Jacir Venturi*
Os estudantes que se matricularem no 1º ano do Ensino Médio em 2025 serão os primeiros a enfrentar uma mudança significativa no percurso dos três próximos anos de estudo, com a aprovação da nova Lei 14.945, sancionada há poucos dias (31/07/24), que substituirá o denominado Novo Ensino Médio (NEM), implantado em 2022, aprovado pela Lei 13.415/17, vigente por apenas três anos e já cognominado jocosamente de “NEM, o Breve”. O maior e inconteste mérito de ambas as leis foi a ampliação da carga horária do Ensino Médio para 3.000 horas, ou seja, 25% a mais do que as 2.400 horas do modelo anterior, que reinou soberano por mais de três décadas, alvo de críticas severas da maioria dos educadores, cujo legado foram os baixos e permanentes índices no Ideb e as altas taxas de evasão escolar, agravando desigualdades sociais e econômicas.
Nos últimos 14 meses, o principal embate na discussão da lei foi a carga horária da Formação Geral Básica (FGB), que para a atual gestão do MEC deveria ser ampliada de 1.800 para 2.400 horas. Os dois relatores, deputado federal Mendonça Filho e senadora Dorinha, defendiam uma carga intermediária, mas, após um confronto duríssimo, prevaleceu a pressão do governo, e a lei acabou sendo promulgada com a maior carga horária. Outra modificação significativa é que Língua Portuguesa e Matemática não mais são componentes curriculares obrigatórios em cada um dos três anos do Ensino Médio, desde que a BNCC seja cumprida integralmente ao final. Para citar dois exemplos: a EJA poderá concentrar todo o programa de Matemática em um único semestre; em alguns cursos técnicos pode ser mais adequado não ofertar Matemática no 3º ano, mas condensar todo o programa nos dois primeiros anos.
É importante esclarecer que a FGB é comum a todos os estudantes. É composta de 13 componentes curriculares obrigatórios e clássicos, como Língua Portuguesa, Matemática, Física, Filosofia, Inglês, Arte etc. As 600 horas restantes são dedicadas aos Itinerários Formativos (IF), em que os estudantes podem optar por uma Formação Técnica e Profissional ou pelo aprofundamento para o ingresso no Ensino Superior, priorizando-se os componentes curriculares de maior interesse para o curso de graduação escolhido em uma das 4 áreas: Linguagens, Matemática, Ciências da Natureza e Ciências Humanas e Sociais. Os IF deverão seguir diretrizes a serem elaboradas até dezembro pelo Conselho Nacional de Educação, e a unidade escolar que ofertar o Ensino Médio deve dispor de pelos menos dois IF, que poderão ser ofertados de forma integrada.
Se a opção for pela Formação Técnica e Profissional, deve-se considerar o Catálogo Nacional de Cursos Técnicos (CNCT), que estabelece carga horária de 800, 1.000 ou 1.200 horas. Devido à impossibilidade de ajustar essas cargas nas 600 horas de IF, adotou-se o seguinte arranjo: a FGB será reduzida de 2.400 para 2.100 horas nesses casos. Mesmo assim, para acomodar os cursos de 1.000 ou 1.200 horas, a nova lei admite que até 300 horas da carga horária sejam destinadas ao aprofundamento de conteúdos diretamente relacionados ao curso escolhido pelo estudante.
É crucial viabilizar e estimular a Educação Profissional, pois ela tem o potencial de reduzir a evasão e a reprovação, atraindo o estudante pela possibilidade de ingresso mais rápido no mundo do trabalho e da consequente monetização para subsistência pessoal e familiar. Infelizmente, o Brasil se tornou, na contramão de suas necessidades, um dos países com menor oferta de cursos de Formação Técnica e Profissional (apenas 7% a 11% das matrículas durante a vigência do antigo Ensino Médio).
Em boa medida, pela nova lei, ficam autorizados convênios ou outras formas de parceria com instituições credenciadas de Educação Profissional, preferencialmente públicas. Nos 38 países da OCDE (de alta renda, comprometidos com a democracia e economia de mercado), esse índice varia entre 38% e 72%, o que reforça a motivação para imitá-los. Nessa direção, a introdução dos IF e as mudanças nos cursos profissionalizantes, a partir de 2022, geraram um despertar, uma mola propulsora, um ecossistema propício para ampliar significativamente a oferta dessas vagas. No Paraná, por exemplo, em 2024, 32% das aproximadamente 115 mil novas matrículas no 1º ano do Novo Ensino Médio seguirão a trilha de uma formação técnica (em 2021, eram apenas 11%).
A lei também acertou ao permitir aos estudantes em regime de tempo integral que os sistemas de ensino reconheçam aprendizagens, competências e habilidades desenvolvidas em experiências extracurriculares, como estágios e trabalhos voluntários supervisionados, cursos de qualificação profissional com certificação, iniciação científica ou atividades de direção em grêmios estudantis.
