público para jornalistas, quem poderá se inscrever? Penso que qualquer um poderá se dizer jornalista por aí. Ou será que irão estabelecer um teto mínimo de notícias editadas, matérias publicadas ou trabalhos realizados para alguém se auto-intitular jornalista? Duvido muito.
A mídia possui um papel fundamental na sociedade, sobretudo numa civilização carente de maturação política como a nossa. Não se elegem representantes no Brasil por propostas, plataforma política ou ideologia partidária. O povo é praticamente aliciado por rádios, jornais, impressos, etc. e quase coagido a eleger o candidato mais “legal”. Nada bonito, e a mídia tem papel fundamental sobre isso. Agora imaginemos o que já se vê somado a um número exorbitante de novos jornalistas não diplomados. Acredito que um jornalista deve ter consciência ética e moral do seu trabalho e do poder de influência que exerce sobre a sociedade, buscando utilizar todo o seu talento para promover o bem, assumir um compromisso com a verdade e levar a informação ao povo de maneira correta.
É certo que valores não se aprendem nas universidades e faculdades, mas lá o contato com as diferenças e as noções de interdisciplinaridade no processo do conhecimento, ao menos o que se imagina, humaniza o profissional e o torna mais sensível aos problemas do mundo. Filosofia, Sociologia, História do Jornalismo, História Social, Cultura, Metodologia da Pesquisa, Estatística, Psicologia, Política e Poder e Antropologia são exemplos de disciplinas auxiliares que devem ser ensinadas a qualquer jornalista para que exerça o ofício magistralmente e não de modo meramente mecânico ou robótico.
Reconheço o trabalho fantástico de muitos que podem se dizer verdadeiramente Jornalistas, apesar de não possuírem diploma. Mas, esses são exceções e com certeza não devem estar enfrentando grandes problemas profissionais, pois são competentes e certamente estão empregados. Mas, a meu ver, a regra será a de que um blogueiro ou um moderador de site sem caráter, infeliz e irresponsável irá se intitular jornalista profissional e se tornará peça essencial à atividade midiática com poder de autoridade sobre a informação. Meu Deus…
A mídia hoje já é desacreditada por boa parte da população, ainda mais agora que não saberemos quem escreveu e porque escreveu determinada matéria.
No Brasil, a rede de conchavos que se instaura no processo de concessão de licitação e licença para muitas rádios já é inescrupulosa e muitas freqüências sintonizam em função de interesses políticos e funcionam para defender o que de interesse para as elites locais. Isso é muito ruim, mas tudo pode piorar!
Além do mais, a decisão de Gilmar Mendes é um grande e perigoso precedente que pode gerar prejuízos tremendos. Senão vejamos!
Por que exigir nível superior para ser Policial Federal ou Civil? Para ser Policial precisa de formação acadêmica e de diploma? Por que não se permite que qualquer pessoa vá até o fórum e exerça a profissão de Advogado? Para que serve a prova da OAB? É certo extingui-la e permitir que juízes sem bacharelado em Direito sejam togados só porque conhecem a legislação? Basta conhecer leis e teoria jurídica para se tornar profissional do Direito? E basta escrever notícias e falar nas rádios para se dizer Jornalista? Qualquer um que pega num bisturi e põe um estetoscópio no pescoço é um Médico?
Indago-me às vezes. Já pensou se o STF diz que não é mais necessário ao Médico possuir diploma. Dona Maria, curandeira, mesmo que importante na comunidade dela, poderia ser Médica e abrir um consultório ali no Centro?
De repente iriam surgir cursos profissionalizantes para Jornalista, Advogado, Médico, Psicólogo… Vejam só!
Jornalista para mim não é quem escreve ou profere bonitos discursos nos rádios e nas TVs. Jornalista é aquele profissional competente, íntegro e autêntico que se compromete seriamente, seja no ramo da moda, do esporte, da política, enfim. Bem como penso que o Advogado que se presta ao ridículo papel de subornar um escrivão não é um advogado, é um crápula que só contribui para macular a classe.
