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domingo, 22 de dezembro de 2019

Brasileiros desenvolvem tecnologia de reconstrução craniana


Técnica poderá atender pacientes do Sistema Único de Saúde



Pesquisadores de oito instituições federais, estaduais e municipais desenvolveram uma tecnologia de reconstrução craniana, que poderá atender pacientes do Sistema Único de Saúde (SUS). De acordo com o pesquisador da Fiocruz e neurofisiologista Renato Rozental, coordenador da equipe multidisciplinar, foi desenvolvida uma prótese para reconstrução de defeitos ósseos extensos da calota craniana.
O pesquisador disse que um paciente fica, às vezes, sete ou oito anos esperando por uma solução, porque as possibilidades que existem no mercado são muito caras, com uma prótese de titânio chegando a R$ 200 mil. Esse valor envolve somente a malha de titânio, disse. “É inviável”.
A solução que o grupo liderado por Renato Rozental desenvolveu é 20 vezes mais barata, ou seja, tem custo em torno de R$ 10 mil. O pesquisador salientou que esse preço é sem escalonar. “Quando nós escalonarmos o processo, vai ficar ainda mais barato e, além disso, tão eficaz ou mais do que o titânio”.
Rozental esclareceu que uma vez que o paciente tenha uma janela, um buraco ou uma ferida óssea no crânio, este fica fragilizado. Se colocar uma malha de titânio e a cabeça do paciente sofrer novo impacto, o crânio que já está fragilizado pode rachar. Já a prótese apresentada pelo grupo liderado pela Fiocruz foi desenvolvida de tal forma que, se houver um outro impacto, o que vai fragmentar é a prótese e não o crânio da pessoa.
 Reprodução de imagem de computador apresenta molde e colocação de prótese de cimento ósseo desenvolvida com tecnologia de custos reduzidos por equipe multidisciplinar da Fiocruz, para reconstrução craniana.
Reprodução de imagem de computador de molde e colocação de prótese de cimento ósseo - Fernando Frazão/Agência Brasil

Molde personalizado

O pesquisador explicou que o molde é personalizado para cada paciente. Ele é feito a partir da ferida óssea com imagens de tomografia, que faz o negativo daquele buraco. O molde é feito em impressora 3D. “É como se você fizesse a forma do bolo que vai colocar no forno. A forma você guarda e usa de novo quando quiser fazer outro bolo. O molde é feito com a ferida óssea daquele paciente”.
“A imagem tomográfica dá toda a dimensão do crânio. É calculada então a peça que está faltando e a impressora 3D faz o negativo ou molde correspondente. Por isso, se for necessário, dá para fazer um novo molde em um processo muito ágil, e pode ser esterilizado rapidamente. Isso permite que o paciente saia do centro cirúrgico já com uma nova prótese”, explicou Rozental.
Somente este ano, foram feitos 32 moldes, sendo 23 para Pernambuco e nove para o Rio de Janeiro.
Os pesquisadores atendem pacientes civis e militares incluídos nessa primeira fase. Os militares foram vítimas de lesão por ferimento por projétil de arma de fogo. Já os civis selecionados, apresentavam tumores cerebrais, acidentes vasculares encefálicos, conhecidos como derrame, ou traumatismo cranioencefálico, que levaram ao aumento da pressão craniana e foi necessário abrir uma janela extensa na calota craniana, que os especialistas chamam de defeito ósseo.
Nesses pacientes, foi feita a reconstrução do defeito ósseo no intra-operatório (período em que decorre uma operação cirúrgica), fase permitida pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).
Rozental ressaltou que a prótese não foi colocada em animais, nem em laboratório, mas em pacientes que apresentavam defeitos ósseos extensos por terem sido submetidos a craniectomia descompressiva, “para descomprimir o encéfalo ou cérebro, devido a uma variedade de situações”.

Unidade piloto

 Molde e prótese de cimento ósseo para reconstrução craniana desenvolvida com tecnologia de custos reduzidos por equipe de pesquisadores multidisciplinar da Fiocruz
Molde e prótese de cimento ósseo para reconstrução craniana desenvolvida com tecnologia de custos reduzidos por equipe de pesquisadores multidisciplinar da Fiocruz - Fernando Frazão/Agência Brasil
Com o patrocínio do Ministério da Saúde, a ideia dos pesquisadores é montar uma unidade piloto de impressão 3D para poder abastecer os hospitais da rede do SUS e os hospitais militares de todo o país. “Em todas essas unidades, você vê filas de pessoas que sofreram esse procedimento e estão aguardando uma possibilidade de reconstrução do defeito ósseo, fora os novos casos que acontecem todo ano”.
Renato Rozental disse que os CTIs dos hospitais no Brasil estão lotados de pessoas acidentadas no trânsito das rodovias, sem falar nos feridos por arma de fogo.
A restauração ou reconstrução de um defeito ósseo, segundo o pesquisador, não é somente uma questão estética. “Não é somente fechar um defeito ósseo, que por si só justificaria. É dantesco. Outro ponto importante é que, quando você deixa aberto aquele defeito ósseo, ele altera o fluxo sanguíneo cerebral. Quando você reconstrói, melhora a perfusão cerebral e, com isso, você impacta diretamente na cognição e no comportamento daquele paciente. Sem a reconstrução, o paciente se sente excluído da sociedade. Mas, fazendo o processo, você possibilita a reintegração daquele paciente não só pela aparência, mas também melhora a perfusão cerebral dele e toda uma integração social diferente daquela situação anterior. É um processo muito importante porque reintegra o paciente e tem gasto bem menor”.
Segundo o pesquisador da Fiocruz, a nova tecnologia foi possibilitada pelo Complexo Econômico e Industrial do Ministério da Saúde.

Protocolo

O grupo multidisciplinar pretende definir, em 2020, um protocolo que será encaminhado ao Ministério da Saúde, visando conseguir apoio do governo federal para que essa unidade de manufatura aditiva seja montada na Fiocruz, já com um viés assistencial. “A receita do bolo vai ser normalizada para todos os fornos”, disse Rozental.
Renato Rozental infformou que a demanda anual alcança entre 200 e 300 cranioplastias. De acordo com dados do DataSUS do Ministério da Saúde, de janeiro de 2008 a setembro de 2019, o maior número desses casos ocorreu na Região Sudeste, com 49%, seguido da Região Nordeste, com 19%, e da Região Sul, com 15%. Ainda de acordo com o DataSUS, dependendo do procedimento, cerca de 2 mil a 3 mil processos de craniectomia descompressiva são realizados por ano no Brasil.
O projeto envolve a Fundação Instituto Oswaldo Cruz (Fiocruz); a Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ); a Universidade Federal Fluminense (UFF); o Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas (CBPF); o Centro de Tecnologia da Informação Renato Archer, localizado em Campinas e vinculado ao Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC); o Instituto de Metrologia, Qualidade e Tecnologia (Inmetro); o Hospital da Restauração, em Pernambuco; e o Hospital Municipal Miguel Couto, no Rio de Janeiro.


Por Alana Gandra - Repórter da Agência Brasil
Edição: Fernando Fraga

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