Evento teve participação de procuradores, indígenas e especialistas
José Cruz/Agência Brasil
O Ministério Público Federal (MPF) promoveu hoje (19), Dia Nacional de Luta dos Povos Indígenas, um seminário online para debater os riscos envolvidos na mineração em terras indígenas e a nova regulamentação proposta para a atividade. O projeto de lei foi apresentado no ano passado ao Congresso pelo governo federal (Projeto de Lei 191/2020).
O evento foi organizado pela Câmara de Populações Indígenas e Comunidades Tradicionais do MPF, cuja titular é a subprocuradora-geral da República Eliana Torelly. Em junho do ano passado, ela assinou uma nota técnica recomendando ao Congresso a rejeição do projeto, que em sua visão é contrário aos direitos constitucionais dos indígenas.
Todos os participantes do seminário se posicionaram contrários a uma nova regulamentação para exploração mineral em terras indígenas. Um dos palestrantes, o procurador da República Luiz de Camões Lima Boaventura destacou que o projeto, no entender do MPF, viola a Constituição ao não prever que cabe aos indígenas o usufruto exclusivo das riquezas do solo, entre outros pontos.
Para ele, o projeto pode aumentar os garimpos ilegais na Amazônia brasileira, por sinalizar uma possível regulamentação da atividade. O procurador mencionou também que investigações do MPF apontam o aliciamento de indígenas por garimpeiros para que participem de atos em apoio ao projeto. “Esse diálogo não pode ser selecionado com indígenas envolvidas com o garimpo”, disse.
Lideranças
A líder indígena Sonia Guajajara disse no encontro que interessados na aprovação da lei “promovem conflito entre os indígenas”, mas que a estratégia não deve funcionar, em sua avaliação, devido à atuação de diversas lideranças e à experiência que os próprios povos indígenas já têm com o garimpo e a mineração. "A gente já sabe bem que destrói não só o meio ambiente como o modo de vida das pessoas, sem contar a contaminação das águas”, afirmou ela.
Outro palestrante no evento foi Davi Kopenawa, liderança yanomami que há décadas luta contra a presença de garimpeiros em terras indígenas. “Não queremos mineração em terra yanomami”, resumiu ele.
Em nome do Instituto Socioambiental (ISA), que atua em defesa dos direitos dos povos indígenas, Mauro Santilli frisou que a Constituição prevê a autorização pelo Congresso de cada empreendimento mineral em terra indígena, e que flexibilizar isso “pode ser um quadro trágico para o futuro”.
Saúde
O médico e pesquisador Erick Jenning, que há décadas atua na atenção de saúde aos povos indígenas por meio da Secretaria de Saúde Indígena (Sesai), do Ministério da Saúde, apresentou dados a respeito do impacto das atividades de mineração sobre a saúde dos povos indígenas da Amazônia.
Num estudo que, em 2019, mediu o nível de mercúrio em 109 indígenas munduruku do Vale do Rio Tapajós, por exemplo, foi constatado que 108 deles apresentavam no organismo níveis do metal acima do recomendado pela Organização Mundial da Saúde (OMS), alguns 15 vezes mais.
Após examinar integrantes de comunidades às margens de cinco diferentes rios, inclusive afluentes sem histórico de garimpo, o estudo concluiu que “áreas com maior histórico de garimpagem apresentam maior incidência de queixas neurológicas”, disse o pesquisador, que é também neurocirurgião.
Ele avaliou que ampliar a possibilidade de mineração em terra indígena pode causar uma nova sobrecarga sobre o subsistema de saúde indígena. “Acho que o país não está pronto, nosso subsistema de saúde não está pronto para segurar todo esse passivo que vai ser”, disse.
Funai
O projeto de lei que trata da mineração em terras indígenas foi elaborado por um grupo de trabalho coordenado pela Casa Civil da Presidência da República em parceria com ministérios, como o de Minas e Energia. No caso de exploração de garimpo por não indígena, o texto estabelece que deverá haver o consentimento prévio da comunidade.
Em entrevista à TV Brasil, o presidente da Fundação Nacional do Índio (Funai), Marcelo Xavier, destacou a importância da autonomia dos povos indígenas. “A nova Funai entende que é através do etnodesenvolvimento e auferição de renda que nós podemos levar dignidade às comunidades indígenas”, disse. “O indígena tem que ser o protagonista da própria história, a Funai entende que o indígena é que tem que dizer se aceita ou não determinada forma de se conduzir, afinal de contas ele tem usufruto exclusivo da sua área. Então quem tem que dizer o que faz ou deixa de fazer nesta área é o próprio indígena”, completou Marcelo Xavier.
Por Agência Brasil - Brasília
Edição: Valéria Aguiar
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