Posso dizer que existem “jornalistas” não Jornalistas e não Jornalistas que são Jornalistas. Entende? Da mesma forma existem os rábulas, que muitas vezes são muito mais competentes do que qualquer Advogado que possua um diploma. Talvez melhor fosse se buscar meios de conceder o título de Jornalista apenas àqueles compromissados de fato com a notícia séria e o respeito ao cidadão, aí sim, independentemente de diploma. Mas aí diriam que isso é anti-democrático: “ou é pra todos ou é pra ninguém!”
A TV e o rádio são os principais meios de comunicação na sociedade atual. Afinal, todos nós sabemos a senha da Insinuante e muitos já foram ouvintes do programa Alerta Geral de Ilhéus – muito bom por sinal. Não poderíamos correr o risco de estarmos à mercê de informações cada vez mais deturpadas e sem fundamentação. Mas estamos correndo.
Espero que muitos se cansem de correr e manifestem sua indignação em relação a tudo isso.
O STF deveria ter pegado mais leve e ter ido devagar ao invés de divagar.
Mas divagando, fez-se o que se fez e, enquanto estudante de Direito, tenho medo que esse espírito fantasmagórico que encosta nos profissionais da área e os fazem cometer erros assim um dia me agarre e faça ter esses transes apolíticos ou apocalípticos. Tenho medo também que mais tarde digam que não é mais necessário ser bacharel em Direito e ter sido aprovado na prova da OAB para ser Advogado.
Imaginem agora, ao final do texto, que eu pudesse me dizer jornalista por tê-lo publicado num site ou periódico, apenas por ele merecer o nosso respeito ou ser considerado extremamente sério. Imaginem mais! Imaginem que eu ingressasse em juízo exigindo direitos trabalhistas sob a alegação de estar prestando serviços profissionais ao moderador ou editor-chefe.
Nada certo, não é verdade?
* Amedrontado estudante de Direito da UESC – Universidade Estadual de Santa Cruz – BA
Publicado no site da FENAJ em 22/06/2009
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Desabafo de uma jornalista profissional diplomada
* Leninha Viana
Quando escolhi fazer jornalismo, estava numa aula de história, no antigo 3º colegial, gozando de um passeio à Ilha de Búzios, que integra o arquipélago de Ilhabela, prêmio conquistado por uma redação que escrevi. No entanto, desde que entrei no colégio, já na antiga 2ª série, meus professores falavam do meu dom de escrever, de me expressar, de colocar meus pontos de vista, sugeriam que eu fizesse jornalismo.
Eu fiz. Não somente porque me sugeriram, mas também por saber dentro de mim que essa era a minha vocação aqui na Terra. Poderia exercer esse dom de várias maneiras, dar minha colaboração como articulista nos jornais locais, opinar sobre esse ou aquele assunto, dar “pitaco” naquela ou nessa situação, exercer a LIBERDADE DE EXPRESSÃO a que todos têm direito assegurado pela Constituição. No entanto, para ser JORNALISTA, eu precisava de uma formação, não bastava apenas sentar na cadeira e expor meus pensamentos num papel, até porque, na faculdade, eu aprendi que o exercício jornalístico é muito mais do que uma atividade literária, é necessário escrever com técnicas. Aprendi que o jornalista deve ser imparcial, contar os fatos, ouvir os dois lados, para que os leitores, ouvintes, telespectadores, tenham acesso à informação de qualidade e formem sua própria opinião diante do fato exposto.
Sim, prestei vestibular, passei na primeira chamada, mesmo contrariando muitas expectativas por ter cursado escolas públicas. Saí de Ilhabela aos 18 anos e fui enfrentar uma “cidade grande” sozinha, fui absorver todo o conhecimento que era capaz e crescer diante da vida. Não poderia ter feito isso sem a ajuda dos meus pais. Com muitas dificuldades eles custearam meus estudos, eu trabalhei durante os quatro anos pra pagar minha estadia.