O Presidente vetou a cobrança de conteúdos dos IF no Enem, assim o exame ficará focado na FGB. Decisão acertada, porque, se os conteúdos dos IF fossem exigidos, as condições de isonomia ficariam comprometidas, uma vez que o Enem é um dos principais norteadores do Ensino Médio. Isto posto, é recomendável que as Universidades adotem nos processos seletivos o sistema de pesos para os componentes curriculares. Exemplo: se o vestibulando optar por Engenharia, a Matemática e a Física deverão ter uma ponderação maior do que a Biologia e, adotado esse critério, ainda mais se valorizam os IF. Além disso, é recomendável também que, no futuro próximo, o Inep desenvolva uma plataforma para avaliar os cursos de Formação Técnica e Profissional, à semelhança do Enade para os cursos de Ensino Superior.
Quanto à Educação a Distância, a nova lei é mais restritiva, estabelecendo que o Ensino Médio deve ser ofertado na modalidade presencial, mas admite excepcionalmente o ensino mediado por tecnologia, transferindo aos Conselhos de Educação (Nacional ou Estaduais) a regulamentação da possibilidade de ajuste no percentual atual de 20% para o Ensino Médio diurno e 30% para o noturno, com flexibilidade para contemplar as realidades regionais. As comunidades ribeirinhas da Amazônia, por exemplo, têm necessidades específicas que justificam o aumento desses índices, e o ensino via satélite é uma excelente alternativa para complementar o ensino presencial em locais distantes e de difícil acesso.
Foi também estabelecida a obrigatoriedade, quando houver demanda, de que todos os municípios do país ofertem turmas para o Ensino Médio regular noturno, sendo aqui essencial uma melhor regulamentação pelo respectivo sistema de ensino, como bem ponderado na lei, considerando que 1.257 municípios têm menos de 5.000 habitantes. Pode haver pressão política para que se abra uma turma de 1º ano noturno com cinco alunos, o que aumenta a probabilidade de no 3º ano existirem um ou dois concluintes apenas, representando um custo elevado para os cofres públicos.
As matrizes curriculares do Ensino Médio poderão incluir outras línguas estrangeiras, preferencialmente o Espanhol, embora o Inglês seja mandatório, o que considero uma decisão acertada, pois a obrigatoriedade criaria dificuldades adicionais para as Secretarias Estaduais de Educação, uma vez que não há professores licenciados em Espanhol suficientes para atender os 7,7 milhões de estudantes matriculados nas 254 mil turmas do Ensino Médio (dados de 2023 do INEP), tanto nas cidades de porte médio quanto nos rincões deste Brasilzão.
É preciso que o MEC e as Secretarias Estaduais evitem a repetição de erros do passado (refiro-me ao antigo Ensino Médio), em que penduricalhos pouco estimulantes e excessivos eram ministrados. É essencial concentrar-se em conhecimentos fundamentais para o desenvolvimento acadêmico e profissional dos nossos discentes. Além disso, as diretrizes para as 600 horas dos Itinerários Formativos devem ser balizadoras, no sentido de garantir a presença de temas contemporâneos, relevantes e que, direta ou transversalmente, sejam ofertados conteúdos de Educação Financeira, Educação Digital e Pensamento Computacional, além do Projeto de Vida. A propósito, foi anunciado recentemente pelos organizadores do Pisa que a prova de 2025 também avaliará competências tecnológicas para o mundo digital, pois vivenciamos um novo cenário com os avanços da Inteligência Artificial e das novas tecnologias.
É imperativo que as autoridades educacionais deste país promovam uma normatização eficaz que equilibre inovação e viabilidade prática, em busca de uma melhora nos indicadores de nosso combalido Ensino Médio. A responsabilidade pela oferta dessa etapa da educação recai preponderantemente sobre os Estados e seus Sistemas Estaduais de Ensino, que devem receber suporte técnico e financeiro necessário do MEC, além de avaliações comparativas e consistentes, pois, como William Deming ensina: “Não se gerencia o que não se mede”.
PS.: as opiniões expressas neste artigo são sugestões e críticas construtivas e não refletem necessariamente as posições das entidades com as quais colaboro ou colaborei. A complexidade do tema e a diversidade de visões entre meus colegas de trabalho enriquecem o debate.
*Jacir J. Venturi, durante cinco décadas como professor e gestor escolar do Ensino Médio, em instituições públicas e privadas, incluindo UFPR, PUCPR e Universidade Positivo, testemunhou muitas transformações e desafios do setor educacional. Representou, em duas audiências públicas sobre o tema em Brasília, o Conselho Estadual de Educação do Paraná e a Federação das Escolas Privadas do Brasil (Fenep). É membro do Conselho de Ex-Presidentes do Sinepe/PR.
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