O STF está julgando o HC 232627 e o Inquérito 4787 que vão
alterar o entendimento sobre a competência especial por prerrogativa de função
de agentes públicos. Está em discussão nova interpretação pela manutenção da
prerrogativa de foro após a saída do cargo. Embora o julgamento em plenário
virtual ainda não tenha acabado, o STF já tem maioria a favor dessa extensão do
foro privilegiado, seguindo o voto do relator Gilmar Mendes. O pedido de vista
do ministro André Mendonça pode adiar o julgamento por até 90 dias. Espera-se
que ele devolva antes porque seu eventual voto contrário não vai alterar o
resultado. E também porque os demais ministros
podem continuar votando até o dia 19/4. Além
de Gilmar Mendes, também já votaram pela manutenção do foro após a saída do
cargo os ministros Toffoli, Moraes, Zanin, Dino e Barroso. Em seu voto, Gilmar
alegou que os processos desse tipo de réu seriam transferidos para instâncias
inferiores apenas quando o crime tiver sido praticado antes de assumir o cargo
público ou não tiver relação com o exercício desse cargo. O voto de Zanin, também pela estabilização do foro por
prerrogativa de função, sustenta que a competência é fixada no momento da prática
do crime. Isso previne o manejo manipulativo com potenciais renúncias e esperas
de fim de mandato, ou candidaturas e posses em outros cargos. Essas
mudanças de competência facilitam a prescrição dos crimes e frustram a
realização da justiça.
A razão de ser do foro especial é a
proteção do exercício da função pública. Busca-se garantir que certos agentes
públicos possam atuar com independência. Que poderiam ser constrangidos por
decisões de instâncias inferiores mais sensíveis às disputas políticas e
interesses locais. Durante algum tempo passou a ser visto como um privilégio
porque as cortes superiores não se mostravam efetivas no processamento desse
tipo de caso. Só recentemente, com o maior ativismo do STF, a polarização e a
tensão entre os poderes, algumas autoridades passaram a preferir ser julgadas
nas instâncias inferiores. O foro por prerrogativa está previsto para o STF, mas
também para o STJ, tribunais de justiça e tribunais regionais federais. No STF,
por força do art. 102, I, b e c, da CF/88, são julgados, por
crimes comuns, o
presidente da república, o vice-presidente, os membros do congresso nacional,
seus próprios ministros e o procurador-geral da república. Assim como, nas
infrações penais comuns e nos crimes de responsabilidade, os ministros de estado
e os comandantes da marinha, do exército e da aeronáutica, os membros dos tribunais
superiores, os do tribunal de contas da união e os embaixadores. No STJ,
segundo o art. 105, I, da CF/88, são julgados, nos crimes comuns, os governadores
dos estados, e, nestes e nos de responsabilidade, os desembargadores dos tribunais
de justiça dos estados, os membros dos tribunais de contas dos estados, os dos tribunais
regionais federais, dos tribunais regionais eleitorais e do trabalho, os
membros dos tribunais de contas dos municípios e os do ministério público da
União que oficiem perante tribunais. Aos tribunais de justiça estaduais compete julgar os deputados estaduais e os prefeitos.
A interpretação constitucional do foro especial já foi
ampla. Até a Emenda Constitucional 35/2001, era impedido o curso de processo
contra parlamentares sem a devida licença do parlamento. Até 2018, o foro
especial valia para qualquer tipo de infração e somente enquanto o réu
estivesse no cargo. Uma interpretação que vinha de decisão do STF em 25/8/1999,
adotada na Ação Penal 313, que cancelara a Súmula 394 e definira que “depois
de cessado o exercício da função, não deve manter-se o foro por prerrogativa de
função, porque cessada a investidura a que essa prerrogativa é inerente, deve
esta cessar por não tê-la estendido mais além a própria Constituição”. E aí
veio a decisão de 3/5/2018, do ministro Barroso em Questão de Ordem na Ação
Penal 937, que limitou o foro por prerrogativa de função às infrações cometidas
durante o exercício do cargo público e em razão dele. Uma reviravolta que
reduziu muito o alcance do foro especial.
A decisão que está prestes a ser
tomada pelo STF no HC 232627 e no Inq 4787 não reverterá a de 2018. Permanece a
exigência de que a infração seja cometida no exercício do cargo e em razão
dele. O que muda é que o término do exercício do cargo não mais desloca a
competência para instâncias inferiores. O que vai ser alterado é aquele
entendimento na Ação Penal 313 de 1999. Agora, vai ser estabilizardo o foro por
prerrogativa de função, que continuará sendo o especial nos crimes cometidos no
cargo e em razão dele. Mesmo depois do fim do seu exercício. Algo razoável, que
não tem a amplitude imaginada por alguns.
Maurício Rands é
advogado, professor de Direito Constitucional da Unicap, PhD pela Universidade
Oxford
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