Recorri à bolsa de estudos da Prefeitura para conseguir permanecer nessa jornada, contei com a ajuda de amigos especiais que por diversas ocasiões me ajudaram financeiramente e até mesmo com alimentação quando a grana estava muito curta.
Por quatro anos me instruí para ser uma profissional de qualidade. Minha vocação? Ajudou e muito, principalmente a paixão que tenho pela minha área, pois aliada ao conhecimento que adquiri no curso de Jornalismo, são responsáveis por eu estar atuando na área desde que me formei, pois me tornei uma profissional competente e dedicada.
Assim como eu, existem milhares de outras pessoas com histórias até mais interessantes e difíceis do que a minha, pessoas que cursaram universidades públicas, mas que tiveram custos com livros, roupa, calçado, alimentação e hospedagem, pessoas que viajam diariamente por essas estradas da vida em busca de formação profissional, pessoas que não cursaram universidade porque nasceram bem antes de 1969, quando o curso de Jornalismo foi regulamentado, mas que hoje defendem a formação para o exercício da profissão.
Existem pessoas que, tanto quanto eu, acreditam que o Jornalismo é uma carreira tão importante como a de um médico, advogado, professor, como qualquer outra, que para ser exercida é necessária uma formação técnica.
Mas tudo isso não teve valor para os senhores ministros do Supremo Tribunal Federal que, com toda empáfia e poder que lhes foram atribuídos, suspenderam a exigência do nosso Diploma para o exercício da nossa profissão. Ignoraram 40 anos de história, de lutas, de investimentos, de estudo, de informação de qualidade em função de uma minoria que insiste em atuar no mercado sem ter a qualificação necessária para fazê-lo.
A ridícula decisão do STF só beneficia o grupo patronal, os donos de empresa, que querem mão-de-obra barata. A quem devo recorrer para ressarcir todo o investimento em minha formação já que meu Diploma não vale mais nada?
Toda a formação a que esses ministros se dedicaram para chegar onde estão também foi ignorada com essa decisão esdrúxula, pois se na visão deles, o jornalismo é uma atividade autodidata, todas as profissões também o são, ora, pois na verdade o ser humano é autodidata. Dessa forma, se meu diploma não vale mais nada, vou me dedicar a estudar livros e mais livros de advocacia e exercer o direito por aí. Ou quem sabe medicina? Ou ainda odontologia? Qualquer outra carreira do tipo. Basta acordar com vontade de exercer uma nova profissão e me dedicar a tal.
É assim que deveriam funcionar as coisas a partir de agora. O curso de jornalista não impede que profissionais incompetentes façam coisas que desabonem nossa atuação? No direito, na medicina, na educação, em todas as áreas também existem maus profissionais. A formação profissional é condição mínima para exercer qualquer função especializada e o bom desempenho dependerá do caráter e da personalidade de cada um.
Alguém já perguntou para a sociedade se eles preferem ter acesso à informação através de um profissional qualificado ou de um precário? A situação é inconcebível e a própria sociedade não deveria fechar os olhos para isso. Está mais do que na hora de levantar o traseiro da cadeira e exigir informação de qualidade, vinda de profissionais competentes e qualificados para tal.
E aos demais profissionais de outras áreas, atenção, pois o golpe contra os jornalistas profissionais diplomados pode ser apenas o primeiro passo para atingir as demais carreiras. Um profissional precário é muito mais barato e manipulável do que um qualificado e com formação.
Não pensem os senhores ministros que me dou por vencida. Eu e todos os meus colegas diplomados desse país. Apesar de tudo, sabemos que o conhecimento que adquirimos na universidade ninguém tira e isto aliado à nossa vocação e experiência de vida faz e continuará fazendo a diferença entre um bom jornalista e um jornalista precário. Eu creio!
* Jornalista – Ilhabela/SP
Publicado no site da FENAJ em 22/06/2009
Fonte: http://fenaj.org.br